CAPÍTULO 34

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Anna e seus filhos brincavam na água e Paulo só tinha olhos para eles. Silas a segurou por baixo da água, ela o puxou e logo quem esperneava na água era ele, Paulo riu.
"Só tem olhos para ela, não é?" Seu pai disse se sentando ao lado dele na prainha, Paulo assentiu.
"É estranho pensar que encontramos você, mas você não vai viver aqui, não vamos conviver com você." Paulo encarou seu pai, os olhos dele eram impressionantes, da cor do bronze polido. Como ele podia ser pai de Paulo? Aquilo ainda era estranho para ele.
"Viremos visitar vocês muitas vezes. Logo vão acabar dizendo que não é necessário tantas visitas."
"Nunca faríamos isso." Seu pai disse e olhou para Anna e os meninos na água.
"Eu pensei que demoraria muito ver netos meus com a aparência de sua mãe. Não agora, antes, quando Bronzy não podia tocar em ninguém e Brave tocava tanto que eu pensei em cortar o pau dele  algumas vezes."
Paulo olhou para seu pai com os olhos bem abertos. Eles faziam algo como aquilo ali? Embora Brave parecia meio doente por sexo, então...
Seu pai começou a rir, ele relaxou. Era uma piada então.
"Você leva tudo muito a sério, filhote." O pai dele disse.
"É que você é sério. Muito sério... Pai." Era difícil dizer aquela palavra. Na verdade, diferente de sua mãe, que Paulo até ansiava por ficar próximo dela, olhar em seus olhos e ouvir sua voz, no caso de seu pai, Paulo não se sentia filho dele.
"Tudo bem você se sentir estranho ao me chamar de pai. Eu também me sentiria. Você é exatamente como sua mãe, eu adoro isso, mas sim, deve ser no mínimo desconfortável olhar para um macho que não se parece em nada com você e ter de chamá-lo de pai, só por dizerem que ele é seu pai."
Paulo olhou para as mãos, era exatamente isso. Se Brave estivesse ali e se ele ficasse um tempo parado sem estar atrás de alguma mulher, ele iria perguntar como ele podia olhar para o pai deles e se sentir filho dele. Mas Brave...
"Quando Pride nasceu, Valiant passou por algo parecido. Eu não morava aqui, mas vinha muito, Slade sempre precisou de ajuda para administrar tudo, principalmente para lidar com os machos da Zona Selvagem. E Valiant era meu amigo. Valiant tinha cedido sua casa para escondermos Trisha grávida, pois era o lugar mais seguro daqui na época. Só por que eu pedi. Bom, eu estou divagando, desculpe."
"Não. Eu gosto das histórias. Anna ficava até tarde da noite nos contando. Eu gostei muito da história de Tiger e Zandy." Ele disse, seu pai sorriu. Ele sorria sem mostrar as presas, poucos ali faziam isso.
"Ela te contou a minha história e da sua mãe?"
"Sim. Quando você e..."
"Breeze?"
"Sim, quando contou que você e Breeze ficaram juntos eu pensei que os olhos dela iriam explodir. Ela odeia essa parte da história." Paulo adorava esse aspecto da personalidade de Anna Sophia, essa lealdade, essa empatia.
"É. Bom, estávamos falando de Valiant. Pride não se parece com ele. Hoje sabemos por que, mas quando Pride nasceu não sabíamos e Valiant, mesmo tendo Noble, que é uma cópia dele e Honor que se parece muito com ele, ainda assim ficou triste. Pride cheirava como filhote dele, seus traços eram os traços dele, seu cabelo era vermelho escuro devido ao cabelo preto de Tammy e os olhos dele são os dela. Mas ninguém entendia por que ele não era exatamente como Valiant, já que todos os filhotes nascidos naquela época eram exatamente iguais, ou muito parecidos aos seus pais. Eu vim comer alce com ele,  era a primeira caçada de Noble."
"Noble caçou um alce? Mas a idade deles não é próxima? Ele deveria ter o quê? Menos de dois anos?"
O pai dele riu.
"Continue inteligente e perspicaz dessa forma e sua aparência não vai importar nem um pouco. Ops! Te dei um spoiler da nossa conversa." Seu pai disse sorrindo, Paulo não entendeu nada.
"Ele está dizendo que você é muito inteligente, papai. Assim, sua aparência não importa, já que o vovô é um dos homens mais inteligentes daqui. Você só pode ser filho dele." Tim disse se sentando ao lado deles. Ele não estava na água, estava brincando com a menininha ruiva maior. Dhalia.
"Isso. Esse é o meu neto." Brass disse puxando Tim para seus braços e o apertando.
"Ai, vovô." Tim reclamou.
"Continue seguindo Dhalia e James vai enlouquecer. Já tem uma ou outra aposta nesse sentido." O pai de Paulo disse, Paulo mais uma vez não entendeu nada.
"Os pais das meninas são muito ciumentos aqui. É isso que ele está dizendo, papai." Tim explicou mais uma vez.
"Eu acho que entendo. Minha primeira filha irá nascer e..."
"Quando eu e sua mãe acasalamos, já tínhamos Sarah e sim, foi um inferno."
"Você tinha muito ciúme dela?" Paulo olhou para o Deck e Sarah estava lá. Ela se destacava sendo pequena e magra no meio de todas aquelas mulheres altas.
"Sim, mas a questão não era essa. Ela perseguia Noble e como era amiga de Simple, ele ajudava." Brass disse e riu.
"Simple sempre ajudou todo mundo, vovô? Sempre?" Tim perguntou.
"Sim. Sempre." O pai de Paulo disse aquelas palavras baixinho, Paulo sentiu que havia um mundo de significados por trás daquelas palavras.
"Bom, mas na caçada, Pride teve seu primeiro acesso de sede de sangue e mais por isso do que por outra coisa, Pride matou um gato selvagem enorme. Ele o matou com um golpe certeiro de suas pequenas garrinhas, ele era bem novinho mesmo, e quando iria destroçar o animal, nós o seguramos, ele rugiu e desmaiou. Ninguém entendeu nada, não sabíamos o que era sede de sangue, mas o golpe foi tão espetacular e Pride era tão novo que a aparência dele deixou de importar. Valiant sempre foi nosso melhor caçador, não por volume de caça, mas por não fazer suas presas sofrerem ao morrer. Isso não é fácil, filhote. Os animais são parte de nós, são nossa família, mas sim precisamos deles como alimento. E como isso é uma parte feia de nossa existência, pelo menos nós tentamos ser respeitosos com eles. Não os matamos por esporte, preferimos matar as espécies que se multiplicam muito rápido, não os usamos como carregadores, não temos criadouros, não os abatemos muito jovens."
Paulo assentiu. Ele precisava de carne, isso era uma necessidade básica.
"Acha que os animais têm alma?"
Timóteo perguntou, o pai de Paulo sorriu para ele com muito carinho, mesmo que sua expressão continuasse sombria.
"Sim, Tim, Claro que sim. Mas uma alma diferente, acho que as aspirações deles são diferentes das nossas. Nós damos uma grande importância para o tempo em que vivemos, às vezes até mais que a vida em si. Eu vejo os animais como seres que agradecem e valorizam cada segundo de suas vidas. Não acho que viver por vinte anos ou apenas dois faça diferença para eles. Eles vivem, amam, protegem, guerreiam e só. Nós é que nos apegamos ao tempo em que vivemos, nós é que acreditamos que nossas vidas têm de ser longas."
Paulo nunca tinha pensado por esse lado, de que um animal não tivesse consciência de seus anos de vida. Eles tinham um ciclo e esse ciclo se encerrava muito cedo. Nascer, crescer e se multiplicar, isso ocorria em poucos meses. Daí, por mais que um animal se multiplicasse várias vezes e por anos, será que havia diferença da primeira vez? E depois disso só havia o morrer. É, era uma discussão cheia de pontos de vista, mas o ponto de seu pai pelo menos conferia misericórdia aos animais e ele não viu por que atacar esse ponto.
"Nossa! É um ótimo tópico de discussão, vovô!" Tim disse com um grande sorriso no rosto.
"Ann disse que vocês gostam muito disso, de discutir, de debater. Mais uma coisa que prova que são meus. Assim como Pride ter caçado seu primeiro animal tão novinho encheu Valiant de orgulho."
O pai de Paulo concluiu.
"Tim! Me ajuda!" Apolo gritou da água, Tim correu para o lago.
"Eu gosto do fato de você ter tirado minha mãe da casa de Valiant debaixo do nariz de todo mundo." Paulo disse, seu pai riu e ele o acompanhou.
"Eu tive ajuda, mas sim, o plano foi meu." Brass disse.
"Ann precisa estar junto de seus pais. E eles já abraçaram meus filhos de tal forma, que parecem mesmo avós deles. Kit disse que a casa sempre foi grande para ficasse cheia de filhotes, Robert deixou uma lágrima escapar quando eu disse que tudo bem morarmos lá. Então..."
"Então devem morar lá e isso é uma ordem." Brass disse, Paulo o abraçou. Foi como ele sempre sonhou. O cheiro dele, sua força, seu amor tudo atingiu Paulo naquele abraço de urso que os dois trocaram.
Eles se separaram meio sem graça, Paulo via homens se abraçando e se beijando ali, mas não eram todos e ele acabou descobrindo que seu pai fazia parte dos que não abraçavam muito.
Uma comoção na água no entanto, os distraiu. Tim e uma das gêmeas, elas eram tão parecidas que Paulo não sabia quem era quem, estavam discutindo.
Brass suspirou e indicou a água.
"Eu já tive minha cota de separar brigas por esse mês, filhote."
Paulo entrou na água, Tim acusava Mild de ter rasgado o desenho dele,Mild dizia que confundiu o desenho dele com um dos de Hold e Tenure.
Hold e Tenure eram muito novinhos, só faziam rabiscos no papel quando não comiam o giz de cera, então devia ser uma ofensa, Paulo quis rir.
"Olha, só, Mild. Mesmo que fosse um desenho dos gêmeos pequeninos, você não devia ter rasgado, querida." Anna disse. Ela segurava o braço de Tim, Silas segurava... Silas segurava a outra gêmea e Paulo entendeu. Mild estava discutindo com Timóteo, já a outra queria bater nele. Era engraçado.
"Que tal uma luta? Você nunca lutou com um ofídico, querida. Você deixaria seu padrinho muito orgulhoso." Paulo olhou para a direita, era o diretor da Reserva, Slade, que falava.
"Para a sala de treinamento! E não vou me conter!" Sweet disse. Silas a soltou, ela e sua irmã correram e o lago ficou vazio em segundos.
"Acha isso prudente?" Anna perguntou se aproximando, Paulo a beijou com saudade, mesmo que estivessem juntos desde que ele voltou.
"Eu preciso assistir?" Ele perguntou com um sorriso, Anna fechou a cara.
"Claro que precisa! Temos de apostar em Tim! Papai já deve estar pulando e gritando e a luta nem deve ter começado. Vem!"
Paulo riu do entusiasmo dela e teve de correr atrás dela assim que saíram da água. Ela continuava forte e rápida mesmo com a barriga já estando grande.
Na sala de treinamento, os adultos estavam num lado, os filhotes em outro.
Paulo e Anna ficaram na entrada, os filhotes estavam em dois grupinhos, um formado pelas gêmeas, Apolo e outros filhotes, no outro, Silas, Timóteo e Alexandre confabulavam.
"O que você acha?" Anna perguntou.
"Tim vai ganhar." Paulo disse.
"Sweet é feroz e muito boa. Há a dolorosa mordida e... Nossa! Tim é como ela! Essa luta vai ser mesmo muito boa!"
"Paul, eu sei que você é novo, mas eu tenho certeza de que alguém já deve ter te dito que fêmeas..."
"Apostou em Sweet, Harley?" Anna cortou o homem que falava, ele era muito parecido com o pai de Paulo, mas Paulo não o chamava de Tio, ele se sentia estranho ainda e não entendia direito os parentescos ali.
"Sim, é claro."
"Eu aposto o dobro do que você apostou em Tim, o que me diz disso?"
"Eu digo que cubro e dobro." Harley respondeu.
"Então beije todas as notas em sua carteira por que elas virão para o meu bolso." Anna disse, Harley correu para o grupo dos adultos e as apostas choveram.
Pauli foi levado para o grupo dos pais, seu pai estava até dando pulinhos de excitação.
A luta começou e Paulo sorriu quando Sweet contrariando seu jeitinho agressivo começou a rodear Timóteo, totalmente concentrada nele. Timóteo ficou imóvel e dobrou os joelhos levemente, seguindo Sweet com os olhos.
Nenhum som era ouvido na sala de treinamento a não ser as respirações de Sweet. Paulo sorriu com pena, sem prender sua respiração, Timóteo sentiria Sweet mesmo sem vê-la.
Sweet saltou sobre Tim, ele desviou, sorriu e sumiu.
Um som de assombro tomou a sala de treinamento, Paulo, Silas e Gift o viam o resto não.
Sweet sibilou bem alto ferindo os ouvidos de todos, isso desconcentrou, Tim e ele apareceu prestes a dar o bote nela, ela lhe arranhou o lado do corpo, Tim não teve evitar segurá-la pelo pescoço. E era exatamente o que Sweet queria. Ela cravou as garras das duas mãos em cada lado do tórax de Timóteo. Harley gritou de êxtase, Anna encarou Paulo com os olhos arregalados. Paulo sorriu.
Tim aproveitou a proximidade e mordeu Sweet no ombro. Ela caiu mole no chão, Brass correu para ela, Sweet abriu os olhos e sibilou de raiva, mas já estavam dando a vitória da luta para Timóteo.
Sweet se levantou e olhou com raiva para todo mundo, Tim se esticou.
"Eu te ensino." Ele disse com os olhos baixos.
"Não precisa. Papai vai marcar uma revanche." Ela disse e saiu andando com a postura de uma rainha, Proud começou a bater palmas, os outros filhotes o acompanharam.
Anna estava com uma mão no peito, Paulo a beijou no topo da cabeça quando a abraçou por trás.
"Foi... Acho que entendo por que as fêmeas não assistem às lutas." Ela disse, Paulo riu.
Depois disso, o dia se arrastou entre conversas e muita comida. No fim, Paulo se sentia exausto quando ele e Anna ficaram a sós no quarto da casa do Tio dela.
"Eu não sei, Anna, mas acho cansativo morar aqui." Ele disse quando se deitaram.
"Você já pensou em trabalhar? Há muitos trabalhos para se fazer aqui." Ela disse.
"Mas iremos morar com seus pais, então..."
"Não. Eu acho que não. Você viu Silas e os  outros? Eles estão tão felizes aqui, Paul!"
"Mas seus pais..."
Anna sorriu um lindo sorriso, Paulo ficou um tempo esquecido do assunto. Ele a amava tanto! E ver que ela era capaz de morar longe de seus pais apenas por causa dos filhos dele fazia o coração dele tremer de amor.
"Mamãe e papai vieram conversar comigo a tarde. Eles pensam como eu, papai chegou a dizer que sentia muito a minha falta quando eu vinha para cá e que não quer que isso aconteça de novo."
"Não entendi, Anna. Estaremos todos juntos. Como ele pode dizer que vai sentir sua falta de novo?"
"Na verdade ele estava falando dos nossos filhotes. Eu nunca senti vontade de morar aqui, eu sempre vinha nas festas e isso para mim era suficiente, mas eu não acho que isso vá bastar para nossos filhotes. Nem meus pais acham."
Paulo sustentou a cabeça em sua mão, ficando com o rosto acima do dela e a encarou.
"Eu viverei onde você viver. E acho que os meninos também. Você é nosso lar, Anna."
Ela sorriu, aquele sorriso que iluminava a tudo, principalmente a escuridão que Paulo cresceu acreditando que era sua essência. Não era mais e tudo graças àquele sorriso.
"É o mesmo pra mim. Então estamos resolvidos, moraremos aqui! Papai quer construir perto da casa dos meus padrinhos. Tio V disse que paga pela nossa casa, Tio Valiant disse que Honor irá projetar, meu padrinho disse que será Gift o engenheiro! Wide e Broad disseram que serão os construtores, eu disse que só precisava de saber a sua opinião."
"Eu gosto de construir coisas. Posso ajudar." Paulo disse animado.
"Melhor não. O ritmo de construção dos Quimeras é insano, você não conseguiria acompanhar."
"Está me chamando de fraco?" Paulo perguntou com a cara fechada para ela.
"Bom, você é mais fraco que um Quimera, todos são. Mas para mim, você é mais forte que muitos aqui."
"Mais forte que Candid?" Paulo perguntou. Anna baixou os olhos, Paulo tinha notado os olhares de Candid para ela e tinha se sentido ferver por dentro de ciúmes.
"Eu não sei. Você é maior, eu te dou isso,mas tamanho e força são relativos aqui. Você viu Harmony, não viu? Eu sou menor e sim, sou mais fraca que ela, mas quase ganhei dela."
Paulo a encarou assustado. Harmony era maior que muitos humanos altos que ele conheceu, ela devia ser mais alta que Brave, embora Brave era um dos menores ali. Os braços e pernas dela eram grossos e musculosos.
"Você lutou com aquela amazona?" Anna caiu na gargalhada, Paulo acabou rindo também.
"E quase ganhei, fora que ela teve de ir para o hospital. Tenha muito cuidado comigo, ou te mando para o hospital, ok?"
"Se eu te magoar de alguma forma, eu mereço ir para um hospital. Pode me encher de pancada." Ele disse ela riu ainda mais.
"Vou te lembrar disso daqui a algumas décadas." Ela disse com entusiasmo e puxou o rosto de Paulo para o dela, o beijo que ela lhe deu o acendeu, logo Paulo estava sobre ela, dentro dela.
Eles se moveram entre beijos e carícias até o clímax vir para os dois ao mesmo tempo e o último pensamento de Paulo foi que ele nunca se acostumaria com aquilo, com aquela explosão de sensações. Tanto que assim que  recuperaram o fôlego começaram tudo de novo.

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