CAPÍTULO 27

121 19 6
                                    

A mente do jardineiro era tão calma! Brian sorriu ao ver mais uma flor desabrochando enquanto limpava alguns canteiros, Flora estava melhorando, Patrick estava convencido de que tinha o controle total do corpo de Brian, Jacob estava cada dia mais adorável. Sim, a vida dele era satisfatória.
O jardineiro era velho e viúvo, morava perto da mansão de Patrick, tinha uma filha, um genro e dois netos. Eles o visitavam, Brian adorava cozinhar para eles.
Um carro adentrou a propriedade e antes que este parasse, dois meninos saíram pela porta, rolaram no chão e se levantaram num salto. O carro parou e Brian paralisou ao ver seu pai sair do carro e ralhar com os meninos.
"Ah, tio! Deixa de ser estraga prazeres!" Um dos meninos disse.
"Pode deixar, tio, eu vou contar tudo para o papai." Outro menino saiu do carro e Brian engoliu em seco. Aqueles meninos! Idênticos a Honor, os três. O menor poderia ser...
"Você nem deveria ter vindo, Heitor! Quando voltarmos, mamãe vai te dar um enorme castigo!"
"Ok, ok. Vamos entrar? Eu prometi para meus filhotinhos que ligaria assim que chegássemos." Elize também saiu do carro.
Brian deu alguns passos para trás, o que estava acontecendo? Ele continuava se afastando quando outra mulher saiu do carro.
"Nossa! É oficial, eu odeio vôos comerciais." Ela disse esticando o corpo.
Brian se sentiu sufocar, o corpo idoso caiu sentado, Joe correu para ele.
"Senhor?" Ele ajudou Brian a se levantar, Brian procurou um lugar onde pudesse se esconder, mas se saísse de uma vez, o senhor Diggs poderia morrer, então ele respirou fundo tentando conter o pânico.
"Eu estou bem. Obrigado, meu senhor."
"Senhor Diggs! Tudo bem?" Flora apareceu e lhe tocou o rosto, toda a calma que ele precisava lhe tomou a alma, Brian sorriu.
"Obrigado, minha senhora." Ele disse.
"Disponha." Flora sorriu, Brian totalmente no controle e revigorado graças ao toque dela, assentiu com a cabeça e se afastou deles.
Ele se dirigiu ao barracão de ferramentas, se sentou num tamborete e continuou respirando longamente. A visão de Daisy pulando em Brienne e lhe torcendo o pescoço a muito tempo não o assombrava, mas ver Joe, Daisy e até o bebê, Heitor, trouxe tudo de volta.
Brian juntou tudo, organizou o lugar e voltou para sua casa, ele se sentou à mesa da cozinha, mas não tinha fome. Ele quis fugir, quis sumir daquele lugar, mas o senhor Diggs morreria assim que a mente de Brian abandonasse o cérebro dele.
"Oi." Brian tomou um susto, um dos gêmeos tinha entrado na sua cozinha.
"Oi, rapazinho. Precisa de alguma coisa?" Ele perguntou. Aquele menino não era só um menino, mas Brian não iria tentar sondar a mente dele, era muito arriscado.
"Brian, não é?" O menino disse, Brian se levantou da cadeira, o menino sorriu e continuou falando:
"Calma, não vou contar seu segredo. Eu também saio da minha mente às vezes. Isso não é nada demais." O menino disse e sorriu.
"E ele é bem velho, você deve ter medo dele morrer, não é?" O menino sorriu.
"Sim." Brian disse simplesmente.
"Eu vim te dizer isso, Brian. É perigoso. Dividir a mente ajuda a viver melhor, ainda mais quando Flora é uma bomba de sensações, e sim, eu acho que também separaria uma parte de minha mente a fim de preservar minha essência, mas é perigoso."
Brian sorriu. Então o menino sentiu a mente de Brian no senhor Diggs, e veio avisá-lo do perigo de se fazer isso, aquele menino não sabia que quem estava no controle da mente e corpo de Brian era Patrick. Isso era uma particularidade do chip, ficava totalmente encoberto.
"Você parece mais velho do que é." Brian disse, o menino ligou o fogão, tirou uma panela de caldo da geladeira que Brian tinha feito mais cedo e colocou no fogo. O cheiro de carne e legumes encheu a pequena cozinha, Brian sorriu quando o menino o serviu.
"Heitor veio para te encarar nos olhos e te fazer pedir desculpas. Ele se escondeu no helicóptero e quando meu tio sentiu o cheiro dele, ele não quis descer do helicóptero de jeito nenhum. Então, eu e meu irmão Castor viemos também."
"Eu vou me desculpar com ele, é claro. Mas quem vai se desculpar comigo? Quem vai dizer que sente muito pela morte de minha irmã?" Brian disse, o menino ficou em silêncio por alguns segundos.
"Tia Daisy fez o que qualquer um faria, Brian. Você e sua irmã não deviam ter colocado a vida do meu irmão em risco."
"Não fomos nós. Não foi Brienne pelo menos. A culpa foi toda minha, eu fiz o que ela pediu, eu estava cheio de ódio e despeito. Mary se aproveitou disso, ela e Samantha usaram a minha irmã e não era possível saber quando era Brienne ou Mary ou Samantha."
"Isso já faz muito tempo, Brian. Você tem uma família linda agora, uma esposa e um filhote. Minha tia não tinha como saber que haviam outros planos por trás do sequestro de Heitor."
"Sim. Mas eu vou ficar afastado." Brian disse.
"São duas personalidades?" O menino perguntou entre uma colherada de caldo e outra, Brian sentiu seus instintos apitarem.
"Sim e não. Eu estou fazendo isso a muito tempo e com isso a parte da minha mente que está em meu corpo acaba se tornando autônoma, mas ainda sou eu." Era uma puta mentira, e aquele menininho não era comum, mas era de conhecimento de Simple que Brian tinha um chip, então não era possível saber que havia outra alma controlando o corpo dele. Embora o menino tenha descoberto que Brian tinha capacidades telepáticas.
"Mas e o vínculo?" Pólux perguntou, Brian sorriu. Simple! Ele quase o enganou.
"O vínculo é algo bem corporal, Pólux. Ainda que minha alma esteja ligada à de Flora, essa ligação se manifesta em meu corpo. E mesmo na mente do senhor Diggs, eu a amo." Brian disse sinceramente, Pólux baixou a cabeça. Era bonito ver que o menino gostava tanto de Simple a ponto de ficar triste por ele.
O desejo de vingança já tinha arrefecido no coração de Brian a um tempo já. Agora, Brian apenas sobrevivia, ele estava além da vingança e também além do amor.
Pólux se despediu e foi embora, Brian se sentou num banco debaixo de uma grande árvore e deixou sua mente vagar até o ninho de pardais que havia no pergolado do jardim.
Brian, usou o pássaro, sobrevoou a casa e pousou num galho de uma árvore que o permitiria ver a sala de jantar. O outro gêmeo, Castor, ergueu os olhos na direção dele, Pólux fez algum movimento por debaixo da mesa, o menino baixou os olhos para seu prato. Brian sorriu mentalmente, aqueles meninos eram muito poderosos e enquanto estivessem ali, vigiariam Brian. O que eles não sabiam era que quanto mais corpos Brian usasse, mais sentido sua explicação faria. Simple com certeza não veria nada demais em Brian usando pássaros, gatos ou cachorros, já que uma mente dividida deixava sua maior parte estável dentro do cérebro original e a outra parte fazia exatamente o contrário, vivia vagando de cérebro em cérebro.
Simple não sabia que a mente de Brian estava totalmente fora de seu corpo e cérebro, e graças a esse comportamento, ele continuaria acreditando nisso.
Daisy comeu uma enorme quantidade de comida, Flora falava empolgada de seu novo projeto, Patrick a olhava com um sorriso orgulhoso no rosto. Um almoço farto, ruidoso e feliz, como só um almoço de família podia ser.
Elize estava empolgada para ir nos pontos turísticos de Londres, Daisy disse que iria andar pelos arredores.
Brian se deitou e tirou um cochilo, pois usar animais a sua volta cansava aquela mente idosa.
Houve uma comoção e como já tinha estendido sua mente até o pardalzinho, Brian não quis fazer de novo, então pegou uma mudinha de uma planta noturna e voltou à mansão.
Ele cavou e depositou a muda com carinho na terra, o amor pelas plantas do senhor Biggs tinha passado para ele.
"Acho que o pior foi ele jogar minha irresponsabilidade na minha cara. Logo ele!" Daisy disse, Brian continuou mexendo na terra.
"Você tinha certeza de que te resgatariam, D. Você mesmo poderia arrasar com tudo e voltar para casa. Ninguém irá cuidar e amar sua filhotinha melhor que você, querida." Flora disse.
"A culpa está me matando, Flora." Daisy disse.
Brian ergueu as sobrancelhas grisalhas do senhor Biggs. Então Daisy se ofereceu no lugar de Brave e do outro? E além de recusar a oferta, o tal Moses jogou na cara dela a tragédia que seria se a filhotinha dela fosse vendida? Bem feito!
"Não se culpe querida, isso não vai levar a nada. Você está aqui, está segura. Não pense mais nisso." Flora disse.
"Eu esperava que você me dissesse algo diferente, Flora." Daisy disse e fungou, Brian suspirou. Então ela estava sofrendo. A culpa por ter colocado sua filhotinha em risco estava doendo? Brian segurou um rosnado por aquela hipocrisia. Na hora de matar Brienne, Daisy nem pensou duas vezes, não se preocupou com o sofrimento de ninguém.
Brian olhou para o céu e deixou uma lágrima descer pelo rosto enrugado do senhor Biggs. Ninguém sofreu por Brienne, essa era a verdade. Joe usou Heitor para dilacerar o lindo rosto dela, Daisy lhe torceu o pescoço. Ela era filha e sobrinha deles!
"O que esperava que eu dissesse, Daisy? Quer que eu te ensine a conviver com a culpa?" Flora perguntou, Brian se interessou pelo tópico da conversa.
"Você é especialista nisso, não é? Ou você ainda sofre pelo que fez com meu irmão? Se sofre não parece." Daisy perguntou.
"Não é culpa minha ele ter se vinculado, Daisy e você não sabe da história toda, então..."
"Eu sei que você ficou com raiva por ele ter te tratado como uma qualquer, mas você correu para a casa de Wide atrás dele, não foi? Daí, você engravidou e não contou nada, você fugiu e ele teve um colapso na cadeia, bem quando o corpo preservado de Honest estava morrendo." Daisy disse, a voz dela era dura, Brian, mesmo a odiando, a admirou, pois ninguém falava daquele jeito com Flora.
"Ele voltou para Fuller, eu entendi que devia ser muito importante ele ficar lá. Eu estava esperando por ele, eu não quis que ele sofresse ainda mais por estar preso e eu grávida de um filhote dele, Daisy."
"Nunca passou pela sua cabeça que Cam pudesse ficar no lugar dele? Eles trocavam de nome e personalidade e enganavam todo mundo. Acha que não fariam isso? Eu até arriscaria dizer que todos fariam vista grossa."
Brian se esgueirou pelas plantas até ficar num lugar que o permitisse vê-las. Flora não tinha um bom faro e ele apostava que Daisy estava pouco se importando se o senhor Biggs ouvisse a conversa.
Os olhos de Flora estavam distantes, Brian sabia o que aquilo significava. Ela estava se concentrando para não atacar Daisy. Se ela estava fazendo aquilo era sinal de que a conversa a atingiu bem mais que ela esperava.
"Agora não adianta mais apontar alternativas do que eu deveria ter feito, D." Ela disse baixando os olhos para as mãos.
"Eu sei, mas você não se culpa? Você foi uma idiota!" Daisy disse.
Flora abriu as ventas, Brian pensou se não deveria intervir. Um ataque de Flora era letal e Daisy estava grávida. Mesmo que não ligasse para a vida de Daisy, a filhotinha dela era inocente.
"Não. Eu não me culpo. Eu sofro, mas não por culpa. Meu filhotinho morreu, Daisy. Algo dentro de mim morreu com ele e sim, eu fui a responsável pela morte dele. Ainda que não se soubesse o que eu era direito, se eu estivesse sob os cuidados do hospital da Reserva ele teria uma chance. Mas eu fiz o que eu achava correto na época, eu usei as informações que eu tinha e eu fui a mais prejudicada. Você é mãe agora, Daisy, você consegue pelo menos entender que a dor de ter perdido meu filhotinho nunca vai acabar, nunca vai diminuir? E não foi só um, Daisy." Ela disse e apertou os punhos travando toda a dor em seu peito.
"Sim, mas isso não tira o sofrimento de Simple da equação. Ele também perdeu os filhotes."
Flora assentiu.
"E você deve me culpar por ter ido ficar na casa dos meus avós, não é? Simple me sugestionou e me usou, mas a culpa é minha, não é?" Flora disse, Daisy suspirou.
"Eu não tiro a culpa dele, Flora. Foi errado, muito errado, mas ele está enlouquecendo. Ele não é mais o mesmo, eu temo que ele possa vir a morrer. Eu não entendo como você pode ter compartilhado sexo com ele e não ter se vinculado! Você entende como isso é trágico?"
Nunca ninguém abordou esse assunto com Flora e Brian estava vendo o quanto o agarre de Ananyia nela era forte. Ela sofria por Simple, mas o amor por 'Brian', Patrick, no caso, era maior.
"Eu me apaixonei, Daisy. Eu pensei que era o vínculo, mas quando Brian começou a me visitar tudo foi diferente. Esse período da minha vida foi muito nebuloso, eu me lembro de questionar o que eu sentia por Simple, eu me lembro até de pensar que sorrir para Brian era errado. Mas aí, meu filhotinho morreu. Quando eu recobrei os sentidos tudo estava diferente. Era como se eu fosse outra pessoa. E daí o apoio de Brian foi vital, eu dependia dele, entende?"
Daisy suspirou, ela segurou a mão de Flora e beijou o dorso.
"Eu nunca pensei que o vínculo pudesse ser uma loteria. Pensar que papai e mamãe não estavam predestinados, que foi uma sorte mamãe ter entrado pelo caminho errado e ter aparecido bem na porta da casa de papai e não uma obra do destino, faz com que nós nos questionemos se iremos ter sorte ou azar. Por que se formos ter azar, será para o resto de nossas vidas, Flora. Estaremos condenados, assim como Simple está condenado. Logo ele!" Daisy disse, Flora jogou a cabeça para trás em puro sofrimento.
"Eu não queria isso para ele, eu não queria mesmo, mas eu não posso viver longe de Brian, Daisy! Ele é como a gravidade para mim, ele me segura nesse planeta. Sem ele minha alma se esvazia de tal forma que minha essência iria se desfazer. E pensar que eu posso ser isso para Simple! Pensar que ele vive por mim, mesmo estando longe de mim, pensar que ele anseia pelo meu cheiro, pelo meu corpo. Às vezes esse fato pesa em meu coração, pesa de um jeito que eu tenho vontade de morrer. Não é fácil ser a causa de um sofrimento desse calibre em alguém, Daisy."
Daisy não respondeu e Brian viu que Ananyia tinha realmente colocado uma trava de segurança na mente de Flora. Alguma coisa poderia destravar o que Ananyia fez, mas sem se saber o que era, Flora ficaria amarrada a Patrick para sempre. Brian poderia descobrir o que era, mas ele faria isso? Ele ajudaria Simple?
"Eu não me culpo, por que todos os meus atos voltaram para mim, Daisy. Minha vida é um misto de felicidade e pesar, alegria e sofrimento. Eu vivo cada dia de forma simples, procurando tirar o melhor proveito do que eu tenho. Eu tenho Brian e Jacob e eles são a minha vida. Eu oro todos os dias para que Simple consiga virar esse jogo e ser feliz. Esse é o maior desejo do meu coração." Ela disse com tanta sinceridade na voz que Daisy se levantou.
"É, tudo isso é uma merda, isso sim."
"É." Flora disse simplesmente.
"Vem, vamos comer, você está comendo por duas, não se esqueça."
"Acha que Honor me deixa esquecer isso? A última dele foi comprar um carregamento de carne e me perguntar se daria para um mês." Ela disse, Flora riu.
"E o que você respondeu?"
"Eu quebrei uma cadeira nas costas dele, mamãe me fez encomendar um jogo completo de cadeiras. Ela sempre fica do lado dele!" Flora riu e as duas entraram, Flora não parecia magoada com Daisy, provavelmente ela gostou de alguém falar com ela de forma dura, diferente da doçura com que todos a tratavam.
Brian foi até a planta que tinha plantado e alisou as poucas folhinhas pensativo. Flora não gostava de falar de seus sentimentos e a aura de bem estar que ela emanava fazia com que ninguém se interessasse por quem ela era de verdade. Todos sorriam e a amavam, mas poucos a conheciam. E havia tanto sofrimento dentro dela que viver a vida sempre com um sorriso no rosto e as mãos prontas a ajudar quem quer que fosse, devia ser muito difícil, mas ela continuava. Ela recebeu uma mão péssima de cartas, mas ela continuava jogando, seguia a vida e esperava de todo seu coração que Simple fosse feliz de algum jeito.
A chave para ela destravar sua mente estava dentro dela mesma, ela era poderosa de diferentes formas, mas só o autoconhecimento a levaria a se libertar.
Brian pensou se não deveria voltar a seu corpo, eliminar Patrick e ajudar Flora a se libertar. Ver seu pai e Elize lhe doeu o coração, Elize era tão doce, tão amorosa! Brian não queria uma mãe, mas ele queria um pai e o pai dele vinha com Elize de brinde.
Valeria a pena mudar tudo? Esquecer sua irmã, deixá-la descansar?
"Oi." O outro gêmeo, Castor, apareceu do nada às costas de Brian, Brian se virou, o encarou e ficou surpreso com a cara de pestinha que ele tinha totalmente diferente do olhar inteligente e maduro de Pólux.
"Oi. Precisa de..."
"De alguma coisa? Sim, é claro." Ele disse e o sorriso dele lhe lembrou o sorriso de Candid.
"Eu preciso que você durma." O pestinha disse e Brian obedeceu. Ele não dormia a muitos anos já, seria bom uma pausa.

FILHOTES - LIVRO 3Onde histórias criam vida. Descubra agora