Madrugada - 15

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   Em algum momento entre as onze da noite e às três da madrugada eu comecei a chorar sem parar.

   Tive uma crise de apatia tão intensa durante essa semana que de repente todos os sentimentos voltaram e como a única forma de aliviar sem me pôr em risco era chorar... Cá estou eu.    Sentada na minha janela chorando baixinho para meus pais não ouvirem.

   O chão está a apenas poucos metros de altitude e seria necessário muito mais que isso para conseguir me matar mas não estou tentando morrer hoje.

  Talvez outro dia.
   Hoje não.

   Só puxei minhas pernas de volta para cima do batente da janela quando uma luz fraca iluminou o cômodo conhecido da casa ao lado da minha.

   Nero abriu a janela e se apoiou preguiçosamente nela, um cigarro entre seus dedos e a fumaça evaporando no ar.

   Nero fuma?

   Eu mentiria se dissesse que não tenho vontade de beber até cair, ou de fumar até meu pulmão parar de funcionar mas eu não quero que meus pais tenham que lidar com uma Jonna viciada em drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas. Não quero ser ainda mais vazia ao tentar me preencher com prazeres tão vazios quanto esses.

   A questão é que não quero morrer lentamente, não quero viver meus dias pensando em qual das doenças chegariam primeiro; a cirrose ou o câncer? Talvez uma overdose vencesse a corrida.

   Mas e se ao descobrir minha morte a vida começasse a ficar interessante?    Qual seria a graça de morrer logo quando encontro o prazer em viver?    Por isso que se eu for tentar morrer de novo farei isso de forma direta.

    No fim desse pensamento Nero olhou para minha casa, especificamente para mim, eu não desviei o olhar mas escondi discretamente o meu rosto banhado em lágrimas, ao julgar a distância de nossos quartos não é impossível ele notar que estive chorando.

   Nenhum de nós dois falamos nada, não teve um momento de provocação e nem um xingamento direto, ele não disse nada, muito menos eu.

    Nós nos desencontramos durante toda a semana, segunda e terça ele não foi para a aula e no resto da semana eu estava péssima de mais para levantar da cama. É por isso que não nos falamos desde o jantar com nossos pais.

   Naquele domingo, depois de Ruthe me deixar em casa eu fui até a casa dele para conversar mas ele havia saído com o pai. Depois disso acabei ficando com muita raiva dele por muitos motivos e desisti até de mandar mensagem.

   Mais fumaça saiu de sua boca enquanto seus olhos me analisavam com curiosidade.

   Só notei que ele está sem camisa quando me imitou ao sentar na janela de seu quarto, as pernas pendendo no ar, diferente de mim que abraço meus joelhos.

    Estranhei não ouvir nada sair de sua boca durante os longos minutos que ficamos ali nos olhando em silêncio, estamos em trégua dos jogos de orgulho, então estamos aqui por nenhum motivo em especial.

    Particularmente não teria forças para brigar com ele nem se eu quisesse então agradeci mentalmente pelo seu silêncio ensurdecedor.

   Quando seu cigarro chegou ao fim eu me senti mais leve junto com ele, a vontade de chorar passou e a sensação do vazio aconchegante voltou, daqui algumas horas um novo dia iria começar e eu precisava dormir.

   Ao me mover lentamente senti meu corpo inteiro doer e gemi baixinho com a dor chata, entre reclamações inaudíveis eu desci da janela mas antes de fechar o vidro olhei novamente na direção do meu vizinho.

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