CAPÍTULO 27

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Oito e meia, era o horário em que o show iria começar. Valéria e Aninha — Namorada de Bento, o que eu vim descobrir hoje — estavam em uma parte atrás das caixas gigantescas de som, um lugar "vip" para assistir o show.

Agora todos os integrantes da banda e algumas pessoas da equipe estavam em uma roda, de mãos dadas e falando nosso "grito de guerra".

— É mamo-na-na-nas, mamo-na-na-nas! — estávamos pulando e gritando em conjunto, arrancando risadas de algumas outras pessoas ali presente.

— He he he — Dinho fez sua famosa risadinha no final. — Bora lá galera! Vamo arrasar.

Todos fomos praticamente correndo para o palco, na folia do momento. Mas eu não pude ignorar quando senti um arrepio no corpo ao colocar os pés no palco.

Mas diante de tanta euforia, eu simplesmente ignorei e segui o roteiro do show.

Todo o show foi um misto de sentimentos diferentes, com sensações que a anos atrás eu pensei que nunca iria sentir nessa vida. Talvez o impossível realmente não exista.

— Essa aqui é a nossa pitchulinha, a loirinha do tchan.— Dinho falou, se aproximando de mim e tocando meu ombro.

Acenei para o público, mas meus olhos se fincaram em um certo ser que estava presente na plateia.

Agora eu tinha total certeza, era realmente ele. Meus olhos paralizaram e tudo a minha volta se calou, sendo possível ouvir apenas as batidas aceleradas do meu coração.

Parado da plateia, me encarando com uma cara de psicopata, era assim que o homen que supostamente seria meu pai — o que ele já não era desde aquela noite — estava.

Eu não consegui fazer nada, apenas encara-lo, vê-lo sorrir ainda mais ao notar meu choque.

— Vixi, a Muié travou. — ouvi a voz de Dinho ao meu lado.

Eu não podia culpa-lo, não podia culpar nenhum deles, eles não tinham a mínima ideia do que eu estava passando naquele exato momento. Afinal de contas, meu subconsciente não deixou eu me abrir e desabafar com nenhum deles.

— Eu presciso sair daqui. — praticamente sussurrei, fazendo Dinho olhar confuso para mim.

Rapidamente me virei, tirei minha guitarra e entreguei para alguém da produção. Eu sabia que Bento daria conta de fazer o show com apenas ele tocando guitarra.

Fui rapidamente em direção a Valéria, que também tinha um olhar confuso sobre mim. Quando cheguei mais perto dela, simplesmente abracei a loira, levando ela para trás das caixas de som, tentando fugir do olhar dele.

— O que aconteceu? — Val acariciou meus cabelos.

— E-eu não vou conseguir explicar agora, eu só quero que você não saia de perto de mim. — Tentei explicar, sentindo minha mãos começarem a tremer.

Que droga! Eu estava tão sensível esses últimos dias, tudo estava voltando de uma hora pra outra. Traumas que eu demorei para esquecer voltando de uma hora pra outra. Me deixando com a imagem de uma mulher fraca.

E era isso que eu era, fraca.

— Aqui, bebe um pouco de água. — ouvi a voz de alguém da produção, em seguida vi uma garrafa de água mineral Elder estendida em minha direção.

Rapidamente peguei a garrava de virei o líquido em minha garganta, que aos poucos estava ficando seca. Joguei um pouco de água nas mãos para molhar o rosto, sem me importar se molharia minha roupa de prisioneira ou não.

— Eu acho melhor a gente se sentar. — Aninha, que estava ao nossos lado esse tempo todo, sugeriu.

Eu e as duas loiras seguimos para um local onde toda a produção estava. No local tinham várias cadeiras e sofás. Optei por sentar no sofá, já que era mais confortável.

Aninha sentou ao meu lado no sofá e Valéria pegou uma cadeira para sentar na minha frente. Ambas pegaram minhas mãos, como uma forma de me confortar naquele momento tão... dramático.

— A gente tá aqui se você quiser conversar. — a voz meiga de Aninha invadiu meus ouvidos. Genuinamente soltei um sorriso sincero, porém curto.

— Eu acho que já tá na hora de desabafar... — soltei as palavras, como se fossem um peso que estavam nas minhas costas.

e realmente eram.

— Pode desabafar. Somos todas amigas, vamos te compreender. — Valéria falou, recebendo a afirmação de Aninha.

— Bom, eu não sei nem por onde começar. — me ajeitei no sofá e soltei minhas mãos das mãos delas.

Passei as mãos pelos cabelos, tirando alguns fios rebeldes que estavam na minha testas. Respirei fundo e prossegui:

— Anos atrás, quando eu ainda tinha cerca de sete anos, aconteceu algo que me gerou traumas impossíveis de superar. — comecei, recebendo a atenção das duas. — em uma noite qualquer, depois que eu cheguei do parquinho junto com meus pais, uma briga começou na minha casa, eu nunca soube o real motivo daquela briga, mas eu sabia que sempre que meu pai bebia, acabava em brigas. — respirei fundo novamente, segurando as lágrimas.

— E então, enquanto eu estava na sala e meus pais no quarto, eu comecei a ouvir alguns gritos, eram gritos da minha mãe. Naquele momento eu comecei a ficar com medo, até porque eu era uma criança, e não tinha mais ninguém ali comigo a não ser meus pais. — bebi um pouco mais de água, sentindo dor na garganta por segurar o choro. — Minha mãe saiu do quarto, com o nariz sangrando, ela me pegou no colo e me levou pro quarto, mas quando eu passei pela porta entreaberta do quarto dos meus pais, eu pude ver meu pai jogado no chão, parecia ter levado uma tapa ou algo assim. Minha mãe me colocou dentro do guarda roupa e depois saiu. — lágrimas já estavam caindo dos meus olhos.

— Calma, a gente tá aqui com você. — Aninha me abraço de lado.

— Tudo bem se você não quiser continuar. — Valéria tocou meu ombro.

— Não, eu... eu tenho que tirar esse peso de mim.

— A gente sempre vai te escutar. — Valéria acrescentou.

— Continuando... Minha mãe saiu do quarto, me deixando sozinha naquele guarda roupa escuro e frio. Passou alguns minutos, e eu comecei a ouvir os gritos mais dolorosos da minha vida, seguido de pedidos suplicantes de socorro vindos da minha mãe. Foram cerca de dez minutos de puro gritos de horrores da minha mãe, mas depois parou. Nesse meio tempo meu rosto já estava molhado pelas lágrimas e meus olhos inchados, igual agora. — sequei as lágrimas com a manga da minha roupa. — Bom, quando eu passei que tinha acabado, ouvi passos vindo na direção do guarda roupa, eu jurei que era minha mãe, um alívio momentâneo me invadiu naquele dia. Mas minha fantasia acabou quando eu vi meu pai banhado de sangue, vindo na direção do guarda roupa, me chamando dos nomes mais horrendos possíveis.

— Eu não acredito... — Valéria comentou.

— Acredite, essa nem é a pior parte. — suspirei, tirando novamente os fios rebeldes de cabelo do meu rosto. — Quando ele me achou... ele tirou toda a minha inocência, me deixando também completamente suja de sangue, um sangue que nunca vai sair de mim.

— Mas que filho da... — Valéria levantou rapidamente, passando as mãos pelo cabelo. — Eu odeio esse homem!

— Que covardia! — Aninha estava incrédula ao meu lado.

— Ele só não me matou porque os vizinhos chamaram a polícia. — encostei minhas costas no sofá, tentando relaxar meu corpo, pelo menos. — Mas a pior imagem que eu já vi em toda a minha vida, foi o corpo da minha mãe. Sim, ele não só tirou minha inocência de mim, como também tirou minha mãe.

Por um segundo, pude jurar que vi os olhos das duas meninas a minha frente pegarem fogo.

— O corpo dela estava multilado, estômago aberto... Sem alguns dedos nas mãos... E com a palavra "vadia" na testa, escrita com uma faca e pintada pelo próprio sangue dela...— lágrimas silenciosas deixavam meus olhos e uma dor profunda voltava para o meu peito.

— Eu pensei que não podia piorar! — Valéria estava irada naquela sala, ódio saía de seus olhos.

— Eu tô... Sem palavras.— Aninha limpava algumas lágrimas de seu rosto.

— Pelo menos esse cara ainda tá preso, né? — Valéria perguntou.

— Esse é o problema... Ele não está mais preso.



𝐄𝐍𝐐𝐔𝐀𝐍𝐓𝐎 𝐇𝐎𝐔𝐕𝐄𝐑 𝐒𝐎𝐋, sérgio reoliOnde histórias criam vida. Descubra agora