Capítulo 1

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Não consigo tirar a merda deste pensamento da cabeça, sinto-me sufocada

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Não consigo tirar a merda deste pensamento da cabeça, sinto-me sufocada. O meu corpo anseia por algo que não sei, é como se um formigueiro estivesse a percorrer os meus braços, enquanto estava com a faca apontada para o meu tio.

Sempre desejei matá-lo, mas não pensei que o faria.

Eu via aqueles olhares nojentos a divagar pelo meu corpo. Lembro-me de como as suas mãos tocaram no meu rabo quando fiz os meus oito anos. Eu contei à minha mãe. Contei e ela disse que era coisa da minha cabeça.

Exaltamei-me quando, numa noite, acordei com o seu pénis na minha cara, enquanto se molestava. Assim que abro os meus olhos aquele líquido branco cai sobre mim e eu grito. Eu gritei tão alto, mas ninguém veio. Eu estava sozinha.

Eu tinha dez anos quando isso aconteceu.

Lembro-me perfeitamente das suas palavras: "Estamos sozinhos, sobrinha. Vamos divertir-nos." Ele tinha um sorriso no rosto, um sorriso que me deixava com muito medo.

As minhas lágrimas escorriam, enquanto ele penetrava a sua intimidade dentro de mim. Eu gritei, supliquei que parasse com a tortura a que me submetia, mas não valeu de nada. Ele sentia-se cada mais excitado com os meus gritos.

Eu não me lembro muito do que aconteceu depois disso, só daquela dor, daquela insuportável dor. Acordei, no dia seguinte, comigo e com a cama ensanguentadas, mas o que mais me doeu foi ver os meus pais a olhar-me como se eu fosse uma puta.

Gritaram comigo e disseram que eu devia ter fechado as pernas. Eles culparam-me e eu era só uma criança.

Matteo Souza, o meu irmão, desde pequeno procurava ser rebelde. Bebia, fumava, drogava-se, fugia, ia para festas, arrumava confusão, fazia tatuagens e tirava más notas na escola, ele sempre se mostrou a pior versão dos irmãos Souza. Eu era considerada a anjinha e ele o diabo.

Os nossos pais eram bem conhecidos, tinham uma reputação religiosa. Criticavam tudo o que estivesse contra a Bíblia, menos estupro. Eles diziam que as mulheres é que se ponham a jeito de o fazer, atiçavam os homens para serem abusadas.

O meu irmão e os meus pais nunca se deram bem, não desde o meu nascimento. Eles batiam no Matteo, enquanto eu assistia, queimavam-no com cigarros e torturavam-no, mas ele sempre os enfrentava com coragem.

Matteo sempre tratou todos mal, sempre os desprezou e batia nas pessoas que me fizessem mal. Ele era completamente diferente de quando era comigo, tratava-me bem, sempre me mimou, cuidou de mim e fez de tudo para que eu fosse feliz.

No entanto, tinha uma coisa que eu nunca lhe contei. O meu pai abusava de mim e a minha mãe sabia.

A primeira vez que o meu pai me tocou, foi quando fiz treze anos. Três anos após o ocorrido com o meu tio. Depois desse dia, dez de março de dois mil e seis, o meu pai constantemente abusava do meu corpo para o seu próprio prazer. Naquela época, eu comuniquei esse crime à minha progenitora, no entanto ela sempre dizia: "Tu é que o atiçavas com esse pijama!".

Eu realmente pensava que era a culpada daqueles abusos, porém ao passar dos anos parei de me acusar a mim própria. Eu sabia que não atiçava o meu pai.

Pesquisei bastante sobre o assunto e descobri que muitas mulheres sofriam o que eu sofria, porém eu não podia fazer nada. Jurei vingar-me por todas as mulheres e até a mim.

Três anos depois, quando completei os meus dezasseis anos, saí de casa. Eu não aguentava mais passar um dia naquele inferno. Decidi nunca mais voltar a pisar lá os pés, então fui sem rumo.

Juntei algum dinheiro antes de sair de casa e o meu irmão ajudou-me muito nisso. Por mais que não tivesse conhecimento dos abusos do meu pai e das palavras da minha mãe, ele apoiou-me muito, sabia que me batiam.

Acredito que essa foi uma das melhores decisões que fiz na vida. Nunca tinha sentido tanta liberdade. Vivi nestes últimos cinco anos num apartamento que arrendei, ele não era luxuoso, mas tinha tudo o que eu precisava para sobreviver.

Atualmente, estudo moda na faculdade mais prestigiada de Nova York, Parsons. Sempre foi o meu sonho criar tendências e produzir o meu próprio vestuário. Ser uma das melhores estilistas do mundo.

Para pagar a faculdade, nas horas vagas sou modelo. A correria é intensa, mas sinto-me satisfeita por estar a correr atrás do meu sonho. A cada ensaio fotográfico, desfiles ou campanhas publicitárias, sinto que estou um passo mais perto dele.

Conciliar os estudos com a carreira de modelo nem sempre é fácil. Muitas vezes, preciso levar os livros para os bastidores e estudar entre uma sessão de fotos e outra. Mas, de alguma forma, isso mantém-me focada e determinada. As longas horas de trabalho e os poucos momentos de descanso tornam cada conquista ainda mais gratificante.

A minha mente transporta-me para 2016, a faca em frente ao meu tio. Eu não acredito que irei fazer, as minhas mãos tremem, porém não é de medo, é de desejo.

Eu preciso ver o seu sangue escorrer como fez o meu, preciso ver o seu sofrimento como eu sofri. Cada gota de sangue que derramar será uma vingança pelos anos de dor que me causou. Ele roubou a minha paz, a minha dignidade e agora é a sua vez de conhecer o desespero.

Nada do que eu faça vai trazer de volta o que perdi, mas ao menos posso fazê-lo sentir uma fração da angústia que carrego. Os seus gritos serão a trilha sonora da minha liberdade e seu olhar de pavor será a última coisa que verei antes de finalmente encontrar a paz.

Não me resta mais nada a não ser a busca por justiça, por uma revanche que ecoará para sempre nas paredes da minha mente. E quando tudo acabar, talvez eu encontre um resquício de consolo nos restos do que um dia foi a minha humanidade.

Nunca apagará o sofrimento que carrego por causa dos meus pais, mas vingar-me do meu tio será uma forma de paz. Vê-lo pagar pelo que me fez trará um alívio que nenhum tempo poderá curar.

Então, cravei a faca no seu coração e deixei a minha nova marca, Quennie Ly, como um lembrete indelével de quem sou e do que fui capaz de fazer.

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