inocência

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(capitão nascimento)

     Eu poderia passar o resto da minha vida tendo dias como este: ter aquela mulher pra mim era como ter o mundo inteiro nas minhas mãos. Nossa foda era sensacional: nunca vivi algo parecido. Sua buceta tinha um gosto diferente, seu cheiro de perfume caro de baunilha ficava preso em mim. Não conseguia mais me controlar.

    Sair daquela cama no dia seguinte era quase impossível: a doutora estava dormindo deitada no meu peito, e nossas pernas, entrelaçadas. Ela parecia um anjo, totalmente o contrário da noite anterior. Tentei fazer o mínimo de barulhos e movimentos possíveis pra não acorda-la, mas não tive sucesso.

-Bom dia, doutora. Não queria te acordar. Tenho que ir pra delegacia.

-Fica mais um pouco, Beto... por favor. — Aquela voz manhosa e sonolenta pedia. Era uma covardia não poder ficar. Puta que pariu.

-Não posso, pirralha. Volto mais tarde, se o morro deixar. — Falei, terminando de vestir a farda, indo até sua direção, dando um selinho longo em sua boca.

Minha cabeça estava uma loucura: a denúncia, a doutora, o trabalho me sugando cada vez mais. Por falar em denúncia, o Coronel não gostou nada da situação: a história começou a se espalhar, atraindo olhares, fofocas e até gente indo fazer protesto na frente da porra do batalhão. Chegando na base, fiquei surpreso ao ver um bando de desocupados fazendo algazarra, gritando pelo fim do BOPE, estendendo cartazes de todo o tipo: "Assassinos", "Chega de violência", "Estamos com a dra Maria Carolina". Merda! O Rio todo já sabia que era ela quem tocava a denúncia.
    
-Que circo é aquele ali na frente, coronel?

-A maldita promotora. Isso não pode ficar assim. Não foi com você que ela veio falar aquele dia, capitão? Não conseguiu convencê-la de eliminar a denúncia?

-Foi sim, senhor. Ela não quis arquivar o caso. — Eu disse, tentando disfarçar. Fui pego de surpresa.

-Essa promotora já nos trouxe problemas demais. Não podemos ficar com aquele circo armado lá fora.

-O que tem em mente, coronel?

-Por enquanto, nada. Vou ligar pro Governador.

   Eu já sabia o que estava por vir.

     O jeito que Maria falava que "o meu trabalho é matar" me deixava maluco: porque é exatamente isso

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     O jeito que Maria falava que "o meu trabalho é matar" me deixava maluco: porque é exatamente isso. Mas é exatamente isso porque, algum dia, algum filha da puta resolveu tomar alguma favela do Rio de Janeiro. Depois outra, e outra, e outra. Destruindo sonhos, famílias, de todo mundo que mora nesses lugares. O sistema era falho: criou-se uma verdadeira guerra.
    Eu estava louco, um poço de estresse: odiava a sensação de não conseguir o que queria. Eu já havia falado milhões de vezes com a pirralha: e ela não me ouviu.
    Passei o dia resolvendo uma papelada que estava na minha mesa há dias e eu ainda não tinha conseguido terminar. Tomei dois comprimidos de calmante, mas nada dava jeito. Minha cabeça estava a milhão.

     Essa garota me tira do sério! Só faltava eu socar a parede de tanta raiva que eu estava

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Essa garota me tira do sério! Só faltava eu socar a parede de tanta raiva que eu estava. Bati na porta do coronel.

-Alguma atualização, coronel? Daqui a pouco vão começar a quebrar a delegacia.

-O Governador mandou botar pra fora. Sobre a tal doutora... vamos fazer ela arquivar a denúncia. O senhor sabe onde ela trabalha?

-Não, senhor. Ela não disse nada quando veio aqui.

Era óbvio que eu sabia: ela ficava entre o fórum da Barra e o Ministério Público.

Lembrei daquela sua amiga secretária, que sabia de nós, e com certeza saberia me ajudar: Maria estava no fórum. Audiência. Saí da delegacia e, mais uma vez, plantei o carro na porta, esperando ela descer: mas fiquei surpreso quando vi o senhor Governador entrando por aquele portão. Merda! Bati as mãos no volante, descontando minha raiva.

Devem ter sido os vinte minutos mais longos da minha vida: sem sinal dela, nem do Governador, nem de ninguém. Eu já não respondia por mim. Depois de, na minha cabeça, umas cinco horas, desceram os dois: juntos. Entraram no carro preto blindado, que o motorista já estava esperando pra dar partida. PUTA QUE PARIU! Arranquei com o carro também, seguindo-os. Engatilhei minha pistola, caso precisasse; O carro seguia tranquilamente pela Avenida das Américas, que não estava tão movimentada. Mais uma surpresa: o carro virou bem na frente do condomínio de Maria, que ficava no final da Barra. Caralho! Não é possível que essa garota consiga ser tão inteligente em algumas coisas e tão burra em outras.
    Ela saltou do carro, sozinha, e ele seguiu seu rumo. Antes que ela subisse, parei o carro e saí também, indo atrás dela.

-Você perdeu o juízo, Maria Carolina!? Tá ficando maluca!!!??? Hein!!!???

-Para de gritar no meio da rua! O que você tá fazendo aqui?

-Resolver a merda que você fez. O que ele queria com você? — Respondi, enquanto entrávamos pela portaria, e o senhor que estava tirando um cochilo no horário de trabalho, levou um susto com nossa gritaria.

-Não é da sua conta, Beto. Eu já te disse que dos meus problemas EU cuido!

-Negativo, doutora! Você vai me contar detalhe por detalhe o que conversaram. — Falei, enquanto agarrava seu braço no elevador.

-Ele queria saber sobre a denúncia. Só isso. O mesmo que você já me falou mil vezes: pra arquivar o caso. Disse que causaria problemas pra todo mundo: não só pra vocês. Eu disse que tentaria voltar atrás, mas não garanti.

-E por que caralhos ele te trouxe em casa? Você é muito idiota.

-Ele ofereceu carona, ué.

-E VOCÊ ACEITOU! Você é tão inteligente, doutora... E TÃO BURRA AO MESMO TEMPO! Parabéns! Agora ele sabe certinho onde te encontrar.

-Você está maluco? Ele não vai fazer nada comigo. Você está com ciúmes, Beto. Vai embora.

-Você que pensa que ele não vai fazer nada. É O GOVERNADOR, CAROLINA! O GOVERNADOR!  — Eu disse, batendo as mãos na bancada da cozinha, levando-as à cabeça, em seguida. -Você não vai ficar sozinha aqui. Arruma uma mala. Vamos pra minha casa.

-Nem em sonho. Eu sei me virar sozinha.

-Eu não vou repetir. — Falei enquanto chegava perto da pirralha, aproximando nossos lábios. -Vai arrumar a porra da mala.

Justiça e Amor  | Capitão Nascimento Onde histórias criam vida. Descubra agora