entre o ódio e o amor

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(Maria Carolina's view)

    Me sentia com dez anos de novo tomando banho naquele mar em plena noite. Fazia tempo que eu não fazia algo bobo assim — mas que era tão bom ao mesmo tempo. Meu vestido molhado e meu cabelo que eu demoro horas pra fazer já não me importavam mais. O capitão também não hesitou em ir comigo. Parecíamos duas crianças, e aquilo era bom. Me fazia me sentir livre.

-Você é uma criança mesmo, não é? — Ele pergunta, rindo, tirando meu cabelo molhado do meu rosto.

-Ás vezes, sim. E você gosta.

-É claro que eu gosto. Eu amo você, pirralha. — Ele diz, baixinho no meu ouvido.

-Demorou pra falar, hein? —Respondo, implicando.

-Babaca.

-Eu também amo você, capitão.

    Terminamos a noite assim: os dois encharcados, morrendo de frio e molhando o carro todo. Mas Roberto não ligou nem um pouquinho: estava feliz. E eu ficava aliviada em vê-lo assim, diante de todo o estresse do trabalho e tudo que nos cercava. Me pego pensando quando foi que eu deixei ele amolecer meu coração desse jeito... Nossa brincadeira de marido e mulher estava prestes a acabar, a audiência já batia na porta. Ele quer que eu fique mais tempo, mas eu preciso voltar pra minha casa. Ainda acho que foi muito exagero: até agora, nada aconteceu. Mas de qualquer forma, valeu a pena. Acho que conheci o amor da minha vida.

    Quando chegamos em casa, está tendo uma festa na área gourmet do prédio. Saímos do carro, ainda molhados, e percebo os olhares estranhos pra nós, provavelmente pensando quem eram aqueles dois malucos.

-Ninguém tá entendendo nada. Devem achar que somos loucos.

-Mas somos mesmo. Você é.

-Você também. Não entrei na água sozinha, tá?

-Eu só entrei porque você quis. — Ele responde, rindo. -Anda logo, vem. Tá frio, você vai ficar doente.

    Entramos em casa e a água pingava por onde passávamos. Entro no banheiro, tirando a roupa molhada colada no meu corpo, e finalmente, um banho bem quente. Entro embaixo do chuveiro e deixo a água cair sobre meu rosto, fechando os olhos. Abro novamente, escutando a porta abrir.

-Posso?

-Sempre. — Respondo.

Ele entra, e ficamos um tempo ali, abraçados, como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Passo minhas mãos por seu pescoço, e encosto minha cabeça em seu peito: sentia paz, alívio, e um misto de emoções. Depois de alguns beijos e carinhos, finalmente o banho, e depois, cama. Tudo que eu precisava pra finalizar o dia.

-Você já preparou as coisas da audiência, doutora? Tá chegando.

-Ainda faltam algumas coisas, mas está quase tudo certo.

-Tem certeza que vai fazer isso?

-Não posso cancelar a audiência, Beto... já conversamos sobre.

-Direitos humanos... puta que pariu.

-Não quero brigar hoje. Chega desse assunto.

-Como quiser, doutora. — Ele responde, em tom de deboche.

-É sério. Sem brigas. Descansa.

Pegamos no sono, e quando acordei na manhã seguinte, estranhei ele ainda estar em casa. Mesmo assim, deixo ele dormir. Levanto, tomo um banho frio pra acordar, e decido dar uma corrida. Volto pro quarto, no maior silêncio possível, pra pegar minhas roupas de treino: tentativa falha de não acordar o capitão.

-Bom dia, doutora. — Ele diz, abrindo os olhos e se espreguiçando, ainda sonolento. -Vai pra onde?

-Correr. Quer ir?

-Com você, sim.

   Ele se arruma rápido enquanto eu espero lendo uns artigos no ipad. Olho na varanda, e o dia está lindo. O sol brilhava sem nenhuma nuvem no céu.

Descendo do prédio, no elevador, uma surpresa inesperada: Pedro. Puta que pariu. Tento fingir não conhecê-lo, mas, naquela altura, não dava mais tempo.

-Doutora Maria! Tudo bem? Que surpresa.

-Bom dia, doutor Pedro. Tudo bem, e com você?

-Tudo bem. Vim visitar um cliente aqui. Passei no seu prédio esses dias, o porteiro disse que você não estava.

   Beto fechou a cara na mesma hora.

-É... eu quase não tenho ficado em casa. Bom trabalho, doutor!

     F u d e u. O capitão aperta novamente o andar do apartamento, fazendo-nos voltar. Ele cruza os braços e passa a mão no rosto, impaciente, até levar a mesma ao meu pescoço.

-Quem era aquele filha da puta, Maria Carolina? Você tá de sacanagem com a minha cara, sua piranha?

-Abaixa a bola, capitão. -Eu respondo, afastando sua mão de mim. -É o irmão da Joana. Defensor público. Ele mora no mesmo condomínio que eu, e pegamos um caso juntos.

-Pegou o caso e pegou você também, né? Tá ficando maluca, porra?

-Isso tudo é ciúme, Nascimento? É só trabalho, inferno. Para de maluquice. — Eu respondo, apertando novamente o botão do térreo.

-Eu só não vou mandar você pegar suas coisas e ir embora da porra da minha casa porque me preocupo com você.

-Que parte do "é só trabalho" você não entendeu, Roberto? Puta que pariu. Você anda com sargento pra cima e pra baixo e eu não reclamo de nada! Se você mandar eu ir embora, eu não vou. Sabe por quê? Porque quem inventou essa brincadeira de marido e mulher foi você.

-Vai se fuder.

    Ele amoleceu meu coração, mas nem tanto assim. Eu ainda tinha um pingo da minha essência dentro de mim.
Corremos pela orla sem olhar um na cara do outro. Eu sou orgulhosa, e, não estava errada: não ia pedir desculpas nem tomar a iniciativa. E sei que ele também é, e que não ia pedir desculpas. Chegamos em casa, e ele ainda, sem falar comigo. Tento dar de ombros, fingindo que não me importo, até realmente não me importar. Sabia que era só questão de tempo.

   Passei o dia planejando o que faltava da audiência da quarta-feira. Organizando depoimentos, testemunhas, argumentações. Digito umas coisas no computador, grifo alguns textos nos papéis. Minha cabeça fritava. Pego uma xícara de café pra aguentar as demandas, e continuo lá pela manhã toda. Mais ou menos na hora do almoço, Roberto sai pro batalhão, sem falar comigo. Sem se despedir. Pra ele fazer isso, ele tem que estar MUITO bravo. Operação não é brincadeira, ele vai sem saber se volta. No começo, dou de ombros, mas logo depois minha consciência pesa.

 No começo, dou de ombros, mas logo depois minha consciência pesa

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  Merda.

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