como crianças

3.2K 229 19
                                    

(Maria Carolina's view)

Por mais que eu não estivesse com medo, Beto fazia questão de me amedrontar a cada segundo que passava. Preciso confessar que, algumas vezes, esse instinto superprotetor dele me irritava: na minha visão, nem era pra tanto. Ele deveria se preocupar mais em SE proteger nas operações do que proteger a mim, que só estava fazendo a merda do meu trabalho.

De qualquer forma, quando recebi a ligação do coronel, não soube muito bem como proceder, e pedi a ajuda do capitão. Mas, pro meu azar, sua bomba-relógio estava ativada: mais uma vez ele mudou da água pro vinho.

     A reunião com o Governador não foi absolutamente nada demais

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

A reunião com o Governador não foi absolutamente nada demais. Beto estava surtando à toa.

-Doutora, preciso entender esse caso em detalhes. Quando vocês receberam a denúncia? Foi anônima?

-Deve ter umas duas semanas, Governador. Não sabemos quem denunciou. Foi anônima. E não é uma denúncia "boba", digamos assim — são direitos humanos.

-Entendo perfeitamente, doutora. Mas o ponto é que, o processo em aberto gera muita algazarra na sociedade: a senhora soube do protesto na frente do batalhão do BOPE hoje?

-Sim, senhor. É uma situação complicada.

-Pois é. E esse é só o começo do caos que enfrentaríamos. Além disso, vai se criar toda uma pressão em cima de mim, e CONTRA mim. E eu não posso simplesmente acabar com o BOPE. São eles que botam ordem na favela.

-Entendo, Governador. Como sugere que eu prossiga?

-O melhor a se fazer é arquivar o caso. Menos problemas, pra todos nós.

-Eu não posso garantir nada. Não sei se o juiz já marcou a audiência. Mas farei o possível pra não gerar mais conflitos, Governador.

-Agradeço, doutora. Já encerrou o seu expediente? Se desejar, posso te dar uma carona.

-Aceito, Governador. Obrigada pela gentileza.

-Não há de quê. E, por favor, pode me chamar de Carlos. Sem formalidades.

Só percebi a merda que tinha feito quando já estava no carro do Governador. Onde é que tinha ido parar a minha malícia? Minha habilidade de sacar tudo no ar? Os joguinhos que eu adorava saber jogar? Eu não tinha mais nada disso: parecia uma criança boba. Talvez Beto estivesse certo: eu não passava de uma pirralha que ainda tinha muito o que passar e aprender.

Tentei dar de ombros pra situação, e quando chegamos até meu prédio, escutei os gritos mais escandalosos e violentos da minha vida: Nascimento, acabando com a minha raça, na frente da minha casa. Aquilo era demais pra mim.

-Você perdeu o juízo, Maria Carolina!? Tá ficando maluca!!!??? Hein!!!???

-Para de gritar no meio da rua! O que você tá fazendo aqui?

-Resolver a merda que você fez. O que ele queria com você?

-Não é da sua conta, Beto. Eu já te disse que dos meus problemas EU cuido!

-Negativo, doutora! Você vai me contar detalhe por detalhe o que conversaram.

     Só depois de conversar (se é que podemos chamar aquilo de conversa, porque estava mais pra discussão) com o capitão, consegui entender um pouco a gravidade da situação que eu tinha me metido. Agora eu havia sacado tudo: a postura de bom moço do Governador, a conversa sem nenhum tipo de ameaça ou insulto. Ele já tinha um plano muito bem articulado.

Mesmo assim, meu orgulho não me deixava concordar com Beto. Sustentei minha postura de pirralha burrinha até o final. Por mais que eu realmente tenha sido uma.

-Você não vai ficar aqui sozinha. Arruma uma mala, vamos pra minha casa.

MAS NEM FUDENDO! Eu já estava de saco cheio daquela proteção toda e nem um pouco afim de deixar MEU apartamento, MINHA cama, MINHAS coisas, pra morar com o capitão. Mesmo que fosse só por um tempo. Eu sei que disse que estar com ele era bom demais: e realmente era. Sua presença era o que deixava meus dias mais felizes. Mas eu aqui, e ele lá: a gente só se via quando queria. Agora, todos os dias? Quase uma vida de casados! Nem em sonho.

-Eu não vou repetir. Arruma a porra da mala.

Não tive escolha. Nascimento não ia me deixar em paz enquanto eu não fosse com ele. Peguei as roupas que eu mais uso. Secador, necessaire de maquiagem, escova de dentes. Perfume, sapatos de salto, minha bolsa do trabalho.

-Pra quê isso tudo? Puta que pariu. — Ele disse, quando viu a mala e as três bolsas que eu carregava.

-Eu sou promotora de justiça, capitão. Preciso andar arrumada o tempo todo. Acha que é fácil assim?

-Adoro te ver arrumada, pirralha. Mas odeio os olhares que você atrai.

-Me erra. Tô pronta, podemos ir?

Ele me ajudou com as coisas e partimos pro seu apartamento, que não era tão longe do meu: Recreio dos Bandeirantes. Devia ser só uns dois quilômetros, no máximo três, de distância. A casa sem toque feminino me deixou irritada: eu mudaria praticamente a decoração inteira! Quando estive lá, não estava em condições de reparar em nada. Não tinha quadros, e quase nenhum objeto decorativo. O sofá era enorme e aconchegante: na frente, um rack preto, provavelmente planejado, com um porta-retrato de Beto e sua mãe. Embaixo, alguns livros e caixas. Seu quarto era o único cômodo que tinha realmente personalidade: as paredes cinza, uma cama enorme. Uma espécie de escrivaninha preta, com uma papelada e um computador em cima. O guarda roupas era preto também, e em uma das paredes, uma farda emoldurada.

-Fica à vontade. A casa agora é sua.

-Ainda não entendi a necessidade da gente ficar brincando de marido e mulher.

-Não vou explicar de novo. Se não quiser entender, não entenda. Me obedecer já é suficiente.

Revirei os olhos com expressão de deboche e levei minhas coisas pro quarto de hóspedes, que ficava de frente pro de Beto.

-Tá fazendo o que aí, doutora? Não vai ficar no meu quarto?

-Você está muito mal acostumado. — Eu disse, abrindo minha bolsa que estava em cima da cama, procurando meu carregador de celular.

-Aposto que você não vai aguentar uma noite sequer sem querer dormir comigo. Aceita, Maria: você não consegue mais ficar longe de mim.

Com raiva, porque sabia que era verdade, carreguei mais uma vez minhas coisas: dessa vez, pro quarto dele. Droga.

-Tá vendo? Você nem nega.

-Vai se fuder. — Falei enquanto mandava o dedo do meio.

-Com você, sempre.

-Não começa. Tô morrendo de dor de cabeça... você tem algum remédio aí?

-Dipirona?

-Não posso. Sou alérgica.

-Paracetamol. Toma. — Ele disse, jogando a cartela de comprimidos que tinha tirado da gaveta da sua mesa de cabeceira. -Você comeu?

-Não. Não tô com fome.

-Não vou ficar aturando birra de criança, doutora. O que você quer?

Lembrei do Mc donald's que ficava bem do lado do prédio.

-Massagem nos pés e um quarteirão com batata e coca cola.

Justiça e Amor  | Capitão Nascimento Onde histórias criam vida. Descubra agora