🍁CAPÍTULO 16🍁

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As portas da sala de aula se fecharam suavemente atrás de mim, abafando o barulho do corredor e mergulhando-me em um silêncio quase reverente. O professor de História do Direito, um homem com cabelos grisalhos e um ar de sabedoria acumulada, começou a aula com uma energia que contagiava a todos. Hoje, ele nos levaria em uma viagem pelos corredores do tempo, explorando as origens do Direito Ocidental.

— Senhores e senhoras, hoje falaremos sobre o berço do nosso sistema jurídico: o Direito Romano — anunciou o professor, sua voz ecoando pela sala.

Meus olhos fixaram-se na lousa enquanto ele escrevia com letras elegantes: "Ius Romanum". Desde o momento em que o professor começou a falar, fui arrebatado por suas palavras. Os romanos, com sua engenhosidade e visão, criaram um sistema jurídico que ainda hoje ressoa em nossos tribunais e códigos. Fiquei fascinado ao descobrir que o conceito de "jus" (direito) e "lex" (lei) foi formulado com uma complexidade e profundidade que ainda influencia a maneira como interpretamos e aplicamos as leis.

À medida que o professor descrevia os principais marcos do Direito Romano — como a Lei das Doze Tábuas e o Corpus Juris Civilis de Justiniano — senti-me transportado para uma época em que a justiça era moldada pelas mãos de homens que acreditavam no poder da ordem e da razão. Era como se cada palavra carregasse uma antiga sabedoria, ecoando através dos séculos para me alcançar.

Perdi-me nas aventuras das batalhas jurídicas romanas, na forma como os cidadãos lutavam por seus direitos, e como aqueles primeiros legisladores construíram as bases do que hoje chamamos de Direito. Era um mundo à parte, onde a lei era mais do que um conjunto de regras; era um tecido que unia a sociedade e moldava a vida dos indivíduos. A aula passou num piscar de olhos, e eu quase não percebi quando o sinal tocou, anunciando o fim do período.

Saí da sala ainda imerso em pensamentos, a mente navegando entre o passado e o presente. Era impressionante como os romanos, com sua cultura rica e disciplinada, influenciaram tanto nosso mundo moderno. Mas essa introspecção foi interrompida quando encontrei meus amigos, todos reunidos na entrada do refeitório.

— E aí, Matteo! Perdeu no tempo, hein? — brincou Lucas, um dos meus colegas, com um sorriso no rosto.

— Ah, estava só absorvendo a aula — respondi, ainda um pouco absorto.

— Absorvendo? Ou você estava viajando na história dos romanos? — provocou Letícia, rindo enquanto segurava sua bandeja de comida.

— Um pouco dos dois, talvez — admiti, dando de ombros. — Foi uma aula realmente interessante.

Nos acomodamos em uma mesa no refeitório, e logo a conversa se voltou para o final do ano letivo. As expectativas, as provas finais, os planos para as férias... Tudo parecia uma mistura de ansiedade e excitação no ar.

— Vocês sabiam que os veteranos vão se formar em breve? — perguntou Letícia, enquanto mexia na salada.

— Sim, ouvi dizer que a cerimônia vai ser no próximo mês — respondeu Lucas, com uma expressão pensativa. — Matias e Jackson estão entre eles, né?

O nome deles trouxe uma sensação amarga que eu não esperava. Em vez de me alegrar com a notícia de que aqueles dois estariam finalmente fora da minha vida, senti uma pontada de tristeza. Era como se algo dentro de mim estivesse sendo arrancado, deixando um vazio difícil de explicar.

— É, eles vão se formar — murmurei, tentando mascarar meu desconforto. — Acho que finalmente a universidade vai ficar um pouco mais tranquila sem aqueles dois.

— Nossa, Matteo, parecia que você estava esperando por isso — brincou Letícia, mas seu tom era leve. — Não vai sentir falta deles?

— Falta? Nem um pouco. Mas talvez... sei lá, talvez seja estranho vê-los indo embora — respondi, mais para mim mesmo do que para eles.

A conversa continuou até que o intervalo se esgotou, e todos começaram a se levantar para ir às suas respectivas aulas ou atividades. Eu me despedi do grupo, mas uma parte de mim estava presa naquele sentimento inexplicável que a notícia da formatura dos veteranos havia despertado.

No caminho para a quadra de vôlei, meus pensamentos ainda estavam em tumulto, e foi nesse estado de distração que notei algo que fez meu coração parar por um momento. No corredor, à frente, vi Alex, um dos jogadores de futebol americano e amigo próximo de Matias, empurrando um garoto mais novo contra a parede. O tom das risadas que ecoavam ao redor não deixava dúvida do que estava acontecendo. Era bullying, puro e simples, e o alvo era, como tantas vezes, alguém que parecia indefeso.

— Ei, Rafael! — chamei, usando um nome comum, esperando que o garoto o reconhecesse como um possível parente. — Esperei você na biblioteca, vamos?

O garoto, pálido e tremendo, olhou para mim com uma mistura de confusão e esperança. Sem hesitar, ele se afastou de Alex e veio na minha direção, enquanto os risos e provocações diminuíam até cessar.

— Obrigado... Eu... Não sei o que teria feito se você não tivesse aparecido — sussurrou o menino quando estávamos longe do grupo de agressores.

— Não precisa agradecer. Só... tome cuidado, tá? Essas pessoas não sabem o que é ser humano de verdade — falei, com um peso no peito que só aumentava. — Se precisar de qualquer coisa, pode me procurar.

Ele assentiu, agradecendo mais uma vez antes de se afastar, seguindo para sua próxima aula. Fiquei parado no corredor, sentindo uma mistura de tristeza, raiva e, sobretudo, frustração. A impotência queimava em mim, uma lembrança vívida de todos os momentos em que eu mesmo fora vítima de crueldades semelhantes.

Com esse sentimento pesado, segui para a quadra de vôlei, mas era como se uma sombra me seguisse. Fui ao vestiário, troquei de roupa e entrei na quadra, mas as cenas que testemunhei momentos antes se repetiam em minha mente, impedindo-me de focar no treino. A imagem do garoto sendo empurrado, os risos, o medo em seus olhos... Era como reviver meus próprios pesadelos.

O treino começou, mas minha mente estava longe, presa na raiva de não poder fazer mais, de não poder parar aquelas atitudes animalescas. Eu queria gritar, queria lutar, mas tudo o que conseguia era me perder nas lembranças e na frustração.

Então, aconteceu. Um colega lançou a bola em minha direção, mas eu estava tão desconcentrado que nem percebi. A bola acertou em cheio o meu rosto, e tudo o que vi foi um clarão antes de cair no chão, desnorteado.

A dor física foi quase insignificante comparada à dor emocional que eu carregava. Thalys, meu treinador, correu até mim, a preocupação estampada em seu rosto. Ele me ajudou a levantar, e a colega que havia lançado a bola se aproximou, visivelmente preocupada.

— Matteo, me desculpa! Eu não queria... — começou ela, mas eu a interrompi, balançando a cabeça.

— Não foi culpa sua, foi minha. Eu... me desconcentrei — admiti, sentindo uma onda de cansaço me invadir. — Acho que preciso de um tempo.

Sem condições de continuar no treino, peguei minhas coisas e fui para o vestiário. Lá, deixei a água fria do chuveiro escorrer pelo meu corpo, na esperança de que levasse consigo a dor e a tristeza. Mas, em vez disso, as lágrimas começaram a cair, silenciosas e incessantes.

Chorei por aquele garoto que vi ser maltratado, chorei por mim mesmo, por todas as vezes que eu fui alvo da mesma crueldade. Chorei por não poder fazer mais, por me sentir tão impotente diante de tanta maldade.

O tempo passou, e o treino terminou, mas eu ainda estava ali, no vestiário, sozinho com meus pensamentos. Quando finalmente terminei de me secar e me vestir, ouvi uma voz me chamar.

— Matteo?

Continua... 

ENTRE ALFAS UM OMEGA [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora