HELENA
Fiquei ali, parada por alguns segundos, tentando pensar no que dizer. Mas nenhuma palavra me parecia boa o suficiente.
Ele não precisava ouvir que tudo ia ficar bem. O que eu podia oferecer a ele era presença, e talvez isso não fosse suficiente.
Com passos lentos, comecei a me aproximar dele. Não sabia exatamente o que fazer ou como agir. Só sabia que não podia ir embora.
— Muralha, deixa eu te ajudar a levantar. — Minha voz saiu suave, como se eu estivesse falando com alguém que pudesse se quebrar ao menor toque.
Mas, no segundo em que tentei me aproximar mais, ele se virou parcialmente para mim, o rosto ainda escondido, mas a raiva e estava clara na rigidez de seus movimentos.
— Não se aproxima. — Falou pausadamente. A voz dele foi um aviso.
Parei imediatamente, mas não recuei.
— Eu vou te ajudar. — Insisti, mantendo minha voz firme.
Ele bufou.
— Você é surda? Eu disse pra não se aproximar! — Agora, o tom dele era mais alto.
— Eu disse pros seus amigos que eu ia ficar e ajudar. E é isso que eu vou fazer. — Tentei parecer mais firme do que me sentia por dentro. — Eu não vou sair daqui e te deixar assim. Você pode gritar comigo, mandar eu ir embora, quebrar mais coisas... mas eu vou ficar.
Muralha suspirou alto, claramente aborrecido. Podia ouvir a raiva exalando dele em cada respiração pesada que ele soltava.
— Me deixa sozinho. — Ele pediu, quase em um rosnado, mas dessa vez sem a mesma intensidade de antes. Parecia mais um pedido de alguém exausto do que uma ordem.
Eu sabia que não seria fácil lidar com ele. O que aconteceu tirou dele não só a perna, mas também essa sensação de controle sobre a própria vida. E a última coisa que ele queria agora era parecer fraco ou vulnerável.
Mas eu também sabia que ele estava perdido. Percebi isso desde o primeiro dia em que entrei naquela casa e o vi, retraído, se escondendo no escuro do quarto e fumando e bebendo como se não se importasse mais com a própria saúde.
— Eu não vou deixar você sozinho. — Respondi, tentando manter a calma, mesmo com a tensão no quarto.
Ele não respondeu de imediato. Só ficou ali, parado, respirando fundo.
Por um momento, considerei me aproximar de novo, mas respeitei a distância que ele tinha exigido.
— Eu vi a sua... namorada saindo daqui. — comecei. — Tudo o que ela disse... não é verdade, Rodrigo. Você estar numa situação difícil não te diminui em nada.
Ele riu, um riso seco e amargo.
— Você é intrometida mesmo, né, garota? — Ele virou a cabeça ligeiramente, finalmente me olhando nos olhos. — Tô todo fodido, mas ainda sou o Muralha, caralho! Não quero você me chamando pelo nome, entendeu? — A raiva explodiu na voz dele. — Será que eu vou ter que repetir pra me deixar sozinho?
Engoli seco.
— Tudo bem, Muralha. — frisei. — Não pode me culpar por tentar fazer o meu trabalho, né? — Respondi, tentando parecer calma. — Seu primo já me ameaçou também, sabia? Vocês me mandam fazer uma coisa e depois outra...
Muralha bufou, impaciente.
— Foda-se o que o Dante disse. Eu mando aqui. E quero que vá embora. — Ele falou as palavras devagar, com frieza. — Fui claro, porra?
Eu neguei com a cabeça. Não era sobre desobedecer ordens, era sobre saber que ele precisava de ajuda, mesmo que não quisesse admitir.
— Vou descer e preparar alguma coisa pra você comer. — Ignorei a ordem dele. — Te dou um tempo, mas depois volto pra gente conversar sobre o tratamento.
— Eu não pedi a sua ajuda! — Ele explodiu, os olhos se estreitando, cada músculo do corpo dele se tensionando. — Não preciso de piedade. E essa conversa de tratamento... tá de sacanagem, né? Você acha que pode consertar o que tá quebrado aqui? — Ele apontou para a perna ausente e depois, com mais força, bateu no peito, como se estivesse tentando me mostrar onde realmente doía.
Eu sabia que, por trás de toda aquela raiva, havia uma pessoa machucada, e eu não falava só da perna.
— Eu não acho que posso consertar nada. — Respondi, com a voz mais suave. — Mas posso te ajudar a passar por isso. E não vou desistir só porque você tá com raiva.
Ele me olhou por um longo tempo.
— Por que você tá fazendo isso? — Ele perguntou. — Por que não vai embora como todo mundo?
Pensei por um instante.
— Eu sou médica. É isso o que eu faço. — Respondi simplesmente. — E eu ouvi o que aquela mulher falou. E tô vend o que você tá fazendo consigo mesmo.
Ele virou o rosto, claramente incomodado.
— Você acha que sabe tudo? — Ele murmurou, a voz carregada de sarcasmo. — Acha que pode vir aqui e resolver tudo com palavras bonitas e um sorriso? Acha que eu vou melhorar só porque você decidiu que vai me ajudar?
Respirei fundo, tentando não deixar a frustração tomar conta de mim. Ele estava machucado, estava furioso, e eu não podia culpar ele por isso.
— Não acho que vai ser fácil. — Respondi. — Sei que você tem uma parede enorme ao redor de você, e que vai fazer de tudo pra manter as pessoas afastadas. Mas eu não vou embora. Bom, pelo menos não hoje.
Ele riu de novo, aquele riso amargo.
— Tá perdendo seu tempo. — Ele disse, virando de costas pra mim de novo.
Senti meu coração apertar, mas não deixei isso transparecer.
— Eu vou descer e preparar alguma coisa pra você. — Repeti, minha voz decidida. — E depois vou voltar.
Ele suspirou, exasperado.
— Você não entende, né? — Ele murmurou, com os ombros caídos. — Não adianta.
— Eu vou tentar. E você vai ter que lidar com isso — Interrompi, andando até a porta.
Eu sabia que ele estava furioso.
Saí do quarto, sentindo as emoções rodarem dentro de mim, mas certa de uma coisa: eu voltaria.
E eu não iria desistir dele, não importava o quanto ele tentasse me afastar.
Enquanto descia as escadas, ouvi um baque surdo atrás de mim, como se ele tivesse jogado alguma coisa contra a parede, provavelmente frustrado pela minha teimosia.
"É, Helena... só tá começando...", meu subconsciente avisou.
Muralha era um homem de poucas palavras e muitas barreiras, mas de alguma forma, eu tinha entrado naquela casa com a missão de quebrar pelo menos uma delas.
Assim que cheguei à cozinha, comecei a mexer nos armários, procurando algo que pudesse preparar para ele.
A verdade era que eu não tinha um plano. Eu ia ficar, e eu ia ajudar Muralha, mesmo que ele gritasse, esperneasse ou jogasse o que restava inteiro na casa contra mim.
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Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]
RomanceRodrigo Kim Almeida, ou simplesmente Muralha, é um líder implacável e temido no morro do Horizonte, mas vê a sua vida mudar drasticamente após perder a perna em um confronto violento com rivais. Isolado e cheio de dor, ele rejeita ajuda e se afasta...