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HELENA

Já tinha passado muito da hora do almoço, mas a cozinha estava intacta, completamente arrumada, o que só podia significar que ninguém havia feito nada ali.

Provavelmente, ninguém tinha se dado ao trabalho de preparar nada para ele. Será que um dos amigos tinha trazido comida? Porque eu não tinha visto nada no quarto que indicasse que ele tinha comido.

Abri a geladeira, esperando encontrar algo que pudesse preparar rapidamente. Sempre observando as validades com atenção, comecei a organizar tudo.

Coloquei a carne na panela de pressão, sabendo que era a única forma de preparar algo decente em pouco tempo.

Enquanto a água começava a ferver, o vapor aumentando lentamente, me permiti alguns segundos para refletir sobre o que tinha acontecido no quarto.

O jeito como ele me expulsou, a raiva nos olhos dele, e ainda assim, a tristeza ali, silenciosa, que ele não queria que ninguém visse. Estava sendo muito difícil, eu sabia disso, mas ele tinha que tentar vencer aquilo. Ter alguma força de vontade, pelo menos.

facilitaria muito o meu trabalho ali.

Alguns minutos depois, o chiado alto da panela de pressão me trouxe de volta à cozinha. A carne estava pronta, e o cheiro se espalhava pelo ambiente.

Abri o armário e peguei o arroz, jogando na panela com a água já fervendo. Enquanto o arroz cozinhava, abri a geladeira e olhei mais uma vez o que tinha disponível.

Alguns legumes começavam a murchar, mas ainda estavam bons. Peguei a cenoura e a abobrinha, cortando em tiras finas, e comecei a refogar tudo em um fio de azeite com alho.

Enquanto mexia os legumes na frigideira, me lembrei dos remédios que Dante havia comprado.

Abri o armário de cima e lá estavam: caixas de analgésicos, anti-inflamatórios, e o medicamento para controlar as dores fantasmas, aquelas que Muralha certamente estava sentindo na perna que não estava mais lá.

Peguei um dos frascos, específico para o controle da dor, e o coloquei na bandeja junto com a comida.

Dante havia feito a parte dele, mas agora eu precisava garantir que Muralha tomasse aquilo. Sem o remédio, a dor só ia piorar, física e mentalmente.

Terminei de arrumar a bandeja: arroz, carne de panela, os legumes refogados. Uma refeição simples.

Peguei a bandeja, respirando fundo antes de subir novamente para o quarto dele. Eu sabia que a refeição em si não ia resolver tudo, mas era um começo.

Quando entrei, encontrei ele deitado de costas para a porta, coberto até o pescoço com o lençol. Suspirei baixinho, decidida a não deixar que ele se isolasse daquela maneira.

Coloquei a bandeja cuidadosamente na mesinha no canto do quarto e, sem dizer uma palavra, fui até as janelas. Abri as janelas de uma só vez, deixando a luz preencher o quarto e ar percorrer pelo ambiente.

— Porra! — ouvi ele reclamar, a voz rouca e irritada, mas eu fingi que não tinha escutado.

Aquele seria o primeiro passo: tirar ele da escuridão que estava se afundando. Ele não podia viver no escuro para sempre. Se eu conseguisse fazer ele enxergar isso, já seria um avanço.

— Eu trouxe comida e seu remédio pra dor. — falei. — Tá sentindo alguma coisa agora?

Eu o observei atentamente. Ele não se moveu, mas podia sentir seus olhos cravados em mim.

Agora ele estava se recusando a falar.

— Você tem que me dizer como tá se sentindo. — continuei. — Não precisa fingir que está bem, não precisa ser forte o tempo todo. Esse é o meu trabalho. Eu tô aqui pra ajudar.

Ele permaneceu em silêncio, os olhos fixos em algum ponto do quarto.

A vontade era de sacudir ele, queria que ele entendesse que eu estava ali, que não tinha intenção de desistir, mas sabia que não adiantava insistir com palavras. Muralha tinha que vir por vontade própria.

Suspirei profundamente. Eu estava tentando ajudar, mas ele continuava resistindo, se fechando cada vez mais. Fui até a bandeja, peguei a comida e o remédio, levando até a cama. Coloquei a bandeja com cuidado ao lado dele, junto com o frasco de remédio, e esperei uma reação.

Foi rápido. Antes mesmo de eu me afastar, ele deu um tapa forte na bandeja, jogando ela para o chão com um estrondo. O prato quebrou e a comida se espalhou por todo lado.

— Para com essa porra! — Ele rosnou. — Eu não pedi nada disso! Quer me ajudar mesmo? Volta pro caralho de onde você veio!

Fiquei parada por um momento, o choque me congelando no lugar. Olhei para a comida espalhada no chão, os pedaços de prato quebrados, e depois para ele.

Passei a mão no rosto, tentando controlar a frustração e o cansaço que começaram a pesar sobre mim. Ele estava sendo impossível e era difícil lidar com a situação, ainda mais quando eu estava tentando de verdade.

— Tudo bem. — falei, me segurando para não gritar e acabar estragando tudo. — Por hoje, você venceu.

Mas era difícil, muito difícil manter a calma.

Eu me abaixei para recolher os pedaços de prato, evitando olhar pra ele.

Se eu fizesse isso seria bem capaz de mandar ele ir pro inferno e sair batendo essa porta. Então preferi o silêncio e respirar silenciosamente contando até dez mentalmente.

Talvez tivesse sido uma escolha errada insistir tanto. Talvez ele precisasse de mais espaço, mas como eu poderia saber? Como eu poderia ajudar alguém que se recusava a ser ajudado?

Enquanto juntava os cacos de porcelana, ouvi a respiração dele se acalmar aos poucos, mas não houve um pedido de desculpas, nenhuma palavra.

Muralha permanecia no silêncio, preso naquele ciclo de raiva e frustração que estava destruindo não só a ele, mas também qualquer possibilidade de ajuda.

— Eu não vou embora. — murmurei, mais para mim mesma do que para ele, mas sabia que ele podia ouvir. — Eu voltar e vou continuar insistindo. Então, lamento, mas você ainda vai me encontrar muito por aqui, Rodrigo.

Dane-se se ele não queria que eu chamasse ele pelo nome, eu estava muito irritada e se quisesse chamar ele de filho da puta, eu chamaria.

"Como se você tivesse coragem...", debochei de mim mesma.

Ele não respondeu.

Coloquei os restos da comida e do prato na bandeja e, com um último olhar para ele, deixei o quarto.

Quando cheguei à cozinha, larguei a bandeja na pia com um pouco mais de força na pia, a frustração finalmente me alcançando.

Praguejei, tentando me acalmar. Eu precisava de paciência. Afinal, ninguém disse que salvar alguém seria fácil, especialmente alguém tão quebrado como ele.

Olhei pela janela, observando o sol começar a se pôr no horizonte. O dia estava acabando, mas minha batalha com Muralha estava apenas começando. E de uma coisa eu tinha certeza: eu voltaria no dia seguinte. E no outro. E no outro, até que ele entendesse que eu não ia a lugar nenhum.

Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]Onde histórias criam vida. Descubra agora