Prólogo

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MURALHA

— Muralha, porra, eles tão vindo! — gritou Dante, ofegante, me tirando dos meus pensamentos.

Tentei manter o foco. O som dos passos, dos caras do Lobo, já vinha de todas as direções. Eles estavam tentando cercar a gente, tomar o nosso morro. Mas não aqui, não no meu território.

— Manda a galera pra dentro! — berrei, sem tirar os olhos da viela à frente. — Quem aparecer na rua vai cair, não interessa quem seja!

O ar estava pesado, como se a própria favela estivesse esperando a guerra começar. Eu ajeitei o fuzil, o peso dele familiar nas minhas mãos. Me movi rápido, colado nas paredes, os olhos atentos. O som dos passos ecoava por entre as casas, misturado ao barulho distante dos moradores correndo pra se proteger.

O primeiro tiro cortou o silêncio como uma lâmina, seguido por uma rajada que clareou o beco por um segundo.

— Malditos! — gritei, disparando na direção das sombras que se moviam.

Me abaixei rápido, desviando de uma bala que passou a centímetros da minha cabeça. O som era ensurdecedor. A adrenalina corria solta nas minhas veias, me mantendo em alerta. Movi o corpo, indo pra outra parede, sempre pronto pra apertar o gatilho de novo.

Eles estavam chegando cada vez mais perto.

— Vamos mandar esses vermes pro inferno! — rosnei, sentindo a raiva explodir dentro de mim.

A favela virou um campo de batalha. Tiros vinham de todos os lados, e eu podia ver os homens do Lobo se esgueirando pelas vielas, como ratos em busca de comida. Mas eles não sabiam o que estavam enfrentando.

Esse morro é meu, porra!

Apertei o gatilho de novo, mirando nas sombras que surgiam. As balas ricocheteavam nas paredes, levantando poeira e entulho. Os gritos de dor se misturavam com o som das armas.

Um dos homens caiu na minha frente, o corpo se dobrando no chão como uma marionete sem cordas. Eu deveria sentir algum tipo de satisfação, mas não era suficiente. Só ia estar satisfeito quando cada desgraçado do Lobo estivesse no chão, com um bala no meio da testa.

— Avança! — ordenei pros meus homens, nos espalhando mais pelas vielas. Cada canto daquela favela era meu, e ninguém ia tomar.

Vi Dante e Igor correndo pro meu lado, se posicionando.

— Tão vindo pelo beco! — Igor avisou.

Levantei o fuzil, pronto. Os primeiros passos ecoaram no beco estreito. Apertei o gatilho, e uma chuva de balas saiu, mas não dava pra saber se eu tinha acertado.

O cheiro de pólvora queimava minhas narinas, enquanto o som dos tiros quase me ensurdecia.

Eu sabia que o Lobo estava por ali.

Aquele desgraçado gostava de estar no meio da ação, de sentir o cheiro do medo dos outros. E eu sabia que ele estava me caçando, assim como eu estava cançando ele.

Então, ouvi um grito. Olhei rápido ao redor, mas nenhum dos meus homens estava no chão. Respirei fundo. Não ia perder ninguém hoje.

— Muralha! Ali! — Dante gritou, apontando.

Meu sangue ferveu. Era ele. O Lobo.

Aquele era o homem que tinha matado os meus parceiros, que estava tentando roubar o que era nosso. A raiva queimou minha visão, e antes que eu percebesse, já estava de pé, disparando contra ele.

O Lobo foi rápido, se jogando atrás de um monte de entulho. Eu avancei, cego de ódio, ignorando os tiros que zumbiam ao meu redor. Eu ia acabar com ele.

Apareceu de novo, e dessa vez eu estava pronto. Mirei, apertei o gatilho. Nada. Um clique seco. A munição acabou.

— Droga! — joguei o fuzil no chão, pegando o revólver da cintura. Mas antes que eu pudesse reagir, senti uma dor aguda atravessar minha perna.

O mundo girou. O chão veio rápido. A dor era intensa. Olhei pra baixo e vi o sangue escorrendo, manchando minha calça.

— Rodrigo! — ouvi Dante, mas parecia que ele estava longe.

Tentei me levantar, mas a perna não respondia. A dor me prendia ao chão.

O Lobo estava vindo, aquele sorriso nojento no rosto.

Filho da puta! Eu não ia deixar isso barato.

Levantei o revólver, minha mão tremendo, tentando focar nele. Mas a visão estava turva, e antes que eu pudesse atirar, ouvi um tiro. Lobo recuou, segurando o ombro. Dante tinha atirado. Ele correu até mim, os olhos cheios de desespero.

— Aguenta firme! — ele disse, me arrastando pro lado.

Igor chegou logo atrás, dando cobertura, atirando sem parar. Eles me arrastaram pra trás de um muro, e ali, a dor finalmente me dominou.

— Merda… — grunhi, sentindo o sangue quente escorrer pela perna.

Dante se ajoelhou ao meu lado, pressionando o ferimento.

Porra, porra, porra. — amaldiçoou arregalando os olhos enquanto olhava para o estrago na minha perna esquerda. — Vai ficar tudo bem, cara.

Mas eu sabia que não ia ser tão fácil assim. A dor era diferente, mais profunda, mais brutal. O tiro tinha pegado em cheio, e eu conseguia sentir que algo estava errado.

O sangue continuava escorrendo, manchando o chão de vermelho. Minha visão começou a ficar turva de novo, e o som dos tiros parecia distante, como se eu estivesse me afastando de tudo.

— Dante… — tentei falar, mas a voz saiu fraca. — Minha perna…

Ele olhou pra mim, preocupado.

Senti um frio se espalhando pela minha perna, um formigamento que aos poucos se transformava em um vazio assustador.

Quase não conseguia mais sentir a perna. Era como se o tiro tivesse atingido algo importante, um nervo, uma artéria, algo vital. Eu sabia, ali no fundo da minha mente, que não era só mais um tiro.

— Caralho… — grunhi entre os dentes, apertando o revólver com força, como se isso fosse me dar algum tipo de controle sobre a situação.

A dor era tão profunda que me tirava o fôlego, mas ao mesmo tempo, era estranho.

Eu olhava para ela, mas a sensação de que ela ainda fazia parte de mim estava sumindo. A única coisa que eu sentia agora era o sangue quente escorrendo, encharcando a calça e o chão. Tentei mexer os dedos dos pés, mas nada aconteceu.

— Minha perna… — franzi a testa olhando para ela.

Que porra tava acontecendo?

Dante estava pressionando o ferimento com as mãos, tentando segurar o máximo que podia, mas até ele sabia que o estrago era grande pelo jeito como ele me olhou.

— A gente vai dar um jeito, irmão. — ele disse, tentando manter a calma, mas a voz dele tremia. — Só segura firme, vai ficar tudo bem…

Mas eu sabia que não ia.

Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]Onde histórias criam vida. Descubra agora