HELENA
Assim que entrei em casa, Rita que estava sentada no sofá, me olhou de cima a baixo.
— Ué, chegou cedo. Fez alguma besteira e perdeu o emprego? — ela perguntou, o tom de voz carregado de desprezo.
Revirei os olhos. Suspirei, tentando manter a calma, porque já estava no limite.
— Não aconteceu nada. Mudaram meus horários no hospital. Agora eu posso ser chamada pra trabalhar a qualquer momento. — menti, tentando parecer convincente.
Ela bufou, balançando a cabeça.
— Espero que seja só isso mesmo, porque essa casa depende de você, sabia? Se você perder o emprego, tá todo mundo aqui ferrado. — ela disparou, me acusando como se eu fosse a única responsável por manter aquele teto sobre nossas cabeças.
— É bom mesmo, hein? — Marcela começou. — Porque, sinceramente, a gente não tem culpa de você ficar bancando a boazinha, devem ter mudado o seu horárioporque viram que você é idiota e nem iria se importar. Se eu fosse você, parava de ser trouxa.
— A santa Helena. Sempre tão perfeita e prestativa. — Roberta acrescentou, a voz cheia de ironia.
Engoli em seco. Aquilo era sempre assim. Eu era a que mais ajudava, mas, de alguma forma, sempre me tornava o alvo. Me mantive em silêncio, sentindo minha paciência se esgotando a cada segundo.
Tudo o que eu tinha passado com o Muralha hoje, já tinha tomado toda a minha paciência.
— Eu tô cansada demais pra discutir. — murmurei, já me dirigindo para o meu quarto.
Mas, como sempre, não era tão fácil escapar delas. Assim que entrei no quarto e fechei a porta, Roberta a abriu de novo, me seguindo.
— Helena, tem cem reais pra me emprestar? — ela perguntou, na maior cara de pau.
Eu mereço.
Eu virei para encarar ela, sem acreditar na audácia. Roberta sempre aparecia pedindo dinheiro, como se eu fosse um caixa eletrônico, para ela eu andava por aí com a bolsa cheia de dinheiro.
— Não tenho, Roberta. — respondi, voltando a mexer nas minhas coisas.
— Tem sim, você que não quer me dar! — ela insistiu, quase em tom de acusação.
Suspirei, parando o que estava fazendo para olhar ela nos olhos.
— Só tenho o dinheiro pra pagar as contas da casa. Não posso gastar com mais nada.
— expliquei, tentando manter a paciência. — Se eu te der, a gente não come, fica sem água, luz e a internet que você tanto gosta, sabia disso?— Egoísta! Você é muito egoísta. — ela reclamou, levantando a voz. — Tenho certeza que pelo menos cem reais vai sobrar desse dinheiro, mas você não quer dar! Você só pensa em você mesma! Vai gastar tudo se entupindo de comida, sua gorda.
Eu respirei fundo, tentando manter a calma.
“Você é a irmã mais velha, Helena”, pensei, repetindo isso como um mantra. Não podia perder o controle, mesmo com ela sendo assim.
A Roberta só tinha dezenove anos, talvez ainda não entendesse o que era ter responsabilidades de verdade.
O problema é que, com essa idade, eu já sabia o que era carregar o peso de uma casa nas costas.
Na verdade, desde muito nova eu lidava com mais responsabilidades do que qualquer um nessa família parecia ser capaz de entender.
Aos vinte e sete, eu continuava sendo a única que realmente sabia o que significava ter contas a pagar, trabalho para manter e uma casa inteira dependendo de mim.
— Não é questão de não querer, Roberta. — respondi, segurando a raiva que começava a borbulhar dentro de mim. — Eu não posso te dar esse dinheiro, simplesmente porque você quer gastar com besteira. Tenho que pagar as contas, e se eu te der, vai faltar para o que realmente importa.
Ela cruzou os braços, os olhos brilhando de frustração.
— Ah, claro! Vai faltar porque você quer gastar tudo em você! — Ela falou com uma mistura de sarcasmo e desprezo, e eu precisei respirar fundo mais uma vez.
"Calma, Helena. Ela é só uma menina ainda", continuei repetindo na minha cabeça. Mas era difícil. Com a idade dela, eu já sabia o que era acordar cedo todo dia pra ir trabalhar, voltar tarde, exausta, e ainda ouvir esse tipo de coisa.
Eu fechei os olhos, contando mentalmente até dez. Ignorar era o melhor que eu podia fazer naquele momento.
Continuei mexendo no guarda-roupas, Roberta permanecia ali, resmungando. Foi então que percebi que algo estava errado. Meu porta-joias, que sempre ficava no mesmo lugar, estava diferente. Peguei o objeto e, ao abrir, notei que o anel de formatura, não estava mais lá.
Minha respiração travou.
— Onde tá o meu anel de formatura? — perguntei, a voz carregada de desconfiança enquanto remexia no porta-joias, percebendo a ausência dele.
Eu sabia que algo estava errado. Sempre deixava o anel ali, era um dos meus poucos pertences que realmente tinha valor. E agora, simplesmente, não estava no lugar.
Marcela apareceu na porta do quarto, com a expressão mais indiferente do mundo, como se nada tivesse acontecido.
— Ah, tá com o seu Elias. — ela disse, dando de ombros como se fosse a coisa mais normal do mundo. — Eu ia te falar, mas acabei esquecendo. Depois você tem que ir lá pagar ele.
Pagar o seu Elias? Eu pisquei algumas vezes, tentando processar o que ela acabara de dizer.
— Como assim tá com o seu Elias? — perguntei, sentindo o sangue ferver dentro de mim, uma onda de calor subindo pelo meu corpo inteiro.
— Eu empenhei ele, ué. — Marcela respondeu com a maior naturalidade, como se estivesse dizendo que havia ido ao mercado comprar pão. — Precisava de umas roupas novas pra sair com um gatinho. Não queria ir parecendo uma mendiga, né?
Ela ainda me olhou com aquela cara de "problema resolvido". Como se fosse totalmente normal pegar o meu anel de formatura e empenhar para comprar roupas novas.
Aquilo foi o estopim. Senti meu rosto queimar de raiva, as mãos tremendo. O anel de formatura, algo que eu tinha batalhado tanto para conseguir, simplesmente empenhado, e por uma desculpa tão fútil.
— Você empenhou o meu anel? — minha voz saiu mais alta. — O que você tava pensando, Marcela? Esse anel era importante pra mim! Você não tinha o direito de fazer isso!
Marcela revirou os olhos como se eu estivesse exagerando, como se não fosse nada demais.
— Ah, qual é, Helena. Você nem usava ele. Não vai morrer por causa disso.
Eu estava prestes rebater, mas, nesse momento, ouvi a porta da casa se abrindo. Eu sabia muito bem o que estava acontecendo. Meu pai tinha chegado, e, como de costume, estava completamente bêbado.
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Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]
RomansaRodrigo Kim Almeida, ou simplesmente Muralha, é um líder implacável e temido no morro do Horizonte, mas vê a sua vida mudar drasticamente após perder a perna em um confronto violento com rivais. Isolado e cheio de dor, ele rejeita ajuda e se afasta...