HELENA
Sentei na frente do Mateus no refeitório e já vi o olhar de desapontamento. Ele sabia que eu iria falar do que aconteceu, claro. E, de certo modo, eu também queria esclarecer as coisas.
— E aí, Helena, o "futuro marido" deixou você vir aqui ou eu tenho que esperar outra ameaça? — Ele disse com uma risada curta, sem humor.
Revirei os olhos.
— Para com isso, Mateus. Eu vim te pedir desculpas. O Rodrigo... ele é ciumento demais e, às vezes exagerado. Ele tem esse lado... protetor e, às vezes, sim, ele passa do ponto. Mas não foi por mal, eu juro. Ele exagerou, mas é só porque... — suspirei, procurando as palavras. — Ele se preocupa comigo.
Ok, eu não concordava com tudo o que eu estava falando, mas não sairia por aí falando das nossas brigas para ninguém. Se o Rodrigo soubesse de uma coisa dessas, ficaria maluco!
Mateus balançou a cabeça, soltando uma risada sem acreditar.
— Cimento? Ele praticamente me ameaçou, Helena. Tenho certeza de que queria, ele realmente me matava.
Suspirei.
— Ele não faria isso. E olha, você é só meu amigo, não tem motivo pra ele reagir desse jeito. — quis deixar claro.
Ele ficou me olhando por alguns segundos. Mas aí soltou, com uma sinceridade que me pegou de surpresa.
— Ele tá certo, sabia? Quando disse que eu queria você... ele estava certo.
Eu parei, tentando absorver aquilo.
— Mateus... — Suspirei. — Você sabe que eu sempre te vi como amigo, né? Nunca existiu outra coisa. Eu gosto muito de você, mas como amigo.
Ele desviou o olhar, forçando um sorriso triste.
— Helena, pensa comigo. Você realmente quer essa vida pra você? Porque, se fosse comigo, nossa vida seria diferente, tranquila. Não ia ter ameaça, nem esse clima de perigo o tempo todo. A gente poderia namorar, casar, ter filhos... do jeito que a gente normal faz.
Eu cruzei os braços, respirando fundo antes de responder.
— Você tá falando como se a minha vida com o Rodrigo fosse só violência, só perigo. E não é assim. Ele não é o quem você está pensando.
O Muralha, dono do morro e líder, poderia ser parecido com aquilo que o Mateus temia e queria que eu temesse também. Mas o Rodrigo, o meu namorado, não era, e eu sabia disso.
— Não é, Helena? — Ele respondeu, cético. — O cara chegou em mim como se estivesse pronto pra me apagar. E você acha que isso vai mudar depois de casar? Você acha que nunca vai ter que olhar por cima do ombro, com medo de ser sequestrada, de levar um tiro e... de morrer?
— Coisas assim só acontecem quando não se tomam as devidas precauções, como eu não fiz e é por isso que ele tá aqui. É por minha culpa, Mateus. — Falei, irritada. — O Rodrigo é o cara mais doce, gentil, protetor e ele foi o único que me fez enxergar muita coisa, o único que me fez sair do casulo e enfrentar a vida, a acreditar mais em mim, e a me amar também. E é por isso e por várias outras coisas que ele se tornou o homem da minha vida. Eu não me imagino amando alguém que não seja o Rodrigo. O meu Rodrigo.
Vi o rosto do Mateus perder o brilho, a esperança que talvez tenha tido quando começou uma conversa. Mas ele não desistiu.
— Mas você não vê que a vida poderia ser mais leve? Eu poderia te dar isso. Apesar de todo o amor que você diz sentir, alguém que só te traz perigo, que te faz viver nessa corda bamba. É isso que você quer pra você e para os seus filhos?
Suspirei, sentindo o coração apertado.
— Com você, talvez fosse mais fácil, mais calmo. Mas eu nunca seria feliz com alguém que não fosse ele. E não precisa se preocupar com a minha segurança, ou com a dos meus filhos, que ainda nem existem. Ele vai proteger a gente.
Sua mandíbula apertou e ele suspirou.
— Eu me arrependo de não ter dito nada antes. Talvez fosse diferente, né?
— Se fosse pra ser, aconteceria de algum jeito, até porque a gente se conhecesse há anos. Mas eu tenho certeza de que não sou a pessoa certa pra você. E, lá no fundo, acho que você também sabe disso.
Mateus ficou em silêncio, digerindo o que eu disse. E, de repente, vi uma lágrima descer pelo rosto dele. Ele limpou rápido, mas eu percebi.
— É, acho que você tem razão. — Ele disse, a voz saindo fraca, como se as palavras custassem a sair. Um sorriso meio torto surgiu no rosto dele, mas não chegou aos olhos. — Desculpa por ter falado aquelas coisas do seu namorado. Eu só... — Ele começou a falar, mas pareceu perder a coragem de continuar, o olhar fixo em um ponto distante, como se procurasse algo que nem ele sabia.
Por um momento, ele respirou fundo, como se quisesse dizer algo importante, mas desistiu. Eu pude ver a tristeza brilhando nos olhos dele, aquele brilho que tentava disfarçar. Ele engoliu em seco, desviou o olhar e, sem olhar pra trás, saiu do refeitório.
Assim que o Mateus saiu, Karina se aproximou. Ela caminhou até a mesa e se sentou no lugar em que ele estava, com a expressão curiosa e preocupada.
— O que vocês estavam conversando? — ela disse, franzindo o cenho. — Vi vocês de longe, mas parecia sério... não quis parecer intrometida.
Suspirei, ainda um pouco afetada pela conversa.
— Foi mais sério do que você imagina. — Abaixei o tom, olhando em volta para garantir que ninguém estava prestando atenção. — O Mateus confessou que estava interessado em mim, Karina. E o pior é que eu nunca percebi isso... eu sempre achei que ele me via só como amiga.
Karina arregalou os olhos, surpresa de verdade. Ela balançou a cabeça.
— Sério? Nossa, ele nunca deu nenhum sinal, pelo menos não que eu tenha percebido. Sempre achei que o Mateus estava desapegado, do tipo que não se prende a ninguém... tô chocada com isso. — Disse, com a boca meio aberta.
Assenti.
— Pois é, e o Rodrigo, é claro, ficou maluco.
Karina riu, mas logo parou, os olhos arregalados de novo.
— Tá brincando! Como é que o Mateus ainda tá vivo?
Soltei uma risada curta.
— Ele ameaçou o Mateus. E por causa disso, eu e Rodrigo acabamos discutindo sério.
Karina me olhou indignada.
— Amiga, vocês passaram por tanta coisa recentemente... Você foi sequestrada, ele quase morreu te protegendo, e agora tão brigando por causa do Mateus? — Fez uma careta. — Vai se resolver com ele, Helena. Vocês dois merecem estar em paz agora.
Eu ia responder, mas Karina de repente franziu o rosto e colocou a mão na barriga.
— Tá tudo bem? — fiquei preocupada com a expressão dela.
Karina respirava fundo, tentando sorrir, mas parecia incomodada, como se fosse uma mal-estar.
— Sei lá, senti uma coisa estranha no estômago. Deve ter sido aquele coxinha que a dona Marta fez, tava com um gosto horrível. Você não percebeu?
Fiquei olhando para ela, meio intrigada e neguei. Eu tinha comido mais cedo e estava ótima, como todos os lanches que ela vendia ali na lanchonete.
— Você não quer tomar um remedinho pra enjoou?
Ela balançou a cabeça, negando.
— Já tá passando... — murmurou, enquanto bebia um gole de água.
Algo passava pela minha cabeça. Apesar da Karina ter negado até a morte, eu sabia que ela e Dante tinha transado e que ainda fazia isso. Eles eram muito estranhos quando estava no mesmo lugar, trocavam uns olhares e eu sabia que aquilo não era só antipatia.
Será que...?
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Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]
RomansRodrigo Kim Almeida, ou simplesmente Muralha, é um líder implacável e temido no morro do Horizonte, mas vê a sua vida mudar drasticamente após perder a perna em um confronto violento com rivais. Isolado e cheio de dor, ele rejeita ajuda e se afasta...