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HELENA

Ainda sentia o calor nas bochechas quando ele sorriu daquele jeito. Meu coração disparava, e eu podia jurar que ele estava ouvindo minhas batidas. Não sabia como continuar a conversa, me arrependia de ter dito qualquer coisa. Queria cavar um buraco e desaparecer.

— Você... deve ter ouvido errado... — gaguejei, minhas palavras saíram atropeladas, e eu odiava a forma como estava reagindo.  — Eu só quis dizer que... — tentei encontrar as palavras certas. O que eu quis dizer mesmo?

Normalmente, era tão controlada, racional, uma médica capaz de lidar com qualquer emergência. Mas, diante dele era como se todas as minhas certezas desmoronassem.

Muralha ergueu uma sobrancelha, com aquele ar debochado que parecia fazer parte de sua essência. Seu olhar, que antes parecia distante por conta da dor, agora estava totalmente focado em mim.

— Ouvi muito bem. — Ele fez uma pausa, como se estivesse saboreando cada palavra antes de continuar. — Você tava bem perto, aliás.

Senti um nó se formar na garganta. "Como eu vou sair dessa?" pensei. Não sabia se ria de nervoso ou se tentava mudar de assunto.

— Olha, eu só... — comecei, tentando achar uma desculpa plausível. Mas nada saía. — Eu... eu não disse isso! — tentei negar, mas a minha voz soava tão ridícula que até eu sabia que ele não ia acreditar.

Muralha continuou me encarando, os olhos semicerrados.

— Relaxa, doutora. — Ele voltou a falar, e o tom da voz dele era mais suave, quase brincalhão. — Só tô achando interessante... que você me acha bonito, mas ao mesmo tempo tão teimoso.

Muralha soltou um riso baixo. Pela primeira vez, o tom de brincadeira apareceu em sua voz, um contraste gritante com o cara amargurado e fechado que ele era desde a amputação.

Fiquei surpresa. Na verdade, fiquei chocada. Eu esperava tudo de Muralha: um grito, um palavrão, uma frase mandando eu sumir dali. Mas aquele tom? Nunca.

Minutos atrás ele estava gemendo de dor, quase gritando, e agora estava me fazendo gaguejar e perder o controle da situação

Eu o encarei por um momento, absorvendo o que estava acontecendo. Ele estava me provocando. E não com raiva, não com desprezo, ele estava me provocando como quem quer ver até onde consegue ir, como se soubesse que aquilo me deixaria sem palavras.

Meus lábios tremeram em um sorriso tímido, ainda lutando para disfarçar a vergonha. Ele estava se divertindo com aquilo, claramente, mas não havia maldade. Era só... ele, rindo.

— A parte do bonito você deve ter ouvido errado. Eu disse que você era teimoso... e só. — Respirei fundo, tentando retomar o controle da situação. — Acho que a dor te deixou meio confuso. — Retruquei, tentando retomar o controle da situação, mas minha voz saiu fraca, sem a convicção que eu queria passar.

Ele riu novamente, agora mais forte.

— É, pode ser. — Ele concordou, mas o sorriso continuava ali, desafiador, como se dissesse "eu sei que você tá mentindo".

— E sim, você é teimoso, Muralha. Se tivesse tomado o remédio antes, não teria passado por tudo isso.

Ele bufou, mas não rebateu. Isso me surpreendeu. Normalmente, ele teria soltado algum comentário ácido, tentando me afastar.

Eu o encarei, e, pela primeira vez desde que comecei a cuidar dele, senti que estava vendo algo além da fachada de durão. Era um lampejo de quem Muralha poderia ser sem todas as camadas de raiva e ressentimento.

Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]Onde histórias criam vida. Descubra agora