33

931 121 24
                                    

HELENA

Deitada no peito do Muralha, eu sentia o corpo dele ainda pulsando de calor, sua respiração pesada aos poucos voltando ao ritmo normal, enquanto o meu peito ainda subia e descia com dificuldade.

O quarto estava mergulhado em um silêncio denso, quebrado apenas pelo som dos nossos corpos se acalmando depois da tempestade que sempre era quando nos tocávamos.

A mão dele deslizava devagar pelas minhas costas, os dedos fortes traçando caminhos preguiçosos pela minha pele arrepiada.

— Eu vi meu pai. — falei, quebrando o silêncio.

Muralha continuou em silêncio, mas eu sabia que ele estava me ouvindo, esperando eu continuar.

— Ele tava machucado... E quando me viu, virou a cara pro outro lado. — disse, com a voz mais baixa, enquanto a imagem do meu pai, ferido e com aquele olhar frio, voltava à minha mente.

Fiquei em silêncio por um momento, sentindo o peso daquelas palavras, da distância que sempre existiu entre a gente.

Ele podia não ser o melhor pai, nunca foi, na verdade, mas era sangue do meu sangue, e vê-lo naquela condição me balançou de um jeito que eu não esperava.

Respirei fundo, tentando afastar a sensação de culpa que teimava em se arrastar pra dentro de mim.

— Eu sei que foi você, Rodrigo. — falei de repente. — Sei que fez aquilo no rosto da Rita e da Marcela, e quem espancou o meu pai.

Eu sabia o que ele fazia, sabia que o Muralha lidava com esse tipo de coisa, mas uma parte de mim ainda se debatia com o fato de que ele tinha machucado meu pai.

Ele não respondeu de imediato. A mão dele parou por um segundo nas minhas costas.

— Eu fiz o que precisava ser feito. — A voz dele baixou ainda mais, quase um sussurro, mas o tom era cortante. — Eu protejo o que é meu. E você, Helena, é minha. Eles cruzaram a linha e eu ensinei o que acontece quando mexem com algo que me pertence.

Eu respirei fundo, tentando processar tudo, mas as palavras dele continuavam reverberando na minha mente.

Minha irmã.

Minha madrasta.

Meu pai.

Eles estavam todos envolvidos nisso, e Muralha tinha decidido fazer justiça à sua própria maneira, sem se importar com as consequências. Ele tinha desenhado as regras, e qualquer um que ousasse desobedecer pagava o preço.

— Eu sei. — respondi. — Obrigada por não ter feito nada pior com eles.

Ou melhor dizendo, obrigada por não matar eles.

— Não me agradece, porque se acontecer mais alguma coisa, Helena, eu não vou ser tão legal da próxima vez. Nem você vai conseguir me impedir. — ele falou sério, os olhos fixos nos meus. — E eu sei que vai ter uma próxima vez, então não quero você se metendo, ouviu?

Eu sabia que ele estava falando a verdade.

Assenti, porque no fundo, eu entendia.

Eu sabia que ele estava falando a verdade. Muralha não dava segundas chances. E, por mais que eu quisesse negar ou fingir que aquilo não me afetava, no fundo, eu entendia.

Não havia escapatória para ninguém que cruzasse o caminho dele. Nem mesmo minha família.

Ele era a tempestade que destruía tudo em seu caminho, e eu estava no olho desse furacão. Mas ao invés de medo, eu sentia uma mistura de fascinação e entrega.

Eu sabia o que ele era capaz de fazer, sabia que ele não hesitaria em derramar sangue por mim, e por mais errado que isso pudesse parecer, parte de mim se sentia protegida por essa ferocidade.

— Eu não devia me importar com ele. A gente não tinha como consertar algo que nunca existiu, né? — soltei uma risada sem humor, tentando afastar o nó que se formava na minha garganta. — Mas ainda assim, dói. Agora eu não tenho mais família, oficialmente.

Muralha apertou os braços ao meu redor, me trazendo mais perto, como se quisesse apagar aquela sensação de perda que eu sentia. Ele me segurava como se, de alguma forma, ele pudesse me proteger disso também.

— E eu sou o quê então? — A voz dele saiu carregada com uma falsa indignação.

Olhei pra ele e sorri.

— Você é meu namorado.

Ele deu de ombros, um sorrisinho brincando no canto da boca, mas eu não perdi a intensidade do olhar dele.

— Namoros podem ser pra sempre, podem não ser. É diferente de família, Rodrigo. — expliquei, minha voz soando mais frágil do que eu gostaria. — Você sabe do que eu tô falando.

Em um movimento lento, ele me puxou para mais perto, fazendo meu corpo se encaixar no dele novamente.

— Se eu fosse seu marido, a gente seria família, né?

Eu senti o estômago dar um nó quando ele disse aquilo.

Eu tentei desviar com uma risada.

— Seria. — concordei, forçando um tom mais leve, embora minha voz parecesse trêmula. — Vai me pedir em casamento, por acaso? — brinquei, tentando arrancar dele aquele sorriso de canto que sempre aparecia nesses momentos.

Mas ele não sorriu. Nem sequer desviou o olhar.

O jeito como seus olhos me analisavam, sérios, me fez perceber que aquilo não era brincadeira. O coração acelerou, batendo descompassado no peito.

— Se você quiser, Helena — continuou, com um sorriso. —, amanhã mesmo eu chamo um juiz de paz. A gente pode casar. Você quer uma família... e eu quero você.

A risada que estava na ponta da minha língua morreu. Eu pisquei, tentando entender se ele estava falando sério.

— Você tá falando sério mesmo?

Ele não hesitou.

— Eu faço qualquer coisa pra te provar que a gente vai ser pra sempre.

O silêncio se instalou entre nós por alguns segundos, mas dentro de mim, os pensamentos estavam a mil.

Casar com o Muralha? Ser família de verdade com ele?

Parte de mim queria acreditar que isso era a solução para tudo, que isso me daria a segurança que eu tanto buscava. Mas outra parte temia o que isso significava.

Família não era algo simples. Eu sabia o quão quebrada a ideia de família podia ser, e o que significava se entregar a algo que você não podia simplesmente abandonar quando quisesse.

Me inclinei lentamente e o beijei, longa e profundamente, sentindo o coração acelerar no peito. Quando me afastei, encostei minha testa na dele e sussurrei:

— Agora não é a hora.

Ele me encarou por alguns segundos, depois deu um sorriso, como se tivesse aceitado minha resposta, mas ao mesmo tempo não tivesse desistido.

— E antes do ano acabar, vai ser a hora certa?

Sorri, mordendo o lábio. Eu estava achando engraçado a insistência dele.

— Talvez.

A ideia me pegou de surpresa, e a insegurança que sempre mantive enterrada dentro de mim começou a emergir. Muralha não era do tipo que dizia coisas à toa, e o jeito como ele me olhava, como se estivesse esperando uma resposta, fez com eu abrisse um sorriso, balançando a cabeça e ele me puxou pra outro beijo.

— Talvez é bom. — Ele sorriu, satisfeito com a resposta. — Todos os dias vou te fazer essa pergunta, linda. Até você dizer sim. Vou ganhar esse sim, nem que seja pelo teu cansaço... ou pela minha teimosia.

Eu o encarei, sem saber se ria da audácia dele ou se me jogava nos braços do Rodrigo e dizia que sim, que poderíamos casar amanhã mesmo se fosse possível, mesmo sendo cedo demais.

Mas mesmo assim, eu diria sim em algum momento, eu sabia disso.

Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]Onde histórias criam vida. Descubra agora