MURALHA
Eu olhava para os dois e sabia que eles confiavam em mim, mesmo com tudo o que aconteceu. A emboscada pro Lobo já tava na ponta da agulha.
Enquanto o Dante falava, eu mantinha os olhos fixos na mesa, a mão descansando sobre a perna mecânica que ficava oculta por debaixo do tecido da calça jeans.
Por mais que eu tivesse me adaptado bem à prótese, a sensação de ser "diferente" ainda pesava. Não era mais o mesmo cara de antes, pelo menos fisicamente. E mesmo que eu fingisse que isso não me incomodava, no fundo, era impossível ignorar. Além dos caras e da Helena, ninguém nunca tinha visto.
Cada vez que olhava para minha perna de metal, lembrava do quanto tinha perdido. Às vezes, parecia que todo o mundo estava acompanhando a vida enquanto eu estava preso no passado, revivendo aquele dia que me custou a perna. Essa sensação não ia passar até que eu matasse quem fez isso. Lobo ia pagar.
Mas eu sabia que tudo isso seria infinitamente pior sem a Helena do meu lado. Porra, aquela garota era foda demais. Não tinha outra palavra. Quando eu olhei pra ela, enxerguei mais do que só uma mulher gostosa. Helena era muito mais, ela era minha força. Sempre me apoiando, me incentivando — mesmo quando eu não tinha vontade de levantar e colocar aquele caralho de prótese.
Tinha dias que só de pensar em encaixar aquela perna, me dava uma revolta misturada com desânimo.
E Helena, por mais que visse isso, nunca me deixou afundar. Tinha vezes que, se dependesse só de mim, eu ia ficar na cama o dia inteiro, olhando pro teto, remoendo as merdas. O local onde encaixava a prótese ficava machucado, inflamado. Eu só queria desistir e esquecer que aquela perna existia. Fingir que eu nunca tinha perdido nada.
Mas a Helena nunca deixava. Toda vez que eu tava quase jogando a toalha, ela aparecia. Era como se ela tivesse um radar, uma intuição pra saber quando eu estava no meu limite. Ela limpava as feridas com uma, me olhava nos olhos como se dissesse, sem palavras, que tudo ia ficar bem.
Eu sabia que ela não iria desistir de mim, e eu amava aquela mulher por isso também.
Ela dizia que, se eu passasse um ou dois dias sem a prótese, acabaria me acostumando a ficar na cama de novo.
"Você vai se isolar do mundo, Muralha", ela dizia.
Eu sabia que ela tinha razão. No fundo, eu tinha medo de me tornar um cara amargurado, preso na própria cabeça.
Eu queria ser um cara legal pra Helena. Queria ser o mais normal possível, mesmo que soubesse que a normalidade era algo que nunca mais voltaria totalmente. Ainda assim, pra ela, eu fazia esse esforço. Todo dia.
Ela merece o melhor de mim. Às vezes ficava imaginando o futuro. Casar com a Helena, fazer da minha casa a nossa casa, quem sabe um dia até ter filhos. Eu queria tudo isso com ela. Porque, caralho, eu já sentia que amava a Helena.
Eu só não tinha dito isso pra ela, pelo menos, não ainda. Não era o tipo de cara que falava de sentimentos com facilidade. A vida tinha me suportado, mas com ela... tudo parecia mais fácil. Mesmo que eu ainda não tivesse coragem de abrir a boca e dizer o quanto ela queria pra mim, eu sabia que esse momento ia chegar. Porque Helena era mais do que uma parceira. Ela era a mulher que eu queria ao meu lado pro resto da vida.
Dante interrompeu meus pensamentos, quebrando o silêncio.
— A gente vai mesmo invadir o morro do Lobo? — Dante perguntou. — Você tá bem pra isso, cara?
Levantei a cabeça devagar, encarei os dois e dei uma risadinha seca.
— E vou ficar melhor ainda quando ver ele se afogando com o próprio sangue depois que eu cortar a garganta dele. — bati a mão na perna. — Tô novinho em folha, e vou começar pelo Lobo. Tem que ser ele.
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Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]
RomanceRodrigo Kim Almeida, ou simplesmente Muralha, é um líder implacável e temido no morro do Horizonte, mas vê a sua vida mudar drasticamente após perder a perna em um confronto violento com rivais. Isolado e cheio de dor, ele rejeita ajuda e se afasta...