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HELENA

Quando cheguei na frente do portão do Muralha, encontrei um Dante impassível, me esperando. Ele estava ali, com os braços cruzados e uma expressão de quem não estava para brincadeiras. Quando meus olhos encontraram os dele, uma onda de nervosismo tomou conta de mim.

— Cadê a vadia que falou comigo no telefone? — ele perguntou sem rodeios.

Meu coração deu um salto, e a lembrança da Karina xingando ele pelo telefone voltou à tona. Engoli seco, tentando pensar rápido.

— Ela... ela se exaltou. — As palavras saíram baixas, quase tremidas, enquanto eu tentava manter a compostura. — A Karina tá muito arrependida. — A mentira escorregou da minha boca antes que eu pudesse me controlar. Karina não estava nem um pouco arrependida, na verdade, ela queria vir aqui e peitar o Dante pessoalmente, mas eu sabia que isso seria uma completa loucura.

Eu sentia o suor frio nas minhas mãos e rezava para que ele acreditasse.

— Dessa vez eu vou relevar. — ele finalmente disse, me tirando do sufoco momentâneo, mas o tom de ameaça era claro. — Mas se isso acontecer de novo, eu quero que você traga essa garota aqui. Ou eu mesmo vou sair procurando, e quando eu encontrar, essa tal de Karina não vai gostar nem um pouco do que eu vou fazer com ela.

Minha respiração ficou presa por um segundo, e eu assenti rapidamente, tentando esconder o pânico que estava se formando dentro de mim.

— Eu juro que ela se arrependeu, Dante... até chorou de tanta culpa. — continuei insistindo, apesar de saber que Karina provavelmente não derramaria uma lágrima por causa disso. 

Ela era corajosa, destemida, e me preocupava o fato de ela não medir as consequências de suas ações. Mas, no momento, eu só precisava proteger a gente.

Dante me observou por mais alguns segundos, mas no final ele suspirou e abriu o portão, dando um passo para o lado para me deixar entrar.

— Eu vou deixar uma chave com você — ele disse, sem qualquer emoção.

Aquilo me pegou completamente de surpresa. Eu olhei para ele, confusa.

— Por quê? — perguntei, sem conseguir esconder o choque na minha voz.

Ele deu de ombros.

— Você vai ter que vir aqui muitas vezes, e pode ser que eu não esteja disponível para abrir o portão. Faz sentido você ter uma chave.

Eu pisquei, ainda processando a ideia. Eles estavam realmente confiando em mim? Não fazia sentido.

— Vocês confiam em mim? — As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse sequer pensar.

Dante arqueou uma sobrancelha, a curva sutil de seu rosto sinalizando tanto curiosidade quanto ceticismo, como se estivesse ponderando se minha pergunta merecia uma resposta direta ou se ele deveria jogar mais uma de suas provocações.

— Por acaso você mataria o Muralha ou se aliaria aos nossos inimigos? — A voz dele saiu firme, fria, mas com um toque de algo que eu não consegui decifrar de imediato. Provocação? Teste? Seja o que fosse, o impacto foi imediato.

Minhas mãos tremiam levemente e meu estômago revirou. A intensidade da pergunta me pegou de surpresa, mas não tanto quanto a urgência de negar. Sacudi a cabeça tão rápido que senti o mundo girar por um instante, quase perdendo o equilíbrio de tão desesperada que estava para provar minha lealdade.

— Não, jamais! — A resposta veio num impulso, minha voz carregada de firmeza, embora meu coração estivesse disparado. Eu podia sentir o suor frio se formar na minha nuca, e meu corpo todo estava tenso.

Dante me encarou por um longo momento, seus olhos negros sondando cada traço do meu rosto, buscando por qualquer sinal de fraqueza ou mentira. 

Eu sabia que ele era mestre em detectar enganos. No entanto, depois de uma eternidade silenciosa, ele finalmente relaxou os ombros e, para minha surpresa, deu um meio sorriso. Um sorriso de lado, quase irônico, mas ainda assim com uma pitada de aprovação, como se eu tivesse passado num teste invisível.

— Então aí tá a sua resposta. — Ele disse, em tom mais leve, como se a decisão já estivesse tomada. Em seguida, estendeu a mão e, com um gesto lento e deliberado, me ofereceu uma chave.

Eu fiquei olhando para a chave por um segundo, surpresa demais para agir imediatamente. Aquele pequeno objeto parecia pesar toneladas, não por seu tamanho, mas pelo que significava. 

Eu sabia que receber uma chave daquele lugar era mais do que um simples gesto de confiança. Um sinal de que eu estava entrando ainda mais fundo naquele mundo, um caminho sem volta.

Dante me encarou por mais um momento, e então a seriedade voltou ao seu rosto.

— Como ele tá? — A pergunta de Dante veio num tom mais suave, mas a firmeza ainda estava lá, escondida entre as palavras, como se ele estivesse se preparando para uma verdade que não queria ouvir.

Eu suspirei, sentindo o peso da noite anterior pairar sobre mim novamente. Lembrar daquilo me trazia uma mistura de cansaço e frustração que parecia se infiltrar nos meus ossos, me deixando exausta de um jeito que eu não sabia como explicar.

— Ontem foi muito difícil. — As palavras saíram mais devagar, demonstrando o quanto eu estava cansada. — Ele não aceitou o tratamento.

Eu me lembrava das horas que passei tentando convencê-lo, implorando para que ele pelo menos tentasse. Cada palavra minha foi recebida com raiva, negação, e no final, ele estava tão desgastado que tudo o que restava era o silêncio.

— Ele simplesmente não consegue aceitar que precisa de ajuda. — continuei. — Ele grita, xinga, diz que não precisa de ninguém...

Dante permaneceu em silêncio por um momento, seus olhos escuros fixos em um ponto distante. Ele parecia processar o que eu dizia, mas ao mesmo tempo estava imerso em seus próprios pensamentos. 

Eles eram mais do que primos, tinham uma história de lealdade e companheirismo que ia além de qualquer laço de sangue. Eu sabia que para Dante, ver Muralha naquela situação também era um golpe duro.

— Ele sempre foi durão. — Dante finalmente disse, quebrando o silêncio, sua voz carregada de um cansaço que refletia o meu. — Estar numa situação dessas... deve estar deixando ele maluco.

 Para um homem como Muralha, que sempre se orgulhou da própria força, ter que encarar a realidade de que agora precisava ser ajudado era uma tortura. Mas ele precisava entender que aquilo não duraria para sempre, que quando ele ficassem bem de novo, fizesse as fisioterapias e se adaptasse a prótese, eu iria embora e ele voltaria a sua vida.

— É, tá deixando. — murmurei, mais para mim mesma.

Dante respirou fundo, o maxilar trincando levemente, mas ele não disse mais nada.

— Eu não vou desistir. — repeti, tentando transmitir mais firmeza dessa vez.

Dante olhou para mim, seus olhos se estreitando levemente.

— Nem se você quisesse. — A frase saiu seca.

Engoli em seco. A pressão estava aumentando, e eu sabia que não tinha mais como escapar.

— Já transferi os dez mil pra sua conta. — ele disse de repente, mudando de assunto.

Assenti, sentindo o alívio temporário de saber que o dinheiro estava garantido. Mas, ao mesmo tempo, o peso daquela responsabilidade só aumentava. A cada passo que eu dava para ajudar o Muralha, mais presa eu me sentia naquela teia.

— Obrigada. — murmurei, tentando esconder o turbilhão de emoções que se passava dentro de mim.

Dante apenas assentiu, sem dizer mais nada. Ele se virou e começou a caminhar para longe, me deixando sozinha com meus pensamentos. 

Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]Onde histórias criam vida. Descubra agora