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HELENA

O som da chuva batia suave sobre as folhas secas ao redor. O cheiro de terra molhada e flores murchas invadia o ar. Eu estava ali, parada diante da lápide, as mãos trêmulas deslizando sobre a pedra fria que levava o nome dele. 

Rodrigo Kim Almeida

As palavras eram tão frias quanto a rocha que as sustentava. O vento soprava forte, mas eu mal sentia. O vazio dentro de mim era muito maior do que qualquer coisa ao redor.

Minhas mãos escorregaram da lápide até minha barriga, agora já grande. Um bebê que ele nunca conheceria, um filho que jamais veria crescer.

Fechei os olhos, permitindo que as lágrimas caíssem sem controle.

— Desculpa, meu amor. — sussurrei, minha voz quase sumindo na brisa gelada. — Eu devia ter te contado... Se eu tivesse falado sobre as ameaças... Se você soubesse... Nada disso teria acontecido, Rodrigo.

Meus dedos apertavam minha barriga com força, como se aquilo pudesse me ancorar na realidade. Como se a dor pudesse ser dissipada ao sentir o movimento suave do nosso filho dentro de mim. Mas a culpa era imensa. Eu sabia que, se tivesse falado, ele ainda estaria aqui. Ele teria evitado aquela emboscada, teria tomado decisões diferentes.

— Nós... teríamos... casado. — Chorei mais alto, soluçando. — Você estaria aqui, com a gente. Veria seu filho nascer, pegaria ele no colo... Você ia ser o melhor pai do mundo, Rodrigo. Eu sei disso.

Minhas pernas tremiam, quase cedendo sob o peso da dor, e me deixei cair de joelhos no chão, bem em frente à lápide. O frio da terra se misturava ao calor das lágrimas que escorriam pelo meu rosto.

— Eu te amo... — sussurrei, com a voz embargada pela dor. — E nunca, nunca vou deixar de te amar.

A dor no peito era insuportável. Eu mal conseguia respirar. E foi nesse instante, quando a dor parecia que ia me engolir de vez, que eu acordei.

Abri os olhos de repente, ofegante, com o coração disparado. A respiração saía entrecortada, como se eu realmente tivesse acabado de correr por quilômetros.

A sala estava mal iluminada, o único som era o zumbido constante dos equipamentos médicos ao meu redor. Foi só quando olhei para o lado que o pânico começou a se dissipar.

Rodrigo estava ali. Deitado na cama, respirando. Vivo.

Minhas mãos tremiam enquanto eu as levava ao rosto, tentando controlar a onda de alívio que me invadia. Olhei para ele, de olhos fechados, com o rosto ainda pálido e os curativos que cobriam os ferimentos.

Ele tinha sobrevivido. Graças à cirurgia de emergência, ele estava aqui, lutando, resistindo. E eu não o tinha perdido.

Obrigada, meu Deus, falei em pensamento.

Me sentei de volta na poltrona ao lado da cama dele, sentindo meus músculos relaxarem, ainda que o coração não tivesse desacelerado por completo.

Eu quase o tinha perdido. Aquele sonho parecia tão real... e a culpa ainda estava ali, em algum lugar profundo do meu peito.

As ameaças, os segredos que eu guardei. Rodrigo merecia saber, mas eu tinha guardado por medo, por achar que não era nada, que eu incomodaria ele para nada.

Agora, tudo parecia tão estúpido.

Eu olhava para ele dormindo e me perguntava como seria quando ele acordasse.

— Rodrigo... — murmurei, baixo, como se o simples som do nome dele pudesse me dar forças. — Eu sinto tanto.

A porta do quarto se abriu, me arrancando dos meus pensamentos. Mateus entrou, com passos suaves e um semblante sério. Ele era residente no hospital, e também um colega de trabalho. Eu sabia que ele estava acompanhando o caso de Rodrigo, mas nós mal tínhamos trocado palavras desde que tudo aconteceu.

Ele passou direto por mim, mal me olhando, enquanto conferia os equipamentos ao redor de Rodrigo.

— Mateus. — chamei, quebrando o silêncio. — Obrigada por tudo. Você ajudou a salvar a vida dele.

Mateus parou por um segundo, sem desviar o olhar dos papéis que segurava. Ele respirou fundo, antes de finalmente levantar os olhos.

— É incrível que ele esteja vivo. — ele disse, a voz carregada de uma amargura que eu não esperava.

Eu franzi a testa, confusa com o tom dele. Mateus sempre tinha sido uma pessoa calma, mas ali havia algo diferente. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele apontou para Rodrigo, com um olhar duro.

— Mas é ainda mais incrível que você esteja com alguém assim. — me recriminou. — Logo você, Helena. Você sempre foi tão inteligente.

O choque me atingiu como um soco. Senti o rosto esquentar de repente, sem saber como reagir.

— O que você quer dizer com "alguém assim"? — perguntei, minha voz um pouco mais afiada do que eu pretendia.

Mateus me olhou nos olhos, e o que eu vi ali foi dor. Por que?

— Ele é um bandido, Helena. — As palavras saíram frias e diretas. — Você sabe disso. Todos sabem.

Senti meu estômago se revirar. Queria gritar, dizer que ele estava errado, que Rodrigo não era assim. Mas as palavras travaram na minha garganta.

— Ele tá aqui, sendo tratado, de forma sigilosa, pra não ir pra cadeia. — Mateus continuou, o tom duro. — Porque ele é perigoso. E você tá do lado dele.

Eu balancei a cabeça, negando com veemência, tentando encontrar as palavras certas.

— Mateus, você não conhece o Rodrigo como eu conheço. Ele... — comecei, mas ele me interrompeu.

— Eu não conheço? — Ele riu, uma risada amarga e cheia de ressentimento. — Helena, abre os olhos. Talvez você não conheça esse cara. Ele vive em perigo e o que aconteceu com ele, pode acontecer com você, sabia?

Eu respirei fundo, tentando manter a calma.

— Rodrigo não é assim. — Finalmente consegui dizer, a voz baixa, mas firme.

Mateus me olhou por um longo momento, e então, suspirou. O olhar triste no rosto dele me fez sentir pena, eu acho.

— Helena, você nunca percebeu? — Ele balançou a cabeça, parecendo cansado, como se já tivesse desistido de me convencer.

— Nunca percebi o que, Mateus?

Parecendo ainda mais triste, ele se afastou, caminhando até a porta.

— Deixa pra lá. — ele murmurou, e sem olhar para trás, saiu do quarto.

Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]Onde histórias criam vida. Descubra agora