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HELENA

Eu e Karina estávamos sentadas na lanchonete do hospital. Ela mexia o suco com o canudinho, parecendo distraída, mas eu sabia que, do jeito que ela me olhava de rabo de olho, estava cheia de coisas na cabeça.

— A Marília não quis mesmo ficar contigo? — Karina perguntou, parecendo inconformada.

— Não. — Balancei a cabeça, abrindo um sorriso fraco. — Ela tá ficando na casa do Igor. Eu insisti pra ela ficar, mas ela não quis. Quando o Igor ofereceu a casa dele, acho que ela ficou aliviada.

Suspirei, tentando não pensar muito nisso. O Igor tinha demonstrado ser bem diferente do Tiago, e talvez fosse melhor mesmo deixar as coisas fluírem.

— Talvez seja melhor deixar o rio correr seu curso, né? — falei. — O Igor já mostrou que não é igual ao Tiago.

Karina assentiu, como se concordasse com o que eu estava dizendo, mexendo o suco sem muito entusiasmo.

— Eu acho que eles ainda podem ter alguma coisa. — disse ela, me olhando de lado.

— Pois eu tenho certeza que dali vai sair um casal. — falei, levantando uma sobrancelha para ela.

Karina estava muito estranha há dias. Sem aguentar mais, perguntei:

— Mas e você, hein? Não tava afim de ninguém, amiga?

Karina ficou nervosa na hora, e naquele segundo eu soube: ela tava sim interessada em alguém.

— Claro que não. — respondeu rápido demais, o que só me fez rir.

— Ah, Karina... Se você quer negar, pelo menos finge melhor quando tá no mesmo cômodo que o Dante. — continuei. — Tá na cara, sabia disso? E todo mundo já percebeu.

Ela arregalou os olhos, tentou se recompor e cruzou os braços, franzindo a testa.

— Não tem e nunca vai ter nada com aquele imbecil — Karina começou.

— Nunca?

E aí veio a enxurrada:

— Ele é um arrogante, vive achando que pode tudo. Sabe aquele tipo de cara que só de olhar já dá vontade de socar? — Karina disparou. — É ele!

Ela nem respirou antes de continuar.

— Se acha esperto, metido a bonitão, cheio de piadinha sem graça… Eu não entendo como alguém consegue aturar aquele sorriso debochado!

Eu já estava tentando segurar o riso, mas ela nem notou.

— Só porque tem uns músculos acha que pode conquistar todo mundo — ela disse, cruzando os braços, como se isso encerrasse a questão. — Mas comigo, não, amiga. Comigo, ele não vai. Jamais.

Quando viu que eu estava rindo, ela se irritou ainda mais.

— E não sei por que você tá rindo, isso aqui é sério, Helena!

Ainda rindo, revirei os olhos. Karina e esse jeito de se fazer de indiferente.

— Ah, é? E por que você tem tanta antipatia pelo Dante, então?

Ela me encarou, como se tivesse pensado em alguma coisa, mas só disse:

— Você esqueceu como ele era contigo?

Eu pensei em como Dante realmente tinha mudado. Eu não ia negar que o jeito dele no começo era... complicado, pra dizer o mínimo. Mas as pessoas mudam.

Era. — enfatizei. — Mas ele não é mais assim, Karina. Acho que ele só é desconfiado com quem não conhece, sei lá. Mas de qualquer jeito, isso já passou, amiga.

Ela balançou a cabeça, como se não quisesse nem discutir mais.

— Não posso fazer nada se o santo dele não bate com o meu.

— Tá parecendo outra coisa, isso sim. Acho que o santo de vocês bateu bem até demais. — falei. — Você só não quer admitir porque tem medo de amar de verdade, não de fingir, como fez com o Bruno.

A menção ao Bruno, o namorado que Karina tinha na faculdade, não mexeu nadinha com ela. Karina não amava o Bruno.

— Eu amava de verdade o Bruno. — rebateu ela, meio atravessada. — Passei dias pra baixo depois de descobrir sobre ele e a Ligia.

Eu olhei pra ela com uma certa ironia.

— Dias pra baixo? Se você amasse de verdade, teria ficado bem mais que "pra baixo", Karina. O que te deixou mal foi ter sido trocada, não porque amava o Bruno.

Ela deu de ombros, como se dissesse "tanto faz". Não ia insistir nisso. Pelo menos por agora.

Mas ainda assim, não resisti a provocar mais um pouco.

— E você nunca teve nenhum beijinho com o Dante, não?

Ela me olhou na hora, negando com a cabeça, como se fosse a coisa mais absurda que já tinha ouvido.

— Não. — respondeu, seca.

Eu conhecia Karina bem o suficiente pra saber quando ela tava escondendo alguma coisa.

— Tá mentindo. — acusei. — Conta logo tudo, Karina. Onde? Quando?

Mas, antes que ela pudesse responder, alguém apareceu e chamou o nome dela.

— Karina, estão te esperando na direção.

Ela olhou pra mim com aquele sorriso debochado, como se tivesse escapado.

— Vai achando que se safou, mas mais cedo ou mais tarde vai ter que me contar a verdade. — falei, rindo. Ela levantou e foi embora, me deixando ali com o resto do café.

Continuei sentada por mais alguns minutos, pensando nas coisas. Eu sabia que Karina tava escondendo algo, mas uma hora ela ia ter que abrir o jogo. Não ia adiantar fugir.

Peguei o celular e olhei as horas, vendo que já estava quase na hora de voltar pro plantão. Soltei um suspiro, terminando de mastigar o último pedaço do lanche, e dei uma olhada em volta da lanchonete.

Foi então que meu celular vibrou. A tela acendeu com um número desconhecido.

Franzi o cenho, estranhando a ligação. Eu nunca atendia números que não reconhecia, mas algo me fez hesitar.

— Alô? — perguntei, esperando uma resposta, mas do outro lado só havia silêncio. Um silêncio pesado, incômodo, que me fez franzir o cenho e apertar o celular contra o ouvido, já irritada.

— Se ninguém falar nada, vou desligar.

Então, de repente, uma risada. Sombria, baixa, quase abafada, mas suficiente para fazer meu corpo gelar. Aquela risada não tinha nada de normal, era debochada, ameaçadora. E antes que eu pudesse dizer algo, uma voz masculina, rouca, atravessou a linha.

Helena. — o homem falou meu nome devagar, arrastado, como se estivesse saboreando cada sílaba. Um arrepio percorreu minha espinha.

— Quem tá falando? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas meu coração já batia forte no peito.

— Ah, você vai saber logo logo... — ele respondeu, a risada sombria escapando de novo. — Estou ansioso para a gente se encontrar, Helena.

Minha respiração ficou presa por um momento. Era uma ameaça, eu sentia. Algo nele me dizia que não estava brincando.

— Quem diabos é você? O que quer comigo? — perguntei, meu tom saindo desesperado.

Ele fez um som como se estivesse considerando a pergunta, mas o silêncio que se seguiu só aumentou meu nervosismo.

— Não se preocupa... Quando chegar a hora, você vai me conhecer muito bem. E eu vou te mostrar exatamente o que quero com você. — A risada voltou, mais alta, e dessa vez meu estômago revirou de medo.

Antes que eu pudesse reagir, ele desligou.

Fiquei parada ali, o celular ainda colado ao ouvido, tentando processar o que tinha acabado de acontecer.

O que foi isso?

Protegida pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #3]Onde histórias criam vida. Descubra agora