2022, COPA DO MUNDO
FASE DE GRUPOSA verdade é que a Copa do Mundo é um grande circo. Um show com luzes ofuscantes, confusão e pressões que podem esmagar até os mais fortes. Para mim, era mais um campo de batalha. Cada jogo, cada passe, era uma tentativa de fugir da sombra que meu pai deixou quando saiu da minha vida. Mas foi em 2022, no meio desse caos, que algo totalmente fora de contexto aconteceu.
Eu a vi nos corredores do estádio. Não era nada de mais. A FIFA preenche esses lugares com voluntários e funcionários por todo lado. Ela parecia perdida, ou talvez curiosa, como alguém que estava onde sempre sonhou estar, mas ainda não acreditava. Melina. Claro que eu não sabia seu nome na época. Só foi um olhar, rápido e silencioso, mas o tipo de olhar que te pega de jeito, mesmo quando o foco deveria estar em outro lugar.
Ela tinha aqueles olhos ── olhos que diziam algo que não consegui entender na hora. Eu me virei, voltei para o campo, e a partida começou.
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DIAS ATUAIS
Chegar ao Brasil é como entrar numa panela de pressão. O calor te abraça logo no aeroporto e não larga mais. A primeira coisa que pensei ao sair do avião foi: isso é futebol ou um teste de sobrevivência? Entre suar por fora e por dentro, percebi que estava pronto para esse novo capítulo, pelo menos, era o que eu repetia pra mim mesmo desde que assinei o contrato.
A torcida estava lá, em peso. Brasileiros não fazem nada pela metade, e isso inclui esperar horas só para ver um cara que, até dois meses atrás, jogava a milhares de quilômetros de distância. O que eles esperam de mim? Provavelmente tudo. Gol de bicicleta no primeiro treino, dribles que deixem os zagueiros no chão, e claro, um grito de "VAI, CORINTHIANS!" para alimentar a euforia.
De um lado, eu estava pronto. Sempre estive. Já joguei nas maiores ligas, já enfrentei os melhores. Mas, ao mesmo tempo, aquela velha voz ecoava na minha cabeça, uma voz que eu conheço desde criança. A do meu pai.
Sim, o cara que deveria estar lá para me ver crescer, que deveria ter me dado pelo menos uma dica sobre como lidar com o mundo. Ele desapareceu da minha vida antes que eu pudesse entender o que era abandono. Desde então, é como se ele estivesse assistindo de longe, sem a menor intenção de aplaudir. O futebol foi minha resposta. Cada gol, cada drible, era uma tentativa de preencher o vazio que ele deixou. Agora, estou aqui, numa nova arena, com outra multidão esperando que eu prove algo. Só que a verdade é que, por mais que o estádio vibre, aquela ausência ainda pesa.
A Arena Corinthians estava lotada. Eu mal pisei no gramado e o som da torcida bateu no meu peito como um soco. Eles gritavam meu nome. "Memphis, Memphis!" Esse era o combustível. Ou, pelo menos, deveria ser. Eu levantava os braços, acenava, sorria, mas no fundo, era aquele mesmo dilema: E se eu não for suficiente? Isso me acompanha sempre, como uma sombra que não vai embora.
O presidente do clube me apresentou à torcida com todo o protocolo, e eu levantei a camisa do Corinthians. A multidão explodiu em gritos, flâmulas foram erguidas, e por um segundo, eu deixei de lado a pressão, a sombra do meu pai, o peso das expectativas. Tudo o que importava era aquele momento, aquela conexão com o público. Eles não me conhecem de verdade, mas já acreditam em mim. Isso é um poder e uma responsabilidade que às vezes pesa mais do que qualquer treino.
A Neo Química ainda está pulsando, o time jogando contra o Juventude pela Copa do Brasil, e eu na área VIP com alguns diretores do clube, trocando amenidades sobre o jogo e sentindo o peso de ser o novo reforço.
── Você vai gostar daqui, Memphis. A torcida é apaixonada, e o time tem uma estrutura forte pra dar suporte a todos os jogadores ── dizia um dos diretores, com aquele sorriso que tentava esconder o nervosismo de ter investido em um jogador de peso.
── Sim, e ainda temos uma excelente equipe fora do campo. Melina Campos, por exemplo. Psicóloga do time. Grande profissional ── disse outro, sem muita cerimônia.
Meu cérebro congelou por um segundo. "Melina?" O nome soou familiar. Aqueles olhos...
── Sim, Melina. Ela é filha do antigo preparador físico e trabalha com a equipe há alguns meses. Ah, e é uma psicóloga incrível ── acrescentou ele, distraído, enquanto o Corinthians perdia uma chance de gol.
Eu disfarcei, voltando minha atenção para o jogo, mas a sensação era inconfundível. Como um déjà vu maluco. Melina. Seria possível?
O jogo terminou com uma vitória suada do Corinthians. O time avançou para a semifinal da Copa do Brasil, e os gritos da torcida reverberavam na arena. A vibração era intensa, e eu sentia a euforia, mas minha cabeça já estava em outro lugar.
No dia seguinte, a diretoria organizou uma reunião casual com os jogadores na sala de jogos do centro de treinamento, uma maneira de me integrar ao grupo. Todos riam, jogando ping-pong, fliperama, aquela descontração que precede a pressão real dos próximos jogos.
Eu estava ao lado de Rodrigo Garro, que rapidamente se revelou um dos jogadores mais falantes e carismáticos do time.
── Então, o que achou da torcida ontem, Memphis? Eles são malucos, né? ── ele perguntou, rindo.
── Eu já tinha ouvido falar, mas ver ao vivo é outra coisa. Parecem prontos pra entrar em campo a qualquer momento ── respondi, tentando manter o tom leve, mas ainda com Melina martelando na minha cabeça.
── É, os brasileiros levam o futebol a sério. E você vai ver, nossa equipe é boa não só dentro de campo. Minha meia-irmã, Melina, trabalha com a gente também. Ela faz a galera manter a cabeça no lugar. Psicóloga top.
O mundo pareceu desacelerar. Meia-irmã? Melina, a psicóloga. Eu podia sentir um sorriso cínico crescendo no meu rosto.
── Melina, hein? ── perguntei, testando as águas.
── É, a própria. Ela ama futebol tanto quanto qualquer um aqui. Dá até uns palpites técnicos de vez em quando ── ele riu.
Eu não respondi. Porque a verdade estava começando a se alinhar. A mulher do estádio em 2022, que eu achei ser apenas uma funcionária qualquer, era agora a psicóloga do clube. Irmã de um dos meus colegas de time.
Mais tarde, quando a reunião estava acabando, senti uma mudança na atmosfera. Como se alguém tivesse aberto a porta e o ar tivesse mudado de repente. Eu estava na porta, falando com os diretores, após dar uma volta com os mesmos e voltar para a sala de jogos. Me virei e lá estava ela. Aquele mesmo olhar de 2022. As mesmas íris que me pegaram desprevenido naquela época, e que agora me derrubavam novamente, só que de um jeito diferente.
Ela piscou. E eu, do outro lado da sala, percebi que o que parecia ser um reencontro casual estava prestes a se tornar muito mais complicado.
Porque agora, de repente, eu estava de volta àquele corredor na Copa do Mundo, mas desta vez, não dava pra apenas seguir em frente e fingir que não tinha acontecido nada.
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𝘫𝘰𝘨𝘢𝘥𝘢𝘴 𝘥𝘰 𝘢𝘤𝘢𝘴𝘰, 𝐌𝐄𝐌𝐏𝐇𝐈𝐒 𝐃𝐄𝐏𝐀𝐘 ✓
Fanfiction[Concluída] Memphis Depay, o mais novo craque do Corinthians, só queria driblar a pressão e manter a cabeça no lugar. Melina Campos, uma psicóloga brilhante que, nas horas vagas, troca o divã por um vinho apenas tenta viver sem causar muito alarde p...