[06] l i n h a

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Eu sempre soube que existiam linhas que nunca deveriam ser cruzadas

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Eu sempre soube que existiam linhas que nunca deveriam ser cruzadas. A psicologia tem um código rígido: o relacionamento com pacientes deve ser estritamente profissional. Mantém a integridade, protege o tratamento, preserva a ética. E até agora, eu nunca tive problemas em seguir esse código. Mas com Memphis, as coisas estavam diferentes.

Muito diferentes.

O futebol foi nossa primeira conexão. Ele falava da bola como alguém que entende não apenas o jogo, mas também o impacto emocional que ele carrega. Um refúgio e uma prisão ao mesmo tempo, como ele havia mencionado na última sessão. E, ironicamente, eu entendia isso. De certa forma, o futebol me trouxe até aqui, me colocou nessa posição, nessa sala com ele.

Memphis não era apenas um jogador que veio em busca de ajuda psicológica. Ele estava invadindo um espaço que eu mantinha guardado. Eu sempre me orgulhei de ser capaz de separar as coisas. Mas, quando ele falava sobre a pressão, a responsabilidade, eu sentia que não estava apenas ouvindo um paciente, mas alguém que dividia comigo uma paixão comum. Isso me colocava em uma posição vulnerável.

Na sessão de hoje, Memphis entrou com o semblante sério, mas eu sabia que, por baixo daquela fachada, ele carregava uma infinidade de emoções.

── Então, como estamos hoje? ── perguntei, mantendo o tom casual. Mas eu sabia que, depois da última conversa, estávamos caminhando para territórios mais profundos.

Ele deu de ombros. ── Sobrevivendo, como sempre.

Eu arqueei uma sobrancelha. ── Isso não me parece exatamente um avanço.

Memphis soltou um leve sorriso, daquele tipo que me fazia perceber que, apesar de tudo, ele ainda mantinha sua armadura bem polida.

── O futebol... é estranho ── ele começou, olhando para as mãos. ── Às vezes parece a única coisa que eu sei fazer, e ao mesmo tempo, é o que mais me aprisiona. Quando eu jogo, consigo esquecer todo o resto. Mas quando o jogo acaba, tudo volta... e parece que nunca vai embora.

Eu o observei atentamente. Aquilo não era só sobre o esporte. Era sobre tudo o que ele vinha carregando — o abandono do pai, a pressão da carreira, a responsabilidade que ele colocava nos próprios ombros. Eu, uma voz interior disse.

── Você já parou para pensar que talvez o futebol não seja a causa do que te prende, mas sim a fuga? ── eu perguntei, tentando navegar pelo labirinto que ele havia criado.

Ele me olhou de canto de olho, quase provocativo. ── Tá falando como psicóloga ou como fã de futebol?

Eu ri, tentando disfarçar o quanto ele conseguia me desarmar.

── Um pouco dos dois, talvez? ── brinquei. ── Mas acho que você já sabe disso.

Houve um momento de silêncio, uma troca de olhares. Memphis estava começando a se abrir, mas ao mesmo tempo, eu sentia que ele ainda se segurava. Ele falava, mas com a cautela de quem está testando as águas, tentando descobrir até onde pode ir sem se afogar.

𝘫𝘰𝘨𝘢𝘥𝘢𝘴 𝘥𝘰 𝘢𝘤𝘢𝘴𝘰, 𝐌𝐄𝐌𝐏𝐇𝐈𝐒 𝐃𝐄𝐏𝐀𝐘 ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora