CAPÍTULO 27

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Os dias foram passando, e meu refúgio se tornou a livraria do meu pai, onde eu e Gael passávamos tardes tranquilas, envoltos em livros e conversas intermináveis. Aquele lugar, com o aroma de páginas antigas e café recém-preparado, era um pequeno mundo nosso, e a companhia dele fazia tudo parecer mais leve.

Naquele dia em especial, estava lendo para ele mais uma vez o mesmo livro de sempre: A Carícia do Vento. Eu não enjoava e o Gael, por algum motivo, parecia não se cansar nunca. Ele ouvia cada palavra com um brilho no olhar, quase como se estivesse ouvindo a história pela primeira vez.

- Nossa, essa história tá cada vez melhor. - Ele coloca a mão no peito, como se estivesse realmente emocionado.

Eu rio da reação dele e estendo o livro em sua direção. - Você podia terminar sozinho, sabia? - brinco, tentando passar o livro para ele.

- Que? Não! - Ele recusa, afastando o livro. - Prefiro que você leia. Você deixa tudo mais... emotivo.

Ele diz isso com tanta sinceridade que me faz rir. Era um pequeno hábito nosso, e, mesmo que eu tentasse resistir, acabava gostando de como ele apreciava cada capítulo. Enquanto rimos, ele se levanta e prepara nosso café da tarde, quase uma tradição. Quando ele me entrega a xícara, dou um pequeno gole, sentindo o calor e o sabor amargo aquecerem meu peito.

Nesse instante, Camila entra na livraria, com um sorriso breve, mas sincero. Ela para ao me ver com o livro em mãos, e sua expressão é de pura surpresa.

- Eu não acredito que você corrompeu o Gael! - Ela ri, balançando a cabeça com incredulidade.

Finjo indignação, colocando a mão no peito. - Corromper? Eu? De jeito nenhum. Ele já era corrompido antes de me conhecer!

- E muito! - Gael completa, com um sorriso travesso, arrancando gargalhadas de nós três.

A risada ecoa pela livraria, um som reconfortante, quase como uma pausa na rotina dos dias que passavam sem Luke. Mas logo, Camila sugere algo que parece trazer uma nova energia ao ambiente.

- Podíamos sair à noite, que tal? - Ela pergunta, mas posso perceber no olhar dela a saudade do irmão, aquele vazio silencioso que compartilho com ela. Talvez essa seja nossa forma de tentar preencher esse vazio, mesmo que só um pouco.

Eu concordo, e antes que eu possa perguntar mais, Gael sugere uma ideia com um brilho de empolgação nos olhos.

- Vai ter aquele evento na praça hoje à noite, de filmes ao ar livre e piquenique. Que tal? - Ele sugere, animado.

Camila faz uma careta, como se não estivesse muito convencida, mas logo acaba sorrindo e concordando. A ideia de um piquenique noturno, sob as estrelas e com um bom filme, começa a parecer interessante para nós duas.

- Por mim, tudo bem! - digo, já pensando em como seria bom fugir um pouco da rotina. - Vou falar com meu pai e, se tudo der certo, durmo na sua casa, Camila.

Ela me dá um sorriso amplo, e vejo um brilho de animação em seus olhos. Era o que precisávamos: um pouco de distração.

🦂

O evento de piquenique no parque estava cheio de famílias, crianças correndo e risadas por todos os lados. O filme que passaria era um clássico: Scooby-Doo, perfeito para o ambiente familiar. Havia algumas barraquinhas de comida espalhadas pelo local, e pegamos pipocas antes de nos acomodarmos sobre a toalha, aproveitando o clima agradável da noite. Estava tudo tão tranquilo que, por um momento, parecia que a ausência de Luke não era uma sombra tão presente.

Eu me ajeitei, dando uma mordida na pipoca, mas, ao me virar, vi Melody com as gêmeas, um pouco mais afastadas, observando-nos. Melody mantinha o olhar fixo em mim, algo em sua expressão me deixava inquieta, como se estivesse tentando ler algo em meu rosto, ou talvez julgando.

- A Melody fala com o seu irmão? - perguntei para Camila, mas tinha medo da resposta.

Camila virou para mim e suspirou. - Eu não sei... quando o Luke some assim, ele não fala com ninguém. - Na voz dela, notei uma leve tristeza, um tom que só alguém que sente falta dele entenderia - Nem meu pai.

Eu apenas balancei a cabeça em compreensão. Era um vazio compartilhado, como se ambos estivéssemos lidando com a mesma ausência dolorida, a mesma falta que ele deixava. Será que ele também sentia falta? Eu podia estar louca, mas parecia que estávamos nos entendendo antes dele partir.

Sentindo a necessidade de um momento só meu, me levantei.

- Vocês querem pipoca? - perguntei, tentando disfarçar minha vontade de espairecer um pouco.

- Quero colorida! - Gael respondeu animado, com os olhos ainda fixos na tela.

Caminhei lentamente até a barraca, aproveitando cada passo para respirar fundo, tentando acalmar os pensamentos. Pedi ao vendedor dois saquinhos, um de pipoca colorida para Gael e um simples para mim.

- Pipoca colorida? Não é coisa de criança? - Ouvi uma voz familiar e, ao me virar, dei de cara com Quinn, sorrindo de forma provocadora, ao lado de um amigo.

Revirei os olhos, mas não pude deixar de responder no mesmo tom.

- E você? Deveria estar aqui? Achei que esse não era o seu território. - Lembrei da rixa entre das gangue, onde cada um tinha seu espaço definido.

Ele riu, achando graça na minha tentativa de provocação, e deu um passo à frente, inclinando-se levemente para falar próximo ao meu ouvido.

- Estou aqui por dois motivos. Primeiro, estamos em uma "paz momentânea". Cobras e Escorpiões têm um acordo de trégua. E segundo... o líder e o segundo não estão aqui. - Ele sorriu de lado, com um ar de descaso. - Então, não tenho medo.

Peguei as pipocas e paguei o vendedor, lançando a Quinn um último olhar antes de responder com desdém.

- Sorte sua, então.

Ele deu de ombros, ainda com aquele sorriso presunçoso.

- Até mais tarde.

Observá-lo se afastar foi um alívio. Ele podia ser irritante e provocador, mas não carregava a mesma intensidade do irmão. Quinn tinha uma forma exagerada de agir, como se estivesse sempre tentando impressionar ou se destacar, mas, pelo menos, não era ameaçador.

Voltei para onde Camila e Gael estavam, e percebi que Camila olhava para Quinn com o olhar fixo, quase desconfortável. Entreguei a pipoca colorida a Gael, que logo voltou sua atenção para o filme, completamente envolvido.

- Tudo bem? - perguntei a Camila, notando sua inquietação.

Ela desviou o olhar de Quinn e assentiu, meio hesitante.

- Sim, sim... É só que... o Luke não vai gostar de vê-los por aqui. - Franzi o cenho, confusa.

- Mas não tem essa trégua, essa paz entre eles?

Ela assentiu, mas seu rosto mostrava preocupação.

- Tem, mas é uma paz falsa. Qualquer faísca, qualquer provocação... e isso explode.

O jeito que ela falou, com uma tensão nas palavras, fez um arrepio percorrer minha espinha. Aquele mundo de rivalidades e tensões parecia sempre à beira de um colapso.

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