Capítulo 9

1.9K 172 5
                                    

Clara estava impaciente para terminar de arrumar a cozinha do jantar, pois a mãe tinha perguntado muitas vezes se estava tudo bem. Os pais não conseguiriam jamais entender a expressão do rosto da filha. Ela estava bem, parecia feliz até, mas junto com a felicidade um misto de preocupação, angústia e muitos outros sentimentos.

Clara mal podia esperar para ficar sozinha e recapitular todos os detalhes que a estavam atormentando. Depois de se certificar de que os pais dormiam, ela resolveu subir no telhado. Era seu lugar favorito para pensar.

Deitou-se, olhando as estrelas e sentindo-se em paz. Voltou sua mente para o que aconteceu naquela tarde. Sentiu a pele arrepiar ao lembrar-se dos dedos dele subindo pelo seu braço e colocou a mão no pescoço aonde antes a mão dele tinha segurado.

Tocou os lábios com a ponta dos dedos e fechou os olhos para se entregar a sensação maravilhosa que a simples lembrança da boca úmida e quente dele tinha deixado sobre a dela. Sentiu um delicioso gelo na barriga relembrando o tanto que foi bom o sabor da língua do rapaz tocando a sua e investigando sua boca, lenta e possessivamente.

Por Deus do céu que ele sabia como beijar. Ela nunca tinha sido beijada antes. Estivera tempo demais viajando pelas comunidades e caçando os mitos mais perigosos para pensar em envolvimentos. Tinha apenas dezesseis anos e imaginava que poderia se preocupar com isso mais no futuro.

Ela imaginou que com certeza ele tivera muitas outras experiências com meninas normais e também com as do seu povo. Se é que eles se relacionavam dessa forma. Não apenas por já ter vinte e um anos, mas pela destreza com que comandou a situação mesmo diante de toda a tensão.

Clara ficou ali. Sorrindo sozinha e curtindo cada nova sensação, revivendo a cena do beijo vezes e vezes durante a noite. Não queria pensar nas consequências. Não tão já. Tinha sido tudo bom demais pra estragar com outras preocupações.

A menina não estava sozinha em seus pensamentos. Longe dali, sentado sobre a pedra do descampado, à luz do luar, Rico mal podia pensar em outra coisa que não fosse na expressão doce do rosto forte e marcante da menina animista.

Os braços envolviam os joelhos curvados e a luz do seu olhar mitológico brilhava na escuridão absoluta da floresta.

Ele pensava na loucura da situação e em como a boca dela, macia e delicada, correspondeu sem medo ao beijo dele e em como foi bom. Delicioso. Diferente. Excitante.

O desejo de tê-la por inteiro aflorou nele quase que dolorosamente.

O rapaz gemeu desejoso e pensou na sua má sorte. Daria tudo pra ser apenas um sujeito comum, que pudesse se relacionar com tranquilidade e levar a namorada pra jantar e essas coisas que ele via os casais humanos fazerem todos os dias.

Imóvel no alto da pedra, com uma expressão dura e carrancuda, ele observava a luz do luar refletir nas águas do rio. Sua mente sempre procurava se desvencilhar da imagem dela, mas era em vão. Sorriu solitário e amargo ao se lembrar de como era tagarela e curiosa.

Por Jesus Cristo, ela tinha só dezesseis anos. Nova demais, forte demais, hábil demais, linda demais e infelizmente conhecida demais pelos quatro cantos do mundo, do mundo dela e do dele também.

Suspirou cansado. A garota tinha liquidado seu pai. Isso deveria ser o suficiente pra que ele nunca tivesse chegado perto dela. Deveria ser o bastante para se afastar no momento. Mas, nem com todas as forças que pudesse reunir o convenceria de fazê-lo. Ele se dobrou aos encantos dela e estava tomado pela paixão.

Era difícil conviver com o que estava sentindo. Rico podia entender um pouco mais a vida humana agora. Teria que procurar saber sobre essas coisas estranhas que estava acontecendo com ele. Tinha um mundo inteiro sob seus pés e decisões. Ele era o filho de Haram e Naiá da lenda da Lua. Era poderosamente temido, implacável e obstinado.

O CURUPIRAOnde histórias criam vida. Descubra agora