Rico acordou no outro dia de ressaca. Ele pensou que não era apenas sua cabeça que estava uma merda. Sua vida estava uma merda. Lembrou-se que estava indo procurar a irmã quando foi interrompido por Lia e subitamente a memória do beijo apareceu em sua mente. Ele amaldiçoou a si mesmo por ter permitido que a serpente chegasse perto dele. Clara nunca o perdoaria se soubesse. Ela iria imaginar que a coisa toda tinha ido além disso.
O rapaz passou as mãos pelo rosto e murmurou pra si.
-Grande idiota é o que você é.
Ele voltou para a Quimera porque seu corpo humano se recuperava mais fácil sob o poder mítico. O mito andou por todo o seu domínio e viu os pequenos curupiras nascidos pelo processo de divisões de células. Eles cresciam rápido e estavam por toda a extensão de sua Quimera. Pensou no que Clara tinha dito sobre família. Em seu mundo apenas os líderes e seus conjugados podiam escolher um parceiro e procriar. O líder tinha que apresentar um sucessor à sua prole.
Ele seria pai um dia, mas não era como a relação de Clara e Davi. Quando fosse procriar teria que ser duro e obstinado com seu filho. Ele teria que passar por todas as dores que poderia infligir a alguém e teria seu coração endurecido e esfriado desde muito pequeno. Seu filho seria um guerreiro que jamais o chamaria de pai, não brincaria com ele, tampouco se abraçariam como a ex-namorada e o pai faziam o tempo todo.
Rico não se lembrava de um dia ter tocado Haram. E jamais o chamou de pai. Tinha que pedir permissão para falar e se aproximava apenas quando recebia ordem para tal. Haram era seu mentor, seu mestre. Sua mãe o deixou e voltou para seu domínio lunar. Naiá tinha que ser autorizada a ver os filhos. Desde que Haram foi desmaterializados ele tinha concedido sua visita poucas vezes. Não se sentia a vontade com a mãe. Há tempos não sabia dela. Mesmo sua imagem materna, não era algo carinhoso e preocupado como ouvia dizer sobre os humanos e já tinha observado nos animistas também.
Luara foi concebida com o propósito de substituir Rico no que fosse preciso. Ouviu Haram dizer algumas vezes que tinha se preocupado quando soube que sua segunda criança era uma menina e não outro menino como esperava. Mas ela tinha superado as expectativas do pai. A garota foi um plano B para estar à altura de um líder se algo acontecesse ao filho antes dele se tornar o melhor. Haram tinha trabalhado para que seu nome nunca fosse esquecido. Seus filhos eram poderosos e ele tinha sido habilidoso em não deixar Rico sozinho no comando.
Depois de checar todos os procedimentos de sua Quimera Rico deu ordem aos angras para varrer a floresta em busca de Luara. Ele queria falar com ela. Era tempo da irmã voltar.
Ele teria que arrumar uma ocupação para ela dentro da Quimera. Pensou em devolver seu trabalho como seu braço direito, mas para isso teria que se livrar de Lia. Definitivamente iria reconsiderar essa hipótese. A serpente era um perigo à sua imagem junto de Clara. Não que ele estivesse tentado a estar com ela. De jeito nenhum. Mas o beijo jamais deveria ter acontecido e o fato de ela ter se atrevido a tal atitude dava à ele uma margem do que a menina-cobra era capaz de fazer para bagunçar ainda mais sua vida pessoal.
Lia chegou até ele e foi dando os recados.
-Falei com o Boto. Ele disse que o Bradador está envolto em um motim contra você e muitos tem se aliado a ele, em especial as sereias em consideração à Alamoa. Curiosamente a mais poderosa delas, Iara, está do seu lado e mandou dizer que lutará com você se precisar.
-Deixem que venham todos eles.
-Nossa, é bastante confiante hein.
-Não tenho nada a temer.
-Fico pensando porque Iara não está contra você. As sereias costumam ser unidas.
-Iara dormia comigo, se é isso que quer saber.
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O CURUPIRA
Ficção AdolescenteRico olhou fixamente para sua maior inimiga no mundo, Clara Jordani, e intimamente ficou muito surpreso. Tinha ouvido falar o quão poderosa ela podia ser, mas não esperava que fosse tão jovem e estupidamente bonita como de fato era. Ele percorreu o...