A menina pensou que não ia adiantar mesmo. Não conseguiria dar dois passos e ele a impediria. Tirou o tênis com raiva e se dirigiu pra varanda, precisava pensar. Ele continuou na cozinha e Clara achou que ele também precisava se ocupar. Ela deitou na rede e repassou a conversa que tinha ouvido. Na verdade ela tinha escutado toda a conversa.
Então Rico tinha encontros esporádicos com a sereia Iara? Clara pensou que nunca saberia se alguma coisa acontecesse dentro da Quimera, mas logo ela tirou essa idéia da cabeça. Confiava nele e tinha certeza dos seus sentimentos por ela. Era evidente que ele a amava. Mas ao mesmo tempo a menina ficava tentada a se perguntar se talvez pra ele ter outras pessoas não seria normal, afinal tudo no mundo dele era absurdamente diferente do dela.
Ela se lembrou que Luara tinha dito que ele tinha tido muitas mulheres e não que ele continuava a ter. Fechou os olhos e enxergou o rosto angustiado da cunhada pedindo por favor para não ser dada como favorita à um lendário que ela não gostava.
Rico ainda tinha dito que ela teria que procriar um sucessor para o Boto. A idéia a enojou e ela sentiu o estômago embrulhar. Como ele podia fazer isso com a própria irmã? Um soluço ficou preso na garganta da menina em compaixão pela curupira.
A cunhada teria que se submeter à uma relação tão íntima sem amor, sem desejo, apenas pela obrigação de cumprir uma ordem estúpida. A menina segurou o estômago e o pressionou com a mão para que a dor que sentia passasse.
Estava com os nervos abalados. Amava tanto ao namorado e ele era pra ela um sopro novo de vida. Alguém que a protegia e cuidava dela como se fosse uma jóia preciosa. Clara não podia associar o homem que acabara de levá-la ao céu com gestos tão amorosos e palavras doces e românticas ao líder que negociava a irmã pra conseguir aliança em uma batalha.
A menina ficou ali na rede da varanda toda encolhida e segurando o estômago por muito tempo até que adormeceu. Sonhou com Luara e ela estava grávida e gritava na dor do parto, gritava muito alto e Clara a ajudava segurando a mão dela e dizendo palavras de conforto.
A curupira fazia força e o bebê começou a nascer e Clara não sabia o que fazer então quando olhou, não era uma criança, era um boto. Um pequeno boto cor-de-rosa que guinchava nas mãos de Clara. Luara gritava apavorada e o boto guinchava e Clara gritava muito alto e o boto foi crescendo e crescendo em sua mão e se transformou em um homem que a tocava com malícia e então ela tentava tirar as mãos dele de cima dela.
-Clara, acorda. Hei, foi um pesadelo. Está tudo bem.
Ela ouviu a voz suave de Rico e foi abrindo os olhos lentamente. Segurava muito forte nos pulsos dele e ofegava. Os olhos estavam úmidos e a menina teve certeza que chorou enquanto sonhava. Ela aliviou a pressão das mãos e soltou o namorado.
Clara se deu conta que estava na cama. Em algum momento Rico a trouxe de volta para o quarto e ela nem viu. Se levantou e foi até a cozinha beber água. O Curupira estava em pé também, não tentou se aproximar.
-O que estava sonhando?
Ela balançou a cabeça em negativa e bebeu o restante da água. Ele deu a volta no balcão e fechou a passagem dela.
-Me diz o que aconteceu. Você gritava sem parar. Estava muito assustada.
Ela sentiu os olhos ficarem marejados e ele viu o lábio dela tremer. No fundo Rico tinha idéia do que causara o pesadelo da menina. Ficou mortificado por que a conversa a tinha abalado muito mais do que ele podia imaginar. Clara era uma animista, mas sua parte humana era muito evoluída e sensível.
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O CURUPIRA
Teen FictionRico olhou fixamente para sua maior inimiga no mundo, Clara Jordani, e intimamente ficou muito surpreso. Tinha ouvido falar o quão poderosa ela podia ser, mas não esperava que fosse tão jovem e estupidamente bonita como de fato era. Ele percorreu o...