"Beba, pois a água viva ainda 'tá na fonte. Você tem dois pés para cruzar a ponte. Nada acabou."
[Raul Seixas, Tente outra vez.]
Cheguei à recepção da editora e respirei fundo. Eu não havia marcado nenhuma hora com Alberto. Na verdade, eu estava torcendo para que ele tivesse piedade de mim e me deixasse ao menos entrar em sua sala. Estanquei no lugar quando percebi o quão diferente esse lugar estava. Para melhor, óbvio.
O pé direito deveria ter uns dez metros. O piso amadeirado e as paredes em cores neutras, junto com uma iluminação amarelada, dava uma sensação aconchegante ao ambiente. Acho que a intenção era fazer com que as pessoas que chegassem ali se sentissem em uma biblioteca, já que havia algumas estantes com os livros lançados pela editora e um enorme sofá para as pessoas se acomodarem.
Caminhei até a recepcionista do local, que estava devidamente sentada atrás de sua mesa de trabalho, parecendo concentrada em teclar ruidosa e furiosamente no computador.
— Com licença, senhorita. Gostaria de falar com o senhor Alberto — disse, meio tímido. A mulher não parecia em um bom dia.
— O senhor tem hora marcada? — perguntou, sem desviar os olhos da tela do computador, com um pouco de rispidez na voz.
Eu não disse que ela não estava num bom dia? E olha que sou perito em dias ruins.
— Hum... na verdade, não — respondi, mudando o peso do corpo de uma perna para outra.
Ouvi a mulher em minha frente dar um suspiro cansado. Mas continuava sem olhar para mim. Sempre para a tela do computador.
— O senhor pode esperar ali no sofá — ela disse, apontando para o móvel. — Quando ele sair de uma reunião, vai recebê-lo.
Depois de murmurar um muito obrigado, eu me dirigi até o sofá para esperar ser chamado à sala de Alberto Soares. Antes de decidir se leria algum livro ou não, o telefone celular da recepcionista toca. Eu não queria ouvir a conversa, mas foi impossível.
— O que você quer? — ela perguntou com uma irritação aparente — Eu nunca vou voltar com você, seu idiota! Não adianta dizer que vai me perseguir pelo resto da minha vida! — Nesse ponto ela estava se controlando para não gritar. — Vai infernizar a vida daquela vadia com quem você me traiu e me deixa em paz!
E desligou o telefone de forma ruidosa, já que o pobre foi jogado de qualquer forma em cima da mesa.
A garota ficou parada tentando normalizar a respiração. Levantei e fui até a sua mesa.
— Você está bem? — perguntei para ela. Aliás, foi uma pergunta estúpida. Era bem óbvio que a resposta era não.
A garota finalmente olhou para mim. Ela estava chorando, o que era meio triste. Olhos tão lindos como os dela não deveriam estar tão alagados de lágrimas tristes e raivosas.
Não eram só os olhos que eram bonitos. Todo o conjunto que formava a garota era lindo. Seus cabelos pretos e com cachos bem volumosos contrastavam com a cor dos seus olhos de azul profundo, que, por sua vez, contrastavam com a sua pele da cor de chocolate.
— Eu pareço bem? — ela perguntou, enxugando as lágrimas.
— Desculpa, só estava querendo ajudar — murmurei baixinho, tentando não ficar com raiva da mulher em minha frente por ser tão mal agradecida. Até que lembrei que é exatamente isso que eu costumo ser com o Pedro e a Aline.
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Dê-me amor
RomanceFernando Garcia é um escritor que já fora famoso, mas agora, devido à toda a sua crise de bloqueio criativo, que já dura nada mais que cinco anos, se vê falido, afundado em dívidas e no álcool, seu atual companheiro a quem confia suas mágoas e princ...