Capítulo 23

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"Que seja, então, amor. Porque não há sentimento mais cruel e arrebatador. Não há sentimento mais contraditório do que o tal do amor."

[Dois Mundos, capítulo 18, Fernando Garcia.]

Eu não lembrava o que havia acontecido ontem depois que eu cheguei em casa, mas a sensação que eu tinha era a de que eu fiz uma grande merda, como já é de praste. E o primeiro indício disso foi eu ter acordado em uma cama de hospital, com um aparelho que, creio eu, serve para ajudar no processo de respiração.

Bem, pelo menos eu não estou morto, pensei, enquanto olhava para o teto, tentando focar a minha visão.

Eu tentei me levantar, porém minha cabeça latejou e meu corpo reclamou. Parecia que um trator havia passado por cima de mim. Umas dez vezes. E havia dado ré. Também umas dez vezes.

E a pergunta que não queria calar é: o que foi que aconteceu?

Antes que eu tentasse desvendar esse mistério, eu sinto mãos tentando me fazer deitar novamente e uma voz calma e doce se infiltra em minhas veias e artérias até atingir o meu coração. Deitei-me e olhei para a dona da voz, que me observava com os olhos cheios de lágrimas, cujas quais eu não sabia se eram de alívio ou decepção.

— Fique quietinho, eu vou chamar o médico. - ela disse, um tanto quanto distante, o que fez uma mão de gelo apertar o meu coração.

- Espere! - pedi fracamente. Minha voz estava estranha, parecia que haviam colocado um sapo em minha garganta. - O que aconteceu?

Elisa me encarou durante uns dois minutos sem emitir absolutamente nenhuma palavra. Ela pareceu ponderar sobre algo, talvez o que iria me dizer em resposta. E esse fato estava acabando comigo, porque Elisa não pondera as suas respostas quando sou eu quem faço as perguntas. Elisa sempre teve a língua afiada para as pessoas, ainda mais para mim.

Ela suspira e esfrega os olhos com as mãos.

Agora, reparando bem, eu percebi que ela estava com as feições cansadas, como se houvesse passado a noite em claro. As suas olheiras estavam profundas e os seus olhos pareciam opacos.

- Bem, você estava em coma. - com certeza a sua atual aparência não estava ajudando no seu bom humor, porque ela decide fazer uma piada muito sem graça.

- Ah, certo. - comecei a rir de forma nervosa. - Agora conte a verdade, sim?

- Eu não estou brincando, Fernando. - ela se aproximou da minha cama e olhou em meus olhos. - Você estava em coma.

Abri a boca ao compreender que ela não estava mesmo brincando. O choque me atravessou e minha respiração ficou pesada.

- Como... como assim, em coma? Por quanto tempo? - desandei a perguntar. - Que... ai, meu Deus! O que aconteceu?

- Você ficou em coma por dois anos, Fernando. Primeiro foi um coma alcoólico. - Elisa me olha com a dor transbordando em seus olhos. - Mas uma parte do seu cérebro falhou de verdade no processo, fazendo com que o coma, que normalmente duraria apenas até o álcool ser expelido do seu corpo, se arrastasse por dois anos.

Eu não falei nada. Era muita informação para absorver em apenas dez minutos. Eu fiquei em coma durante dois anos, isso quer dizer que...

Deus, eu perdi a minha casa! Perdi a casa que era dos meus pais, meu bem mais valioso.

Que agora deve ser de alguma família rica.

Senti quando as lágrimas molharam o meu rosto e olhei para Elisa.

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