10. As Pedras da Memória

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Recordou-se do terror que sentira ao ser puxada para dentro do lago escuro. Ali, segura dentro das Minas e em frente a uma fogueira que crepitava, o fato não parecia tão assustador quanto no momento em que ela o presenciara.

As faíscas da chama, que subiam sem parar e o delicioso cheiro de carneiro assado faziam Alariën se lembrar de Valfenda com muitas saudades. Se lhe fosse concedido um único desejo que pudesse ser realizado no exato momento, ela, sem hesitar, teria escolhido estar de volta a Valfenda, rodeada pelo riso e o canto dos elfos e do amor de sua família.

- De onde você veio, meu senhor? - perguntou a Thrain, que assim como ela, estivera fitando as chamas e trazendo à memória lembranças de tempos antigos que não mais voltariam. O rosto do rapaz assumia um aspecto triste, quase lamentoso, quando ficava assim tão pensativo.

Thrain fugiu de seus devaneios e sorriu ao olhá-la, com um brilho fantasmagórico no rosto banhado pela claridade do fogo.

- Venho de Erebor, princesa. Na Montanha Solitária. Creio que já ouviu falar de minha terra nos seus tantos livros e histórias.

Alariën mordeu o lábio pensativamente.

- Sim, já li algumas - respondeu ela. - Poucas, mas eram muito bonitas. Deve ser um lugar muito belo e agradável.

Thrain sorriu de um jeito que Alariën nunca o vira sorrir antes. Fez com que parecesse mais jovem do que realmente era.

- É muito belo. Nos salões mais profundos, há tanto ouro e pedras preciosas que poderia mergulhar nelas. Gostaria que pudesse conhecer minha casa algum dia.

- Eu adoraria visitá-lo algum dia. - sorriu ela.

- E você, princesa? De onde vêm e por que se aventurou até aqui?

Alariën ainda não lhe revelara nada sobre sua busca por Legolas. Tentou mudar de assunto rapidamente.

- Está ficando frio aqui, apesar do fogo. Por que não arrumamos os panos para dormir?

Thrain percebeu que a companheira não queria falar sobre o assunto, portanto não fez mais perguntas.

Após a breve conversa, os dois começaram a arrumar as poucas coisas que ainda possuíam - na verdade, que Thrain possuía. Ao ser puxada para o lago, o saco de viagem e o grande mapa de Alariën ficaram presos na sela de Ched. Os dois apagaram a fogueira, eliminando os vestígios que poderiam indicar que estiveram ali. Eles pararam naquele cômodo há poucas horas para descansar, e o local era escondido o suficiente para que o fogo não pudesse ser visto por olhos indesejados; embora ainda fosse perigoso, eles estavam muito cansados e quase congelando, então se permitiram esse pequeno luxo enquanto se reuniram em torno do calor para esticar as pernas e repousar antes de mais algumas horas de caminhada. Na hora de saírem, esqueceram-se momentaneamente de acender uma tocha antes de apagar a fogueira, e arrependeram-se assim que o fizeram: o lugar ficou escuro como breu. Não conseguiram ver um palmo à sua frente.

Também estivera assim quando eles entraram nas Minas, no dia anterior. Thrain dissera uma palavra élfica e as portas de entrada se abriram silenciosamente, revelando um mundo cheio de sombras e escuridão. Thrain conhecia cada rocha de Moria, mas ainda assim insistiu em prosseguir apenas com luz, e assim eles foram. Quando encontravam algum lugar "seguro", acendiam uma fogueira, descansavam e logo depois pegavam suas tochas e continuavam sua interminável marcha. No começo, Alariën se questionou onde Thrain conseguia arranjar tanta lenha para fogueira. Mas depois descobriu que o anão a conseguira perto do lago e colocara o máximo que pudera num saco enorme. Havia lenha para quase metade de uma semana.

Embora não soubessem quando era dia ou noite, Alariën sabia que o segundo dia nas Minas já estava quase chegando ao fim, mas a saída dali não parecia estar mais próxima. Thrain garantira que conhecia cada rocha de Moria, mas que o caminho era longo; ela só não imaginava que seria assim tão longo. Alariën lutava contra o desânimo que tentava envolvê-la, mas cada hora passada ali tornava a tarefa mais difícil. Aquele lugar era frio, abandonado e fazia com que ela sempre se sentisse observada. Suas provisões já haviam começado a escassear, considerando que ela se perdera antes mesmo de chegar a Moria. Thrain trazia consigo seu próprio alimento, mas Alariën não iria querer que demorassem tanto a ponto de gastarem muito; o anão ainda tinha sua própria jornada a seguir sem ela.

- Deixe-me ajudá-lo com o fogo - disse a elfa.

O anão aceitou a ajuda, e logo o fogo acendeu, permitindo que eles pudessem se encarar no cômodo silencioso. Alariën aliviou-se.

- Vamos andando.

Ambos pegaram as tochas e continuaram andando, ocasionalmente levantando as mãos para ver o que havia ao redor. Foi nessa hora que algo estranho aconteceu.

Alariën estava olhando para cima quando sentiu alguma coisa dura sob seus pés. Abaixou a tocha para observar o chão e viu umas pedrinhas transparentes muito pequenas. Eram no mínimo sete. Se ela não tivesse pisado em cima, não teria visto com ou sem luz. Pegou-as.

- O que é isso? - perguntou a Thrain. Mostrou as pedras para ele.

O anão arregalou os olhos. - Eu conheço essas pedras. São conhecidas como... AH!

Ele pegou as pedras e na mesma hora as soltou, produzindo um barulho quando elas atingiram o chão. Alariën olhou as mãos de Thrain e soltou um grito abafado. Elas estavam muito vermelhas e cobertas de bolhas.

- Esqueci-me dessa parte. Essas são conhecidas como "pedras da memória". Qualquer pessoa pode colocar alguma lembrança ou algo que está acontecendo e dar para outra pessoa, e então ela a verá. Mas quem guarda a memória escolhe quem vai recebê-la. Qualquer um que não for o escolhido tentar tocá-la acontece isso. - ele exibiu as mãos.

Alariën voltou a apanhar as pedrinhas. Seu coração batia com força.

- Elas não me queimam - disse tremendo. - São para mim?

Thrain estava estupefato.

- Precisamos verificar, não é?

- O que devo fazer? - disse Alariën tentando conter o tremor.

- Coloque todas as pedras numa mão só e feche-a com força.

Alariën obedeceu.

- E agora feche os olhos.

Ela fechou. Não demorou um segundo para uma sequência de imagens surgirem em sua cabeça. Elas passavam muito rápido, não era possível distinguir nada.

- Pare! - gritou Alariën. As figuras pararam de rodopiar e tomaram foco.

A elfa sufocou um grito e fez força para não abrir os olhos nem as mãos.

A primeira imagem mostrava Legolas sendo brutalmente arrastado por nada menos que cinco pares de mãos. Ela mal teve tempo de associar o que viu quando a imagem rodopiou novamente e outra surgiu. Legolas agora estava caído no chão, vomitando e arquejando enquanto os orcs se engasgavam de rir ao redor dele. Suas roupas estavam imundas e ele mesmo estava cheio de feridas e arranhões.

A imagem rodopiou... Agora a figura mostrava um orc dando-lhe um soco em cheio no estômago, deixando-o sem ar.

A imagem rodopiou... Legolas estava num estado ainda pior: sua boca sangrava e seu olho direito estava roxo. Ele estava acorrentado e andava penosamente, dois orcs de cada lado puxando-o e dando-lhe mais e mais socos.

Alariën não aguentava mais olhar tudo aquilo. As pedras já começavam a escorregar da sua mão...

Ela gritou. Antes que a última pedra caísse no chão, Alariën viu mais uma imagem em sua cabeça: Legolas preso a uma parede, sussurrando seu nome e clamando por ajuda.


A FILHA DE VALFENDA - Contos da Terra Média (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora