A FILHA DE VALFENDA - Contos da Terra Média (Livro 2)

37. Amargo como o passado

Thranduil

 O rei élfico estava deitado em sua cama, tarde da noite, quando sentiu algo dentro de si. Não sabia explicar o que era; era como um chamado, uma voz que penetrava sua cabeça e lhe dizia o que fazer. A princípio, ele pensou que fosse um mal estar, mas o chamado persistia, chegando ao ponto de ele se levantar, inquieto. Sem pensar muito, ele trocou de roupa, colocando uma mais adequada, e saiu para a noite silenciosa de Lórien. As estrelas pontilhavam o céu, a lua minguante um ponto isolado no azul. Thranduil não prestou atenção nisto, descendo a escada da casa-árvore e andando sem rumo; ou era o que ele pensava. Estava tão escuro lá embaixo, sem a luz das lamparinas, que o rei não sabia exatamente onde estava indo. Ou melhor, sendo levado. Ele sentia que algo estava o conduzindo a algum lugar, mas ainda não entendia completamente. Apenas deixou-se ser levado até onde fosse.

Após andar durante quase dez minutos, o rei viu acima de sua cabeça a claridade da luz, embora estivesse tão alta que era apenas um pontinho amarelado. A casa de Galadriel, pensou ele, e logo o pensamento foi substituído por a casa de Tauriel. Ele não sabia o que faria ali, mas estando tão perto, seu coração batia forte, como se ele estivesse destinado a fazer isso. Thranduil quis ignorar essa bobagem, mas era mais forte que ele. Talvez não fizesse mal visitar Tauriel por alguns minutos.

Chegando lá em cima, o rei estava ofegante. Aquelas escadas ainda iriam matar alguém. Ele bateu na porta baixinho, não querendo acordar os elfos dos outros quartos. A porta demorou para abrir, tanto que o rei já pensava em voltar quando Alariën apareceu, o cabelo bagunçado e um roupão que não cobria muito do corpo. Ela provavelmente pensou que era Galadriel àquela hora da noite, e seus olhos logo se arregalaram ao ver que era Thranduil. O rei virou a cabeça rápido, o rosto quente, enquanto a elfa aproveitou o momento para ajeitar a roupa.

- Pode entrar.

O rei obedeceu, olhando ao redor discretamente. Elwën, sua filha, estava sentada numa cadeira ao lado da cama de Tauriel, conversando com a mãe. Outra cadeira estava do lado da cama, provavelmente no lugar onde Alariën estivera sentada.

Ao vê-lo, Tauriel agarrou a mão de Elwën sem que o rei percebesse. Não sabia o que falar, nem o que sentir. Todos os sentimentos pareciam ser, de certa forma, errados. Ela não podia mostrar nada na frente de suas filhas, especialmente de Alariën. Por sorte, Elwën teve a esperteza de dizer:

- Mamãe, já está tarde - levantou-se. - Vou para meu quarto. Alariën, por que não vem comigo? Tem uma coisa que quero que façamos juntas.

- Claro - respondeu a irmã com incerteza. - Vamos.

Elwën deu um beijo na testa de Tauriel, pegou a mão de Alariën e as duas saíram do quarto, não antes de Alariën lançar um olhar na direção de Thranduil. Ela, porém, não disse nada e seguiu a irmã, fechando a porta assim que passou.

Agora que os dois estavam sozinhos, o rei parecia mais perdido que nunca. Tauriel achava que ele iria falar algo, por isso esperou pacientemente. Os dois apenas se encararam, mas demorou tanto que Tauriel se sentiu obrigada a dizer:

- Aconteceu algo?

Ela se sentou, os olhos agora exibiam um traço de preocupação. Olhos verdes, claros... perfeitos. Os olhos que ele conhecera e amara; que ainda amava.

- Na verdade, não - respondeu ele, desconcertado. Voltou a olhar ao redor, embora nada atraísse sua atenção, além da mulher deitada à sua frente.

- Sente-se aqui - Tauriel apontou para a cadeira que Elwën estivera ocupando. O rei fez o que ela pediu, ficando mais tenso a cada passo dado em direção a elfa. Não estivera tão perto dela desde que... desde que ela fora embora. Há 25 anos, Tauriel fora embora e nunca mais voltou para Mirkwood. Há 25 anos, ele não sentia o calor dela, o som de sua voz, a beleza arrebatadora. Nada além de cartas. Cartas que diziam minimamente o que acontecia com Elwën em Valfenda, mas apenas isso. Apenas uma obrigação porque ela era filha dele.