18. Há Esperança

202 12 2
                                    

Valfenda, duas semanas antes

- Os cavalos estarão prontos ao amanhecer, minha senhora. Deseja levar mais alguma coisa?

Tauriel ouviu a voz sussurrada da criada com um misto de apreensão e ânsia. Não sabia o que esperar do dia seguinte, e não acreditava que fosse ficar satisfeita com o que descobrisse. Seu coração estava pesado há mais de três dias, e apesar de Tauriel não saber por que, tinha certeza que estava relacionado à sua filha. Alariën.

Pensar nela doía de uma maneira que Tauriel não conseguia explicar; apenas sentia que devia encontrar a filha o mais rápido possível e ter certeza de que ela estava bem, que estava feliz. Ou apenas viva.

- Obrigada, Nëhi. Não, não precisarei de nada. Prefiro não carregar muito, pois não pretendo demorar na estrada. Quero estar no Palácio em menos de três dias.

Nëhi arregalou os olhos. - Mas, Senhora, como pretende chegar lá tão depressa? E ainda por cima com um batalhão de elfos?

Tauriel suspirou. - Mal teremos descanso. Sinto em meu coração que devo chegar até minha filha o mais depressa que puder. Por favor, apenas diga aos cavaleiros que descansem, pois a viagem será dura.

Nëhi apenas assentiu e deixou o quarto, Tauriel virou as costas e fitou a escuridão fora de sua janela. Havia um silêncio que pesava, e esse vazio se refletia em seu coração, que temia pela vida de Alariën, ainda que ela não soubesse explicar como sentia isso ou por qual motivo. Apenas sabia em seu íntimo que sua filha precisava dela, e Tauriel estava resoluta em fazer o que quer que fosse para estar perto da garota e protegê-la de todo mal.

Sabendo que precisava dormir, apesar de não sentir o mínimo sono, Tauriel fechou as janelas silenciosamente e deitou-se na cama, Elrond ao seu lado. O marido dormia a sono solto, sem ter a mínima ideia do que se passava na cabeça da esposa. Isto era tão frequente para Tauriel quanto respirar.

Desde seu casamento, Tauriel não admitia nem para si mesma que ainda nutria um sentimento de arrependimento e angústia em relação ao rei Thranduil. Casara-se com Elrond porque achava que o amava, mas o tempo apenas serviu para mostrar que ela estivera errada desde o primeiro momento. Thranduil era um pensamento constante, e mesmo após vinte e cinco anos, às vezes Tauriel se pegava imaginando como seria se ela ainda estivesse na Floresta das Trevas, casada com o rei e criando sua filha mais velha, Elwën.

Entretanto, Tauriel não era tão egoísta a ponto de desejar que nunca tivesse se casado com Elrond. Na verdade, esse pensamento a fazia se sentir horrível, pois se ela não tivesse conhecido Elrond, seus filhos Alariën, Elladar e Ainariël nunca teriam nascido. Ainda assim, apesar de não se arrepender, Tauriel não conseguia tirar da mente a esperança de que pudesse recomeçar sua vida.

Tauriel sacudiu a cabeça, como que para expulsar tais pensamentos. Não podia pensar nessas coisas, não agora. Em menos de uma semana ela estaria na presença do Rei Élfico, e não se atrevia a imaginar o que aconteceria caso ele percebesse que ela ainda sentia o mesmo após tanto tempo. Talvez ele já a tivesse esquecido. Talvez ele já tivesse outro alguém em seu coração. Imaginar que Thranduil poderia não mais gostar dela também doía.

Enquanto o sono não chegava, Tauriel encarava o teto à procura de algo que pudesse lhe distrair. Olhou ao redor e viu várias coisas que a faziam se lembrar de muitos momentos que já passara ali em Valfenda, e seu coração se apertou. Há poucos instantes estivera pensando em abandonar tudo isso por causa de um sentimento que nem mesmo tinha certeza se era recíproco.

Fechou os olhos e agradeceu mentalmente por ter adormecido pouco depois.

+

O amanhecer não melhorou o ânimo de Tauriel. O céu estava nublado quando ela levantou da cama, um tom cinzento que a fazia querer permanecer dentro de Valfenda durante o resto do dia, abraçada com os filhos na cama. No entanto, seus filhos não estavam com ela. Este fato fez com que ela voltasse à resolução de sempre e levantasse da cama automaticamente, sem nem saber o que estava fazendo. Colocou suas roupas de viagem numa grande mochila marrom, tirou do guarda roupa seu antigo uniforme de capitã dos guardas e atou sua adaga no cinto, e só quando terminou ela percebeu que não tinha ideia de como fizera tudo aquilo, apenas sentia como se seu corpo tivesse feito todo o trabalho enquanto sua mente ainda vagava em pensamentos obscuros que envolviam sua filha.

Elrond ainda dormia quando ela terminou de se arrumar, e Tauriel não quis acordá-lo. Não tinha coragem de encarar o marido, não depois de uma noite como aquela. Elrond não sabia que Tauriel partiria; ele achava que apenas seu exército seguiria rumo a Mirkwood, mas nem imaginava que sua esposa iria junto. Tauriel preferiu manter segredo, e apenas poucos elfos sabiam disso. Ela sabia que seria uma surpresa para todos quando a Senhora de Valfenda anunciasse sua partida, mas não queria que seu marido descobrisse até que ela já estivesse longe. Elrond era obsessivo em relação a proteger sua família, e Tauriel queria ao máximo evitar uma briga. Já estava por demais preocupada e angustiada com Alariën para querer novos problemas para lhe atormentar. Ainda assim, não pôde evitar fitar o marido antes de sair do quarto.

Na varanda, os cavaleiros faziam um rebuliço. Era uma surpresa que todos em Valfenda ainda estivessem dormindo, dado o barulho que os elfos faziam ao preparar os cavalos, conversando em altas vozes e rindo. Tauriel não conseguia imaginar como esses elfos conseguiam arranjar motivos para risada. Era com muito esforço que a Senhora de Valfenda segurava as lágrimas.

Nëhi, a criada que aparecera à noite passada, vinha na direção de Tauriel com sua mochila presa à sela do cavalo.

- Não pensei que fosse nos acompanhar, minha senhora - Tauriel surpreendeu-se.

A jovem deu de ombros. Ela tinha cerca de 26 anos, pouco mais velha que Elwën, e embora fosse tão nova, era uma das melhores amigas de Tauriel. Por ser sua criada, as duas passavam a maior parte do tempo juntas, o que facilitou a aproximação tantos anos antes, quando a elfa tinha acabado de casar com Elrond.

- Os elfos irão conosco para buscar Alariën, mas alguém precisará estar com a senhora. Não a deixarei sozinha dessa vez.

Tauriel se comoveu com as palavras da moça. As duas se abraçaram, e a Senhora pôs toda a força nesse abraço. Quando se separaram, um filete transparente descia pelo olho de Nëhi. Tauriel o enxugou, beijou-lhe a testa e virou-se. Seus cavaleiros esperavam sua ordem.

- Está na hora, amigos. Vamos. Não teremos muito tempo.


A FILHA DE VALFENDA - Contos da Terra Média (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora