19. A Noite Cai

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Moria - um dia após Alariën ser capturada pelos orcs

Thrain sentia como se seu corpo inteiro estivesse queimando, uma dor lancinante que subia pela perna e irradiava por todo o seu interior. A flecha orc já havia sido retirada, mas o veneno já havia se espalhado do momento que esta o atingira, provocando tonturas e um tormento que persistia. Thrain ainda não conseguia se recordar como conseguira rastejar da ponte de Khazad-dûm até a saída de Moria; só sabia que, por algum milagre, conseguira chegar vivo até o topo da escada que levava à saída, e consequentemente para fora daquele abismo negro.

Quando abriu a porta, sentiu a esperança se esvair tão rápido quanto água que cai pelas mãos. Conhecia aquele caminho, sabia o quão difícil seria escapar daquele lugar, mas estar cara a cara com esse destino fê-lo se sentir mais desesperado que nunca. Ele gastara toda sua força para chegar até a porta.

Sem ter condições de dar um passo sequer, Thrain simplesmente fechou a porta e ficou dentro de Moria, na mais completa escuridão. Antes de correr desabalado, Thrain vira de esguelha um círculo de orcs atrás de si que desaparecia nas sombras de Moria, sem que nenhum ficasse lá para verificar se ele estava de fato morto. Talvez tivessem pensado que ele sucumbira devido à tocha que ele deixou cair quando tombou. Assim sendo, nenhum orc ficara no caminho entre ele e a saída, e Thrain achava que os orcs não perderiam mais tempo garantindo que ele estivesse mesmo morto. Preferiu ficar na escuridão das minas do que a mercê de qualquer outra criatura que houvesse lá fora.

A ferida ainda doía insuportavelmente, e Thrain fazia força para não gritar. O único jeito para tentar sarar o ferimento era tratá-lo com folhas-do-rei, athelas. Mas Thrain havia deixado sua bolsa cair um pouco antes de chegar à ponte, e na pressa de correr dos orcs, não pudera voltar para pegar. No entanto, agora ele não tinha esperanças de conseguir encontrar algo lá fora. A terra era infértil, e não crescia nenhuma planta em menos de 300 metros de distância. Andar 300 metros à noite seria uma tarefa impossível, logo ele decidiu refazer seu caminho até a ponte, tão rápido quanto sua perna permitia. A cada passo seu corpo gritava para parar, mas a dor já começava a se espalhar e ele sabia que precisava se apressar. Cada segundo contava, e o veneno da flecha de um orc costumava ser rápido e fatal.

Thrain quase se jogou nos degraus da longa escada, e rastejou como uma serpente até chegar à estreita ponte de Khazad-dûm. Não se podia enxergar um palmo à frente, mas Thrain conhecia cada pedra daquele lugar, o que facilitou muito seu trajeto. Tateando pelo chão, Thrain pôs as mãos sobre uma pedrinha fria e congelou.

Não sabia se colocara as pedras da memória na bolsa, pois pelo que se recordava, elas estavam com Alariën. Talvez ela tivesse levado as outras e deixado aquela cair sem querer. Por um momento Thrain respirou aliviado sabendo que, em qualquer lugar que Alariën estivesse, ela teria provas para mostrar o que acontecera com Legolas. Ainda assim, ele resolveu pegar a pedrinha, se por algum milagre ele conseguisse sair dali vivo. No entanto, a pedra continuava não funcionando para ele, e quando a tocou ele sentiu a mão queimando e afastou depressa. Tateou um pouco mais pela bolsa e, pegando uma roupa, ele enrolou a pedrinha de forma que não fosse possível perdê-la e colocou de volta na mochila. Precisava sair dali o quanto antes.

De volta à escada, ele quase não conseguia respirar. No primeiro degrau sua visão ficou turva, e ele soube que não adiantaria fazer mais esforço: aquela subida seria sua morte. Continuou na base da escada, e dali preparou o máximo que conseguiu com poucos ingredientes. Ainda havia algumas folhas-do-rei dentro da mochila, mas nem de longe o suficiente para curá-lo. A quantidade que havia só o manteria vivo por algumas horas.

Thrain colocou as folhas numa pequena vasilha, que estava amassada devido à queda, derramou as últimas gotas de água que carregava em seu odre e misturou com as mãos trêmulas, o cheiro da planta imediatamente atingindo suas narinas. Quando a água já atingia uma coloração verde clara, Thrain jogou um pouco da água sobre o ferimento e logo sentiu uma dormência nas pernas, um alívio tão doce que ele quase desmaiou. Entretanto, Thrain se obrigou a continuar passando a água esverdeada por sobre a ferida, cada vez mais o entorpecimento ameaçava dominá-lo.

A FILHA DE VALFENDA - Contos da Terra Média (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora