"Reencontro."

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Ponto de vista do Sam.

Vi-a ir embora, na escada rolante para a zona de embarque. Quando deixei de a avistar foi como se o vento tivesse levado um pedaço de mim. E levou. 

Passado algum tempo de o seu voo ter descolado eu ouvi a chamada para o meu, e fui rumo a São Francisco, onde tinha os meus pais e amigos à espera no aeroporto. Os meus pais simplesmente para irem buscar-me, e os meus amigos para me darem os parabéns pela finalização do curso. Há muito tempo que eu não vinha para São Francisco sozinho. Ela vinha sempre comigo.

Cheguei a casa. O meu quarto parece-me meio vazio sem ela. Comecei a tirar as roupas das malas e colocá-las nos armários. Encontrei no meu guarda-roupa uma camisola dela. Peguei nela, e ainda tinha o seu cheiro. Desci as escadas.

"Mãe, como é que esta camisola foi parar ao meu guarda-roupa?" Perguntei mostrando a camisola.

"Foi da última vez que estiveram cá filho. A Joana deixou essa camisola caída debaixo da cama, depois encontrei-a e guardei-a para quando ela viesse cá de novo." 

Eu sorri. Ela não vai vir cá de novo.

"Obrigado, mãe."

"Mas porquê? Há algum problema?" 

"Não... não há problema nenhum..." Há um milhão deles e o maior é ela não estar comigo.

Subi de novo as escadas. Agradeci a todos os anjos por terem feito com que o destino me deixasse uma lembrança dela, e eu tenho a certeza que esta camisola vai fazer-me companhia durante muitas noites. 

A viagem deixou-me cansado. Deitei-me na cama com a camisola na mão. Ainda me lembro do dia em que ela a usou. Fomos passear até ao porto. Lembro-me que tentei andar na minha bicicleta de quando era criança, aqui no meu jardim, e caí. Ela estava sentada na relva debaixo daquela árvore, e riu-se tanto de mim... Já tenho tantas saudades do seu riso.

Inalei o aroma daquela camisola perdida. Fechei os olhos. Adormeci.

***

Já passou um mês desde que regressei a casa, e até agora ainda não consegui arranjar emprego. Eu sei que duas semanas não é assim tanto tempo, mas começo mesmo a sentir-me inútil. O meu pai diz que eu devia relaxar mais, e aproveitar o Verão com os meus amigos de cá, porque já não me divirto com eles há demasiado tempo, e depois, quando o outono chegar, então devo começar a preocupar-me a sério com empregos e responsabilidades.

Os meus pais não sabem disso, mas outra das minhas grandes vontades é sair de casa deles. Porque... sei lá, já não estou habituado a ter este controlo todo. Estou demasiado habituado à minha liberdade para ficar a viver com eles durante muito tempo. É ótimo ter os miminhos da mãe o tempo inteiro, e ter o pai para pedir uma nota antes de ir sair à noite, mas não é isso que eu quero para mim. Quero ser dono e senhor da minha própria vida.

Acho que o meu pai é capaz de já estar à espera disso. Ele sabe como eu sempre fui demasiado independente, mesmo quando ainda era uma criancinha. Como sempre fui obstinado e como sempre tive alguma coisa contra regras e limites. Desde pequeno que para mim as regras existem unicamente para serem quebradas... porque, sejamos honestos, se ninguém quebrasse as regras elas seriam inúteis. E eu sempre tive aquela curiosidade em saber o que está para além dos limites que me são impostos. Mesmo no tempo em que estive com a Jo, as pessoas podiam pensar que eu tinha acalmado e que tudo estava nos eixos. Mas não estava, antes pelo contrário. Acho que ela nunca teve muito bem a noção que nós quebrámos continuamente uma regra durante quase três anos. Sim, porque todo o tempo que eu vivi com ela naquele dormitório nós estivemos a quebrar uma das regras mais importantes da universidade: a regra do respeito pela habitação. A regra que diz que devemos permanecer no dormitório que nos foi confiado, e que não deveremos deixar terceiros permanecer ou pernoitar no nosso dormitório. Se bem que eu acho que toda a gente naquele campus desrespeitou essa regra umas quantas vezes. 

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