Capítulo 17

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Conforme nos afastávamos do cemitério eu ia ficando melhor, como se estivesse carregando um grande peso e de repente ele fosse tirado de mim. Pietro segurava minha mão com firmeza, me dando apoio, e eu me sentia agradecida a ele por isso. Nunca fui o tipo de garota que rapara nos bens materiais que um garoto tem, mas quando me aproximei do Aston Martin foi como se minha mente voltasse a ficar clara, até me permiti um pequeno surto interno. Eu não podia evitar ficar um pouco, ou muito, empolgada por poder andar pela primeira vez no carro dos meus sonhos.
Poderia parecer idiota, mas levando em conta as últimas vinte e quatro horas, ficar animada por andar em um carro parecia uma coisa quase normal. Olhei para o lado e encontrei Pietro me observando com uma expressão divertida, um sorriso começava a se formar em seus lábios.
-O que foi? - perguntei.
-Você gosta de carros? - perguntou contendo o sorriso.
Eu não sabia qual era minha expressão, mas eu devia estar olhando para o carro como uma pateta para ele ter notado. Fiquei um tanto sem graça enquanto desviava o olhar.
-Bem, não posso dizer que entendo sobre eles, mas sim, eu gosto. - falei. - Além disso, ter um carro desse está na minha lista de objetivos.
-Parece meio irônico sermos amigos e eu ter o carro dos seus sonhos. - falou.
Dei de ombros.
-Cansei de tentar entender o senso de humor do universo.
Ele chacoalhou a cabeça sorrindo e abriu a porta do carro para mim. Mesmo um pouco melhor ainda sentia minha cabeça pesada e uma dor irritante causava pontadas na minha têmpora, minhas pernas bambearam por um momento, mas me apoiei na porta do carro.
-Safira? - chamou Pietro.
-Eu to bem. - falei vendo seu olhar preocupado.
Deslizei para dentro do carro e me senti feliz por finalmente sentar, minhas pernas pareciam que iam ceder a qualquer momento. O banco de couro era confortável e pude relaxar nele, o cheiro de carro novo e o do perfume de Pietro prevaleciam no ar, formando uma combinação única que ajudou com que minha mente se acalmasse. Enquanto Pietro dava a volta no carro me permiti olhar para fora uma última vez, nas sombras das árvores alguém nos observava, podia ser apenas coisa da minha cabeça, mas eu não estava nem um pouco animada para descobrir. Fechei meus olhos e recostei minha cabeça no encosto do banco, a última coisa que eu queria pensar no momento era um estranho assustador e perseguidor.
Senti Pietro se sentando ao meu lado e ligando o carro, logo o motor rugiu como uma pantera e começamos a deslizar pelas ruas, eu mal notava o movimento, o que apenas fez com que eu gostasse ainda mais do carro. O frio do ar condicionado me fez bem, o ronco suave do motor me dava até mesmo um pouco de sono, o que era até normal quando minha pressão caia. Essas quedas estavam mais frequentes do que eu gostaria, a última vez tinha sido a um mês atrás e eu teria me quebrado na escada do colégio se Anthony não estivesse comigo, meu percurso até o fim dela não teria sido nem um pouco agradável.
-Se sente melhor? - perguntou Pietro.
-Sim, o ar frio também está me fazendo bem.
-Então... - começou ele quando abri meus olhos a tempo de vê-lo virando uma esquina. - Você conhecia aquele cara? O que estava te encarando lá no cemitério?
Senti meu coração falhar e comecei a suar frio apenas com a menção daquele homem estranho. Engoli em seco, eu não precisava falar de nada estranho do que tinha acontecido, ou que eu achava que tinha acontecido.
-Conhecer eu não conheço. - falei, o que não era mentira. - Mas ele me parece familiar.
-Algum ex da Tâmara? - perguntou me olhando de canto de olho sem perder o foco da estrada.
Chacoalhei a cabeça.
-É até engraçado falar isso, mas ela não ficava com garotos loiros.
Ele ficou em silêncio por um tempo, só depois notei que era porque estava sorrindo.
-Interessante isso. - falou e depois olhou para mim. - Eu só perguntei porque ele parecia conhecer você e depois que eu falei sobre ele você ficou estranha.
Cruzei os meus dedos, um gesto típico de quando fico nervosa com alguma coisa.
-É que... Ele era meio estranho. - soltei. - E a forma como estava me olhando me dava calafrios.
-Considerando tudo que você passou desde que chegou na cidade, estar assustada é algo normal.
Ficamos em silêncio depois disso, eu olhando pela janela e Pietro concentrado em chegar em... Seja lá onde fosse que ele estava me levando. Quando finalmente paramos foi em frente a um café que eu nunca tinha visto, acho que devia ter sido aberto enquanto eu estava fora.
-Você espera aqui? - perguntou ele abrindo a porta. - Vou buscar alguma coisa para comermos e já volto.
-Mas não era aqui que íamos ficar? - perguntei confusa.
-Apenas uma parada, quero te levar a um lugar.
-Ahn... Okay.
Fiquei olhando enquanto ele fechava a porta e atravessava a rua entrando no café. Eu nem tinha reparado que o som do carro estava ligado, ele devia ter mexido quando eu estava de olhos fechados. Uma música baixa e familiar tocava, aumentei um pouco o volume e logo os suaves acordes de piano de L'amore de Sonohra preenchiam o vazio do carro. Fechei meus olhos encostando a cabeça no vidro frio, me deixando embalar pelo som.
Só fui voltar a mim quando Pietro abriu a porta e um delicioso cheiro de chocolate e café invadiu meu nariz. Ele segurava uma caixa pequena com o emblema do café, ela era bege e grande o suficiente para ter uma boa refeição.
-Não sabia bem o que comprar, - falou sem graça colocando a caixa no banco de trás. - então peguei de tudo um pouco, gosta de café com leite?
-Não vivo sem.
Sorri divertida, era um comportamento até fofo o dele. Apenas por sua beleza ele atraia um monte de garotas, se agisse assim com todas eu não iria ficar admirada em ver uma enorme fila disputando por sua atenção. Parecendo satisfeito com minha resposta ele ligou o carro e partiu em direção a uma rua conhecida, era o caminho que geralmente tomávamos para ficar perto do lago.
-Parece que gostou da música que indiquei. - comentei.
Ele franziu a testa confuso por um momento e logo em seguida notou a música um pouco mais alta.
-Não consegui tirar aqueles acordes da cabeça, fui procurar e realmente, - falou com um pouco de admiração. - os caras tem umas músicas bem legais.
-Sei bem as músicas que escuto.
Não demorou para chegarmos ao lago, estava um dia calmo e não tinha muitas pessoas andando por ali. O lago não era muito grande, mas com toda certeza era o mais bonito e limpo de toda a cidade, havia passarelas de madeira e pedra, alguns bancos espalhados aqui e ali que davam para uma bela vista, as árvores altas, e até mesmo as mais baixas, estavam repletas de flores que eram levadas pelo vento. Era um lugar espetacular, fazia muito tempo que eu não vinha aqui. Pietro parou o carro numa vaga na sombra e desceu para abrir a porta para mim, o que me deixou bem impressionada, ele era o segundo garoto que fazia isso para mim, seria coisa de italiano?
Quando eu já estava do lado de fora absorvendo a brisa fresca escutei ele fechando o carro e caminhar até mim segurando a caixa.
-Para onde vamos agora? - perguntei.
Ele abriu um pequeno sorriso torto.
-Para um lugar onde gosto de ir quando quero pensar.
Seguimos por uma trilha secundaria que parecia bem pouco usada e começamos a caminhar no limite do bosque, as árvores pareciam um pouco mais densas ali e eu já não podia mais ver o lugar onde tínhamos deixado o carro. Demorou uns dez minutos e quando eu achei que teríamos que entrar bosque a dentro um enorme gramado se abriu a nossa frente, não chegava a ser uma campina e muito menos um penhasco, era apenas um belíssimos campo aberto que tinha uma vista magnifica. Estávamos longe o bastante para não sermos incomodados e perto o suficiente para ver as pessoas caminhando pelas passarelas, até mesmo para escutar suas conversas.
O lago cintilava grande e magnifico a nossa frente dando um ar quase surreal ao lugar.
-Este lugar é... Incrível. - falei deslumbrada.
-Minha irmã me fez vir aqui uma vez com ela e Stefan, eu não queria sair de casa, mas ela conseguiu me tirar mesmo assim. - falou tirando o paletó, a gravata e abrindo os primeiros botões da camisa. - Eu me separei deles no meio do passeio e fiquei andando sem rumo até achar esse lugar, desde então venho aqui sempre.
-Eu entendo o porquê. - falei olhando em volta.
Ele colocou o paletó e a gravata encima de uma pedra, sentou no chão e colocou a caixa ao seu lado fazendo um gesto para que eu me sentasse também. Sentei em uma posição confortável e comportada o suficiente para que o vestido não subisse, esse era um dos muitos motivos para eu amar calças, elas eram confortáveis o tempo todo e você não precisava ficar tomando tanto cuidado como com vestidos. Pietro abriu a caixa fazendo com que ela formasse uma mesa improvisada e começou a espalhar nossa refeição, que ia desde Baguetes de dar água na boca até pedaços de torta de chocolate.
-Eu estava me perguntando... - comecei o observando.
-Sim?
-Foi estranho para você estar lá hoje? - perguntei meio hesitante. - Digo, ir a uma enterro depois que...
Ele terminou de arrumar as coisas e se ajeitou olhando para mim com a cabeça tombada de lado, eu não sabia bem como ele reagiria a pergunta, até porque eu não tinha convivido com muitos pessoas que tinham perdido os pais, com exceção da minha mãe.
-Está me perguntando se foi estranho estar em um enterro de novo depois de ter perdido três entes queridos?
Fechei meus olhos e soltei um gemido.
-Colocando assim a pergunta sai ainda pior do que eu queria.
Para minha total surpresa ele riu, abri meus olhos e o encarei curiosa. Pietro estava sentado de forma relaxada, reclinado para trás deixando o sol banhar seu rosto e comendo um pedaço de Baguete.
-Não precisa ficar com medo de me ofender ou algo assim, Safira.
-É só que... Esse é um assunto delicado, - falei sem graça pegando um copo de café com leite. - não tinha certeza da forma como você ia reagir.
Ele pegou o outro copo de café e olhou para ele como se contivesse toda a sabedoria do universo.
-Não, não foi estranho estar lá. - falou simplesmente. - Na verdade me fez lembrar de uma coisa, ou melhor, alguém.
-Sua mãe?
-Não. - falou tomando um longo gole de seu café. - Minha melhor amiga.
-Ah. - eu não sabia bem o que dizer com essa revelação. - Então foi por isso que disse aquilo para Bia?
Ele assentiu parecendo distraído.
-Eu entendo a dor dela, perder alguém que você considera parte de si mesmo é como morrer.
Olhei para o rio tentando imaginar como seria minha vida sem Marisol, Alessandra ou Dimitri, sabendo que eu nunca mais poderia vê-los outra vez. A resposta era mais que clara, era algo tão doloroso de se imaginar que eu nem sequer conseguia continuar o pensamento.
-Posso imaginar.
Ficamos em silêncio por um tempo apenas tomando nossos cafés, talvez eu devesse me dar um soco mental ou me jogar dentro do lago por ser tão idiota, o garoto me leva para um lugar lindo daquele para fazermos um piquenique e nos distrair e eu acabo entrando justamente no assunto do qual estávamos fugindo. Meus parabéns, Safira, ganhou o prêmio de idiota do ano. Se Tess estivesse aqui para ver esse momento ela própria me jogaria no lago.
-O nome dela era Anabelle. - falou Pietro me despertando dos meus pensamentos, ele olhava para o lago, a mente perdida em lembranças. - Nossas mães eram amigas desde a infância, só que como a mãe dela foi estudar fora só nos conhecemos quando já erámos mais velhos. O pai era ingles e a mãe italiana, então ela meio que se dividia entre as duas origens. Ela era uma artista incrível, pintava quadros que encantavam qualquer pessoa, alguns dos que você viu lá em casa são dela.
Lembrei de uma assinatura delicada e elegante no canto de uma das telas que eu tinha achado mais bonitas, um esplendoroso jardim com uma vista do pôr-do-sol.
-Ela tinha ido fazer um curso em Veneza então minha mãe ofereceu para que ela ficasse na nossa casa, por termos um gosto em comum pela arte ficamos muito amigos, pra dizer a verdade minha amizade com ela era como a sua e a de Dimitri. - ele sorriu e eu não pude deixar de acompanhar. - Ela gostava muito de me irritar e era a melhor em dar sermões, ela detestava meu irmão mais velho, adorava diminui-lo e ele de provoca-la, no fundo eu acho que ele tinha uma queda por ela. Eles podiam fingir para todos, mas no fundo eles gostavam um do outro.
-Você tem um irmão? - perguntei surpresa.
-Tenho. - falou com uma expressão um pouco séria. - Ele é mais velho que Evelyn e eu, mas nós dois não nos damos bem. Frederic mudou muito depois da morte de Anabelle, acho que ele me culpa pela morte dela.
-Como ele pode culpa-lo? - perguntei soando indignada.
-Todos os finais de semana ela e eu saiamos a cavalo nas terras do meu pai, mas em um desses dias eu não pude ir. Meu pai estava um pouco doente e pediu para que eu fosse buscar uns papeis para ele no escritório, então eu desmarquei com ela. Mesmo sem mim ela foi e quando cheguei em casa minha irmã estava desesperada falando que não sabia onde Anabelle estava, Stefan e eu fomos procurar por ela e quase fomos atacados por uns bandidos no caminho. - ele fez uma pausa e estreitou os olhos para o lago. - A encontramos a meio caminho de uma vila onde gostávamos de ir, os homens que passaram por nós a tinham pego pouco tempo antes de chegarmos, ela estava consciente quando chegamos, mas não deu tempo para chamar ajuda.
Senti o café girar na minha barriga, eu não sabia o que pensar e muito menos falar, aquela história toda era... Terrível. Não dava para imaginar quanto sofrimento ele devia ter passado, não me admirava ele ser tão fechado para todos, não é muito fácil uma pessoa se recuperar depois de uma perda dessas. O flash de uma lembrança voltou a minha mente e o encarei.
-Então foi por isso que você parecia tão pálido quando me levou para dentro do bar. - falei. - Não foi apenas pelo medo de sangue.
-Eu me lembrei dela. - falou assentindo. - Eu já tinha passado por aquilo e não achei que você devia passar também.
-Nem tudo na vida pode ser evitado, por mais que a gente queira. - falei já sem muita fome.
Ficamos em silêncio apenas escutando o barulho do lago e das pessoas que passavam ali perto. Se a intenção era melhorar o clima, esse assunto não tinha ajudado em nada, pelo contrário, parecia ter piorado ainda mais.
-Viemos aqui para nos distrair. - falou como se lesse meus pensamentos.
-E eu estraguei tudo. - falei colocando meu copo de café de lado.
Pietro pensou um pouco.
-Na verdade não, é bom ter alguém com quem conversar.
-Sério que não mandei nosso passeio legal por água baixo? - perguntei desconfiada.
Ele coçou a cabeça ponderando.
-Bom, admito que parte dele sim, mas... - um sorriso se formou em seus lábios. - Você é a primeira pessoa que trago aqui, então me recuso a levar você embora sem que aproveite nem que seja um pouco.
A vontade de me bater apenas aumentou enquanto um sorriso involuntário de espalhava por meu rosto.
-O que você tem em mente? - perguntei entrando na onda.
Ele se levantou e olhou para mim de forma desafiadora, um sorriso travesso que eu nunca tinha visto antes brincou em seus lábios.
-O que acha de uma trilha?

*****

Nota da autora:

Oi pessoal, como promentido, assim que o livro chegasse a 2k eu postaria um cap em comemoração e... Aqui estamos!
🎉🎊🎉🎊🎊🎉🎉🎉
Nem posso acreditar que já chegamos até aqui. Muito obrigado pelos votos, pelas vizus e pelos comentarios... Devo isso a vocês.
Bem, mais caps estão sendo feitos com todo carinho e logo logo vocês vão se fartar de romance e misterio kkkkkk.
Bem, era isso, até breve pessoal

Espero que gostem.

Boa Leitura!

Meu Último Suspiro - O início - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora