O período de aulas estava quase terminando e eu basicamente já tinha esquecido todo aquele assunto da carta, pelo menos em parte. Sra.Mariot, a professora de história falava sobre a Primeira Guerra Mundial enquanto eu rabiscava um desenho qualquer em meu caderno, eu devia estar prestando atenção, mas minha mente estava fora de orbita demais para isso. Continuei olhando para o meu desenho, mas dessa vez de testa franzida. Ao invés de desenhar a garota que eu geralmente desenhava, desta vez eu havia retratado o garoto do meu último sonho e mais uma vez, apenas olhando a sua imagem, alguma lembrança cutucava o fundo da minha mente, como se ele me lembrasse alguém, mas eu não conseguisse lembrar quem.
Eu não sabia se era a firmeza em seu olhar, a intensidade como ela parecia encarar uma pessoa ou alguma coisa, ou a curva um tanto sarcástica que se desenhava em seus lábios quando ele quase sorria.
-Srta.Delacur? - chamou a Sra.Mariot.
Levantei minha cabeça com tudo e me xinguei mentalmente ao notar que não era a primeira vez que ela me chamava.
-Sim?
Sara Mariot era uma loira baixinha e robusta, seus cabelos cacheados eram tirados do rosto por uma tiara que se assemelhava ao azul dos seus olhos. Sua pele branca estava começando a ficar um pouco vermelha, sinal de que ela estava estressada, assim como seus lábios finos que estavam em linha reta. Ela tinha escolhido um vestido florido hoje e acho que era a coisa mais colorida que eu já a tinha visto usar. Ela era uma mulher de beleza própria e uma inteligência admirável e, se posso dizer, adorava fazer os alunos passarem vergonha. Eu já tinha estudado por um ano com ela e a xinguei mais de uma vez enquanto fazia algum trabalho ou prova. Ela tinha todo aquele ar debochado, como se achasse que fossemos criaturas estupidas e adorava a oportunidade de mostrar o quanto nós, os adolescentes da era moderna, como ela gostava de chamar, passávamos tanto tempo na internet que a única coisa histórica em nossas mentes era a lembrança da última vez que tínhamos pegado um livro.
-Já que está tão ocupada com sua aula de arte particular, achei que gostaria de saber que seu par no trabalho que acabei de passar é o Sr.Montanagri. - falou estreitando os olhos para mim com um sorrisinho maldoso.
Droga! Eu não fazia a mínima ideia de que trabalho ela estava falando e sabia que estava anotado no quadro, mas pelo olhar dela eu sabia que estava apenas esperando um deslize meu para me fazer passar ainda mais vergonha, como um olhar para o quadro ou perguntar do que ela estava falando.
-Obrigada por me avisar, Sra.Mariot. - foi o que respondi.
Ela estreitou mais os olhos para mim e voltou a separar os outros alunos em dupla. Olhei para o outro lado da sala onde Pietro sentava e o encontrei olhando para mim com uma expressão divertida, mordendo o lábio para conter o sorriso. Fiz uma careta para ele que apenas chacoalhou a cabeça e bateu a caneta no caderno, me pedindo para mostrar o que estava desenhando. Levantei o caderno e mais de um rosto curioso se virou para olhar para a folha. Ele estreitou os olhos e pareceu intrigado por um momento, como se estivesse lembrando de alguma coisa, depois sorriu e fez uma expressão de satisfação. Abaixei meu caderno novamente e sentindo os olhos da professora queimando sobre mim, comecei a anotar o que ela tinha passado no quadro o mais rápido que minha mão permitia.
A professora passou a próxima meia hora explicando como queria que fizéssemos nosso trabalho e dessa vez fiz questão de prestar atenção em cada palavra. Quando eu ficava perdida demais em meus pensamentos, geralmente Marisol ou Alexandra me cutucavam e me traziam de volta a realidade, mas como eu não tinha aquela aula com nenhuma das duas, as coisas se tornavam um pouquinho mais complicadas. Assim que a aula terminou, comecei a guardar minhas coisas me sentindo um pouco cansada e ao mesmo tempo nervosa. Em parte poderia ser pelo trabalho, mesmo que Pietro e eu tivéssemos concordado em ter uma quase relação, eu ainda me sentia meio nervosa com tudo isso. A outra parte era porque eu tinha resolvido levar meu formulário até a floricultura e estava ansiosa, o único emprego na minha vida tinha sido ajudando minha tia e eu nunca tinha passado por uma entrevista realmente.
-Pensando em qual o próximo desenho que vai fazer? - perguntou Pietro.
Ele estava encostado na mesa vazia ao lado da minha e me observava com a expressão divertida. Eu tinha que dar uma buzina ou sininhos para saber quando ele estava chegando, porque meu Deus, ele se movia como um fantasma.
-Não tem graça. - resmunguei.
-Isso porque você não viu sua expressão quando a professora chamou seu nome.
Revirei meus olhos e fiquei de pé pegando a minha bolsa.
-Não tenho culpa se desenhar era um pouco mais interessante que a aula. - falei baixo.
A professora estava falando com alguns alunos, provavelmente tirando dúvidas e eu não queria correr o risco dela ouvir.
-Artistas geralmente são um pouco dispersos, ainda mais quando alguma coisa se torna monótona. - falou.
Olhei para seu sorriso meio nostálgico e lembrei de algo que ele tinha me contado.
-Está falando isso por causa de Anabelle? - perguntei.
Ele olhou para mim surpreso, como se admirasse eu lembrar o nome dela.
-Sim. - respondeu. - Ela era a pessoa mais dispersa e inquieta que eu já tinha visto, pelo menos até conhecer você.
-Tess fala que é porque sou geminiana. - falei e começamos a sair da sala.
-Quem é Tess? - perguntou. - Posso não conhecer todos, mas acho que nunca ouvi esse nome na roda dos seus amigos.
-Ahn.. É que ela não é daqui. - falei e viramos no corredor. - É uma das amigas que fiz pela internet.
-E isso não é perigoso? - perguntou com a sobrancelha arqueada. - Ter amigos pela internet?
Eu ri segurando a minha bolsa.
-Também pensei isso no começo, já que ela foi uma das primeiras, mas a não ser que você deixe ela sem chocolates, Teresa não se torna uma serial killer. - falei sorrindo e sentindo um pouco de saudade de falar com as meninas. - Tínhamos marcado de nos conhecer em uma viagem que faríamos para casa de uma amiga, mas como vim para cá, eu não pude ir.
-E pra onde vocês iam?
-Suíça.
Ele parou para pensar um pouco e sorriu.
-Com tudo que você me falou, acho que faz um pouco de sentido.
Nós dois começamos a rir e nem me senti mais incomodada pelos olhares curiosos ao redor.
-Então, como o trabalho é para semana que vem... Que dia você quer começar?
-Ahn.. Que tal hoje? - perguntei. - Podemos já separar as partes que cada um vai pesquisar e esquematizar como o trabalho vai ser.
-Por mim está ótimo. - falou. - Que horas?
-Pode ser lá pelas sete?
-É um bom horário. Nos vemos as sente então.
Ele deu um beijo próximo a minha boca e senti meu corpo todo ficar estático. Depois do que tinha acontecido sábado, eu esperava que as coisas ficassem um pouco estranhas entre nós, mas por incrível que pareça, não tinha ficado nem um clima constrangedor, pelo contrário, parecíamos ter ficado ainda mais à vontade na presença um do outro.
-Não se preocupe. - sussurrou perto do meu ouvido. - Mesmo que eu queira te beijar, não vou fazer isso com a plateia logo ali esperando por isso.
Dei um empurrão em seu peito sentindo meu rosto pegar fogo, o sorriso em seus lábios não escondendo o quanto se divertiu com a minha reação.
-Nos vemos a noite. - falei.
-Até lá.
Me dando uma piscadela, ela sumiu pelo corredor enquanto eu lutava para fazer meu rosto voltar ao normal. Eu podia sentir os olhares sobre mim, mas estava pouco me lixando para o que estavam pensando enquanto um sorriso idiota teimava em se manter em meus lábios.
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Meu Último Suspiro - O início - Livro 1
General FictionDepois de passar um ano na Itália esfriando a cabeça e vivendo seu sonho de viajar para o país que sempre quis conhecer, Safira Delacur sente que finalmente é hora de voltar para casa. Mesmo atormentada por sonhos estranhos e um forte pressentimento...