Capítulo 34

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As folhas caiam lentamente em minha direção, quase como se elas próprias estivessem aproveitando a brisa fresca e deliciosa daquele dia de outono. O chão onde eu estava deitada era amaciado por folhas antigas e úmidas, mas isso não me incomodava, era tão bom e tranquilo que eu poderia até mesmo dormir ali. O frescor da terra e o cheiro da mata formavam um mistura inebriante, de modo que eu não queria sair dali tão cedo. Tudo poderia ser perfeito, se não fosse um barulho de algo grande sendo arrastado, o baixo clamor de uma voz chorosa e o cheiro metálico de sangue que começa a encobrir qualquer outro que a natureza poderia fornecer.

Tapei meus ouvidos para ver se abafava o som, mas isso apenas pareceu deixa-lo mais alto. Era como se um grito silencioso irrompesse dentro da minha cabeça. Angustiada com aquele som, impulsionei meu corpo para cima e me sentei, olhando em volta e procurando a origem daquele som. Não muito longe de mim, através de galhas secas e árvores menores caídas, vi uma trilha do que parecia sangue, embora o liquido fosse escuro demais para que eu pudesse afirmar olhando daquela distância. Me levantei e, abanando as folhas do meu vestido claro, comecei a caminhar em direção a pequena trilha sentindo a terra umedecer meus pés descalços.

Assim que me aproximei de onde a trilha ainda era pequena, pude comprovar que o liquido era sim, sangue, embora fosse mais escuro que qualquer um que eu já tivesse visto. Escutei o barulho de algo pesado sendo arrastado novamente e, quando levantei o olhar, vi uma cena que me deixou espantada. A apenas alguns metros de mim havia um homem, seus cabelos eram de um loiro dourado e iam até a altura dos ombros. Vestia apenas uma calça branca e seus pés estavam descalços e sujos do mesmo liquido escuro que eu achava ser sangue. Seus ombros eram largos, seus braços musculosos e, como estava com o peito nu, eu podia ver diversas marcas de cicatrizes. Eu não conseguia ver muito bem de longe, mas podia dizer que ele tinha olhos claros. Ele seria um homem normal até ai, se não fosse pelas grandes e belas asas brancas que saiam de suas omoplatas e se arrastavam no chão como se fossem um peso grande demais para ser carregado. As penas eram tão claras que chegavam a brilhar, mas sua beleza se apagava ao chegar nas pontas, que eram tingidas de vermelho e deixavam uma trilha de sangue por onde passava. Elas estavam feridas.

Uma aura dourada brilhava em volta do homem e, embora eu soubesse que devia sentir medo, não sentia nem um pouco.

-Você está bem? - perguntei antes que pudesse me dar conta do que estava fazendo.

O homem parou onde estava e soltou um som baixo e crepitante, que só depois fui perceber que era sua risada.

-Ninguém nunca está bem, garota. - respondeu com uma voz muito suave. - Mesmo quando afirmam estar.

-O que aconteceu com suas asas?

Seu corpo estremeceu e as asas mexeram com um pouco de dificuldade, mas não saíram do lugar.

-Aconteceu o que acontece quando alguém falha em seu trabalho. - respondeu. - Eu tinha uma missão e não fui capaz de cumpri-la, muitos morreram por isso quando eu podia ter evitado que tudo isso acontecesse.

-E porque você não cumpriu sua missão? - perguntei me aproximando mais um pouco.

Vi o esboço de um sorriso aparecer em seu rosto, embora suas feições fossem desfocadas para eu ter certeza do que era. Eu tinha tentado reparar em seus olhos, mas eles não passavam de relances azulados. Olhar para seu rosto era como tentar enxergar um holograma danificado.

-Quando a guerra acontece, decisões difíceis precisam ser tomadas, crianças. - falou. - Você precisa escolher lados e as vezes tomar decisões que nem sempre agradam a todos, mas que são necessárias e você sabe que ninguém mais as tomaria. No jogo da vida e da morte, não existe certo ou errado, apenas o que você quer e o que deve fazer. O resto é consequência. Eu estou lindo com a minha.

Meu Último Suspiro - O início - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora