Consegui chegar no começo da terceira aula e peguei um lugar bem no fundo, não estava no clima de conversar com ninguém naquele momento. A Sra.Jhones explicava algo sobre a teoria de Lamarck, mas não me importei em prestar atenção. Dimitri, que estava sentado a apenas duas carteiras de distância de mim, encontrou meu olhar assim que me sentei, seu rosto estava neutro e apenas uma de suas típicas caretas me indicava que ele estava preocupado, ou pelo menos curioso sobre o que estava acontecendo. Abri um sorriso fraco para ele e chacoalhei a cabeça, deixando claro que as coisas não estavam bem.
Passei as próximas horas vagando de uma sala para a outra, tentando o máximo possível focar minha mente nas explicações dos professores, o que não foi uma tarefa muito difícil, ainda mais na aula de história que o professor parecia mais do que disposto em nos manter ocupados. Na hora do almoço minha cabeça parecia abrigar um grande gongo, cada conversa ao meu redor parecia ressoar na minha mente, piorando ainda mais a dor de cabeça que eu estava sentindo.
Peguei minhas coisas no armário e subi as escadas rumo a sala de artes. A essa hora a lanchonete estaria caótica e com minha dor de cabeça do jeito que estava, lá não seria o melhor lugar para que eu ficasse no momento. Cheguei ao segundo andar e antes mesmo que saísse do último degrau escutei duas pessoas discutindo, pelas vozes parecia ser um casal e, mesmo que eu não pudesse escutar com precisão sobre o que falavam, podia dizer que não era sobre coisas nada tranquilas.
-Porque você tem que agir desse jeito comigo? - perguntou uma voz feminina enjoativa.
Demorei um pouco para processar de quem era, mas logo a reconheci, acharia difícil outra garota ter a voz tão irritante. Olhei pelo corredor e apenas confirmei o que já sabia. Vitória estava parada quase no fim do corredor, os cabelos loiros presos em um alto rabo de cavalo deixavam fios caindo em sua nuca, o jeans azul claro estava agarrado a suas pernas torneadas e uma blusa vermelha um pouco decotada fazia o trabalho de destacar sua pele clara. Vestida para impressionar como sempre.
-Porque já falei um milhão de vezes que não quero nada com você e parece que ainda não entendeu. - respondeu uma voz masculina.
Essa eu não precisei de tempo nenhum para reconhecer, era tão familiar para mim quanto qualquer som que eu estava acostumada a ouvir. Senti meu estômago se revirar e um frio estranho se espalhar por meu peito enquanto olhava a pessoa com quem Vitória conversava. Eles estavam bem próximos um do outro, em um espaço que eu poderia considerar até íntimo, os olhos de Vitória brilhavam desafiadores enquanto ela deslizava seu dedo pelo peito firme de Pietro.
-E já falei que quanto mais você se fazer de difícil, mais eu gosto.
Um sorriso sexy se abria em seus lábios rosa enquanto ela continuava a encara-lo. Pietro tirou a mão dela de seu peito e segurou seu pulso com firmeza, os olhos verdes faiscando. Os vendo daquele jeito juntos, eu sabia que não devia estar ali, que aquele momento parecia íntimo demais para outra pessoa testemunhar, mas minhas pernas pareciam não se mover, a dor de cabeça tinha ido embora e mesmo que eu me recusasse a acreditar, meu peito doía. Agora se era de decepção ou tristeza, isso eu já não sabia.
Pietro podia estar dispensando ela ou coisa do tipo, mas o jeito que ambos estavam agindo um perto do outro era uma maneira que apenas duas pessoas que já se conhecem a um bom tempo agiriam. Apertei meu caderno de desenhos com mais força contra meu peito e me preparei para virar e sair dali o mais rápido possível, mas meus planos foram por agua a baixo quando senti algo prender minha blusa. Resmunguei um palavrão quando notei que a barra tinha se prendido na ponta do corrimão, eu não queria ter feito barulho e nem achava que tinha resmungado tão alto, mas o som foi o suficiente para os dois no fundo do corredor notarem que não estavam mais sozinhos.
Pietro pareceu demorar um pouco para notar quem estava ali, mas assim que seu olhar encontrou o meu vi seus olhos se arregalarem. Já com Vitória foi o contrário, assim que seus olhos voltaram para mim seu rosto se contorceu de raiva, qualquer sorriso sexy ou desafio tinham ido embora.
-Olha só quem está por aqui. - falou com desprezo. - O que foi? Cansou de chorar pela amiguinha morta? - ela cobriu a boca com a mão e fez uma expressão de culpa. - Ah, desculpa, quanto insensibilidade.
Senti minhas orelhas esquentarem enquanto meu pescoço ficava tenso, qualquer outro sentimento confuso que eu estava sentindo antes foi embora, sendo substituído pela raiva. Nunca tive inimigas, mas aquela garota estava pedindo para se tornar a primeira. Eu geralmente não era uma pessoa violenta, pelo menos não muito, mas não me oporia em grudar aquela garota pelos cabelos e socar a cara dela em cada um dos armários daquele corredor. Trinquei meus dentes e a fuzilei com os olhos.
-Pelo menos ao contrário de você, eu tenho amigos. - falei com a voz calma. - Não preciso esfregar meus peitos na cara de ninguém e muito menos ameaçar sua vida social para ter alguém perto de mim. - sorri para ela. - Desculpe, acho que isso foi insensibilidade minha.
Vi seu rosto ficar vermelho enquanto seus olhos pareciam escurecer.
-Seu projeto de vadia... - começou a falar, mas ergui a mão, a interrompendo.
-Não queria atrapalhar a discussão do casal. - falei com todo sarcasmo que podia, notando o rosto de Pietro ficar um pouco pálido. - Só estou indo para a minha aula e um conselho pra vocês. - falei enquanto me virava. - Se quiserem se pegar logo depois que terminarem a DR, façam isso onde ninguém tenha que assistir.
Puxei minha blusa e comecei a descer as escadas, mas novamente algo me segurou, só que dessa vez não foi minha blusa. Olhei um tanto surpresa para Vitória, eu nem sequer tinha notado ela se aproximando, além do mais, ela tinha se movido muito rápido, até mesmo para uma ginasta. Seus olhos faiscavam em uma fúria não contida.
-Eu me recuso a permitir que um coisinha como você fale desse jeito comigo. - rosnou para mim.
-Então entenda que nem tudo que você falar, as pessoas vão aceitar caladas. - retruquei sem me intimidar.
Seus olhos escureceram de uma maneira que não achei que fosse possível e por um momento, algo em sua expressão me assustou.
-Vai se arrepender por isso. - falou com um voz cheia de ódio.
Não tive tempo para responder, na verdade, nem de agir, a única coisa que pude registrar foi meu corpo bater em sequência em um degrau depois do outro. Minha cabeça bateu contra algum coisa, mas eu não consegui ver ao certo no que foi, tudo o que eu pensava era porque essa escada parecia tão grande agora. Quando meu corpo finalmente parou de descer as escadas do pior jeito, pude ver vagamente à forma de Pietro lá no topo.
-O que foi que você fez?! - gritou.
Tentei focar minha visão, mas tudo a minha volta parecia girar e a dor que eu estava sentindo na minha cabeça parecia ter quadruplicada, as vozes raivosas que eu estava escutando não ajudaram em nada. Fechei meus olhos e tentei reorientar meus pensamentos, já foi um milagre eu não ter desmaiado depois da pancada que levei na cabeça, o que apenas entrava para a lista de coisas estranhas que vem acontecendo na minha vida. Abri meus olhos novamente e o teto entrou em foco, o que era um avanço. Fiquei ali por um tempo até ter certeza que tinha o controle total do meu corpo, já que pela minha análise primária parecia que eu não tinha quebrado nada.
Resmungando e chegando a ver estrelas de tanta dor, consegui me sentar com esforço. Minha bolsa estava caída a apenas alguns centímetros de mim e meu caderno uma pouco mais a frente, Pietro descia as escadas de dois em dois degraus até chegar até mim, mas fiz questão de ignora-lo enquanto tentava me levantar.
-Safira, você não devia ser mexer. - falou ficando ao meu lado.
Ignorei sua tentativa de me ajudar e fiquei de pé com as pernas bambas, eu não queria nem olhar para a cara dele direito. Fechei meus olhos por apenas um tempo e respirei fundo, forçando meu corpo a permanecer firme, eu não podia fraquejar agora. Não sei bem como minha bolsa e meu caderno vieram parar nas minhas mãos, mas não parei para pedir explicações, na verdade era até bom, me poupava o trabalho de abaixar e pegá-los. Me apoiando nos armários que achei pela frente, comecei a vagar a passos firmes para qualquer lugar que achasse.
-Safira, para! - falou Pietro segurando meu braço.
Girei para ficar de frente para ele, o que não foi uma boa ideia já que minha cabeça pareceu girar junto. Se não fosse por sua mão segurando meu braço com firmeza, eu teria voltado para o chão. Respirei fundo mais uma vez e estreitei meus olhos para ele, Pietro me encarava com uma expressão preocupada, o que por algum motivo me deu vontade de rir.
-O que você quer? - praticamente rosnei.
Se ele ficou surpreso com minha raiva, não demonstrou.
-Você bateu a cabeça com muita força e acabou de cair de uma escada, não pode sair por ai sozinha.
-Quer apostar? - perguntei me livrando de seu aperto.
Minhas ideias não estavam sendo das melhores, já que assim que me soltei cambaleei em direção aos armários. Droga de dor de cabeça!
-Viu, você não está bem. - falou se aproximando de mim novamente.
Dei um passo atrás e chacoalhei a cabeça, o impedindo que se aproximasse mais.
-E porque se importa? - soltei em um sussurro. - Se sente culpado por sua namorada ter me empurrado? Porque não estou nem ai para a sua pena.
Sua expressão se fechou e ele trincou os dentes.
-Ela não é minha namorada e você não sabe do que está falando. - falou irritado. - Não sabe nada sobre mim.
-E quem disse que quero saber? - falei entre dentes. - Nada disso me importa mais, quero você e sua namorada psicótica longe de mim.
-Você está sendo estúpida! - falou fechando os punhos. - Você nem tem ideia do que está falando e nem sabe direito o que está acontecendo, não tem direito de falar nada.
Suas palavras doeram como um soco no estômago, mas fingi que não me afeitei, apenas virei de costas de comecei a andar rumo a saída. Se tinha alguém no corredor assistindo a toda aquela cena, eu não dava a mínima, minha cabeça estava tão dolorida e eu irritada, que era capaz de xingar a primeira pessoa que me perguntasse alguma coisa. Infelizmente para mim, havia uma pessoa no meu encalço que não parecia disposta a me deixar em paz.
-Safira volte aqui, - falou. - não vou te deixar sozinha nestas condições.
-Estou perfeitamente normal, - falei sem me virar. - não preciso de sua ajuda.
-Até parece, você é um perigo para si mesma.
Apertei o caderno com força em minhas mãos.
-Me deixa em paz, posso cuidar de mim mesma sozinha.
Escutei ele bufando, frustrado.
-Para de teimar comigo! - falou irritado.
-Para de mandar em mim! - retruquei um pouco mais alto.
Minha voz estava saindo áspera e eu já tinha que me concentrar para não tropeçar me meus próprios pés, uma tarefa difícil até mesmo quando eu estava nos meus melhores dias. Continuei as cegas até o estacionamento, eu precisava apenas de um lugar tranquilo para me sentar, até a dor se aliviar um pouco e eu conseguir ligar para alguém me buscar.
-Safira, para! - tentou Pietro mais uma vez.
Parei a meio caminho do estacionamento e me virei para ele, que estava a menos de uma metro atrás de mim. Eu não conhecia Pietro muito bem, mas pelo pouco que já sabia, ele não era do tipo que desiste fácil.
-Vê se vai pro inferno e me deixa em paz! - gritei.
Senti uma forte pontada na cabeça e mordi meus lábios para não gritar de dor. Minhas pernas amoleceram como geleias e minhas vistas escureceram, não tive controle nenhum sobre meu corpo enquanto ele tombava em direção ao chão e a escuridão me levava.
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Meu Último Suspiro - O início - Livro 1
Fiction généraleDepois de passar um ano na Itália esfriando a cabeça e vivendo seu sonho de viajar para o país que sempre quis conhecer, Safira Delacur sente que finalmente é hora de voltar para casa. Mesmo atormentada por sonhos estranhos e um forte pressentimento...