Só consegui sair da casa depois de Sebastian me passar milhares de instruções, incluindo o remédio que tive que tomar, só por garantia. Stefan sorria das minhas caretas, mas se mostrou uma companhia bem agradável na nossa viagem de carro até minha casa. Ele não insistiu em conversas, o que me senti agradecida por ele não fazer. Fiquei olhando pela janela o caminho todo, o único barulho que preenchia o silêncio era o som do carro e isso não era desconfortável. Graças ao remédio até mesmo meu corpo não doía tanto, embora eu tinha certeza que estava com várias marcas roxas e meus olhos pesavam de sono devido ao efeito do remédio.
Fiquei perdida em pensamentos e nem notei quando finalmente chegamos em frente à minha casa. Stefan tinha desligado o carro e me encarava com curiosidade.
-Ele fez de novo não é? - perguntou.
Franzi a testa.
-Quem fez o que? - perguntei.
-Pietro. - falou. - Aposto que ele fez ou falou alguma coisa que chateou você, tudo isso porque viu que estava se aproximando demais e se apavorou por isso.
Fiquei olhando pelo vidro, encarando a rua deserta a nossa frente.
-Não sei se era essa a intenção ou não, mas ele não me deu opção sobre nada. - falei. - Pietro deixou claro que não quer que eu me envolva em nada e, considerando com quem ele estava hoje, acho que entendo perfeitamente porquê.
Stefan me encarou por um momento e soltou um palavrão baixo, parecendo saber perfeitamente de quem eu estava falando.
-Essa garota tem sido uma pedra no sapato desde que chegamos e ela vai acabar ferrando a vida dele se abrir brecha.
-Acho que ele já abriu.
Stefan pareceu pensar por um momento.
-Bom, não sei o que houve com vocês, mas como alguém que conhece Pietro a muito tempo... Não desista dele. - falou me encarando com sinceridade enquanto sorria. - Sei que ele pode ter esse jeito meio esquivo, mas baixou a guarda com você, o que não é muito fácil de acontecer. Vi o quanto ele estava apavorado quando trouxe você pra casa, não saiu do seu lado um minuto sequer enquanto Sebastian cuidava de você. Eu vi ali a máscara que ele geralmente usa cair.
-Ta quase parecendo que você quer que eu o perdoe e até me sinta culpada. - falei.
Stefan riu.
-Não, ele merece sofrer um pouco por ter sido um idiota. Talvez levar umas verdades na cara o faça acordar. - falou me dando uma piscadela, o que me fez sorrir. - Apenas estou falando para não desistir ainda. Tem um lance legal entre vocês e torço para que dê certo.
Me recostei no banco e fiquei brincando com os dedos encima do meu caderno, Adelaide tinha entregado minhas coisas pouco antes de sairmos.
-De homens bipolares e esquivos eu entendo, tenho três deles na minha vida. - falei e Stefan sorriu. - Apenas prezo muito a confiança, porque a minha não entrego facilmente para qualquer pessoa. Também não exijo mais do que alguém pode ou quer me falar, sou paciente. Eu apenas... Voltei pra casa para ter um ano tranquilo com as pessoas que são importantes para mim e acabei por perder uma das minhas amigas mais queridas. Sei o que quero e estou descobrindo quem sou, mas acho que Pietro não sabe nada disso sobre si mesmo. Então no momento que ele descobrir, talvez saiba o que fazer.
Stefan ficou me encarando por um tempo, para logo depois abrir um enorme sorriso.
-Acho que aquele moleque finalmente encontrou a mulher certa pra ele. - falou. - Se ele aprontar de novo, eu mesmo quebro a cara dele.
Não pude evitar e acabei rindo.
-Obrigado, Stefan. - falei. - Por isso e pela carona.
Ele sorriu e piscou para mim.
-Que nada garota. - falou. - A gente se vê no colégio.
Sai do carro sorrindo e fiquei olhando enquanto ele desaparecia na próxima rua. Olhei para o céu e fiquei pensando sobre o que Stefan tinha me dito, eu geralmente não desisto de nada, mas sinceramente, porque Deus tinha que mandar pessoas tão complicadas para a minha vida que já não era nem um pouco simples?
Respirei fundo e olhei mais um pouco para o céu, mas não encontrei nenhuma estrela, parecia que nem elas estavam a fim de sair hoje. Arrumei minha bolsa no ombro e segurando meu caderno com firmeza, fui para casa, tudo que eu queria depois de um dia como hoje era um banho e minha cama. Entrei em casa já indo direto para a escada, a TV estava em volume alto e eu podia ver as pernas do meu irmão jogadas de qualquer jeito do braço do sofá menor.
-Isso são horas? - perguntou meu pai com a voz zangada.
Ele estava no sofá maior com uma bacia de pipoca no colo, as sobrancelhas franzidas enquanto olhava para mim. Eu nem tinha notado e, muito menos pensando, que ele estaria em casa.
-Desculpa pai, eu não estava na casa da sol e acabei perdendo a hora. - falei forçando um sorriso. - Cadê a mamãe?
Meu pai geralmente não se importava com meus horários, mas com tudo que tinha acontecido esses dias todo cuidado é pouco. Eles tinham ficado um pouco mais atenciosos comigo, o que era tanto bom quanto ruim, ainda mais em momentos como agora.
-Foi no supermercado. - respondeu. - O que você tem?
-Só estou com um pouco de dor de cabeça. - respondi vendo meu irmão erguer a cabeça do outro sofá. - Vou tomar um banho e deitar um pouco para ver se passa.
-Comprei remédio para você, sua mãe deve ter deixado no seu banheiro.
-Obrigado pai.
Ele sorriu para mim e voltou a assistir seu filme. Jake me encarava do outro sofá com a sobrancelha arqueada, sua cara mostrando que estava desconfiado sobre o que eu realmente estava fazendo até agora. Droga, ele devia ter ficado louco de preocupação comigo por não ter ligado pra ele, mas se não avisou para nossos pais era porque sabia de alguma coisa. O encarei de volta e murmurei um "depois conversamos", ele apenas assentiu e se voltou para o filme também.
Subi as escadas e basicamente me arrastei até meu quarto. Joguei minhas coisas encima do meu sofá, peguei meu pijama na gaveta e fui para o banheiro. Me permiti ficar um bom tempo debaixo da água quente, sentindo todas as dores no meu corpo e evitando molhar o curativo na minha testa. Sai quando meus dedos já estavam enrugados e me preparei para dormir, como não estava com fome não iria descer, o máximo que faria era esperar para a visita que meu irmão com certeza me faria.
Com os dentes escovados, cabelo amarrado e pijama vestido, cacei meu celular na bolsa e me enrolei nas cobertas para ver as mensagens. Havia dez chamadas de Marisol e cinco de Alexandra, pelo menos quinze do meu irmão e até mesmo umas cinco de Dimitri. As mensagens não ficaram por menos, tinha tantas que meu celular até travou carregando elas. Passei um bom tempo respondendo todas, até mesmo Tess e Roxy que estavam quase me xingando. Algumas das mensagens eram tão engraçadas que não aguentei e acabei rindo.
Escutei uma batida na porta e meu irmão colocou a cabeça para dentro.
-Posso entrar? - perguntou.
-Claro.
Ele fechou a porta atrás de si e andou até minha cama, fez um gesto para que eu fosse mais para o lado e entrou debaixo das cobertas comigo. Coloquei o celular de lado e esperei enquanto ele se ajeitava.
-Então, quer me contar do seu dia? - perguntou.
Encostei minha cabeça em seu ombro.
-Qual parte horrível dele?
-A da briga que você teve com Pietro, esse machucado na sua testa ou porque passou essas últimas horas na casa dele. - falou. - Em qual ordem você preferir.
Olhei de lado para o rosto do meu irmão e fiquei muito tentada a contar o que houve com Vitória, mas sabendo bem o quão protetor ele era, sabia que isso podia terminar em algo nada bom.
-Tive um desentendimento com a porta do meu armário de novo, só que dessa vez não prestei muita atenção quando a levantei a cabeça.
-Ta pra existir criatura mais desastrada que você. - comentou rindo.
-Ela já nasceu e é nossa versão em miniatura.
Isso fez com que Jake risse ainda mais. No quesito desastre, Stephanie era tão ou mais sem jeito que eu.
-E quanto a Pietro? - perguntou.
Suspirei me ajeitando melhor em seu ombro.
-Nós tivemos um desentendimento sério e... Posso dizer que nenhum dos dois vai correr para fazer as pazes um com o outro. Mas não quero falar sobre isso.
-Preciso bater nele ou algo assim? - perguntou. - Porque posso gostar do cara, mas minha lealdade em primeiro lugar está com você. E tenho um código de honra de irmão para cumprir.
Comecei a rir enquanto chacoalhava a cabeça.
-Não se preocupe, não precisa estragar sua amizade com ele não.
-Era só pra conferir. - falou passando o braço envolta do meu ombro. - E porque estava na casa dele? Eu já tava ficando louco de preocupação quando ele me ligou falando que tinha levado você pra casa dele porque estava passando mal.
-Eu tava com muita dor de cabeça e acabei passando mal, ele falou que Sebastian estava em casa e como não gosto muito de hospitais, me levou pra lá. - falei. - Na verdade ele nem me deu escolhas.
Como eu estava desmaiada, duvido que tivesse chances de protestar contra ele. Jake apertou meu ombro de forma reconfortante, ele sabia o quão serias eram minhas dores de cabeça.
-E como você ta agora? - perguntou.
-Fiquei apagada por algumas horas e Sebastian me deu um remédio, mas to bem agora.
Eu não gostava de mentir para meu irmão, na verdade odiava. Ele sempre foi um dos meus melhores amigos, mas aquela situação toda tinha sido tão louca que nem mesmo eu sabia como explica-la direito, nem tinha tido tempo de pensar sobre o que tinha acontecido. Eu conhecia Jacob bem o suficiente para saber que se eu contasse tudo para ele, ia dar merda. Jake tinha um temperamento muito explosivo, ainda mais quando se relacionava a alguém causando alguma espécie de sofrimento para mim, superprotetor era até pouco para nomeá-lo. Eu podia não ter contado toda a verdade, mas também não menti em todos os fatos.
-Soube que Vitória anda te enchendo também. - comentou.
Gelei por um momento, será que tem alguma coisa sobre mim ou relacionado a minha pessoa que esse garoto não saiba, mesmo que seja por cima?
-Não é nada que eu não possa resolver. - falei com firmeza, o que era verdade. - Com ela eu me resolvo.
-Sei que sim, ela não tem chances contra você, ainda mais quando se trata da palavra final. - falou com confiança apertando meu ombro. - Já tava na hora de alguém calar a garota pizza.
Me desencostei dele e olhei para seu rosto curiosa.
-Garota pizza? - perguntei com a sobrancelha arqueada.
-É como os caras do time chamam ela. - explicou. - É gostosa e boa como uma pizza rodizio, mas passa pela mão de todo mundo.
Não me aguentei e cai na gargalhada, meu irmão era uma figura. Ficamos conversando por um tempo até que eu cai no sono, nem mesmo vi se ele tinha saído do quarto, estava tão cansada que a última coisa que senti foi ele beijando minha testa.
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Meu Último Suspiro - O início - Livro 1
Ficção GeralDepois de passar um ano na Itália esfriando a cabeça e vivendo seu sonho de viajar para o país que sempre quis conhecer, Safira Delacur sente que finalmente é hora de voltar para casa. Mesmo atormentada por sonhos estranhos e um forte pressentimento...