1. O início do desastre

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As gotas da chuva deslizam lentamente pelo vidro da janela e eu as observo atentamente, sentada no parapeito. Do lado de fora, nos jardins, criados andam para cá e para lá, ansiosos, cuidando dos últimos detalhes da festa e aguentando a pressão que o grande dia representa. Na televisão, os jornalistas noticiam as chuvas de balões azuis, que acontecem em várias regiões do país. Na internet, os sites de fofocas borbulham, especulando sobre os detalhes ainda não revelados da cerimônia e divulgando possíveis listas de convidados. Nas redes sociais, adolescentes posam para fotos, vestindo camisetas azuis, que estampam o gigantesco número 18. Nos correios, funcionários trabalham avidamente para mandar ao palácio as milhares de correspondências dos monarcas vizinhos, felicitando a aniversariante por seu maravilhoso dia.

E a tradição é sempre assim.

Quando um príncipe ou princesa completa 18 anos, o mundo vira um caos. As pessoas se juntam para acompanhar o desabrochar daquele pequeno ser que viram nascer, crescer e chegar ao seu principal aniversário, que representa o desencadear de sua vida monárquica. Trata-se, praticamente, de um reality show, já que a cerimônia é televisionada e os povos acompanham tudo assiduamente, inclusive entrevistas pela internet, com monarcas e alguns artistas convidados. E ainda existem, é claro, as fotos de entrada, que chamam a atenção por causa dos figurinos dos convidados e, principalmente, do traje do determinado aniversariante.

Para quem vê de fora, tudo parece um conto de fadas. Todos querem um convite para a festança, pois sonham com a divina realeza. Imaginam que ser um monarca significa viver uma vida confortável, regada exclusivamente a privilégios e riquezas. Pensam que os casamentos são perfeitos e que todos vivem uma fantasia, rodeada por prazeres e felicidade.

Pobrezinhos, penso, abraçando os joelhos.

O que achariam se soubessem que a princesa a fazer aniversário está aterrorizada, desejando ter um futuro diferente do que já a espera? Ou, na pior das hipóteses, o que pensariam se soubessem que a Vossa Alteza não almeja suceder o reinado e tenta, desde os 14 anos, criar artimanhas para jamais colocar os pés na renomada Escola Real?

Seria um escândalo. Uma traição.

Eu suspiro, sentindo lágrimas brotarem em meus olhos e descerem por meu rosto, acompanhando o ritmo das gotas de chuva no vidro da janela. Sinto o ódio correr por minhas veias. Tantas pessoas desejando estar no meu lugar e eu, que nunca quis nada disso, sou a escolhida do destino para carregar um título tão importante.

Neste momento, ouço batidas ecoarem pelo quarto e enxugo as lágrimas rapidamente. Desço do parapeito e, ajeitando o robe, vou atender a porta, sabendo que é provavelmente Nico, pronta para invadir minha privacidade com seu positivismo irritante. Surpreendo-me, no entanto, ao ver minha mãe, estampando no rosto seu sorriso perfeito.

Ela usa um tailleur azul e seu cabelo castanho está rigorosamente preso em um coque. Detecto pouquíssima maquiagem em seu rosto, composta basicamente por brilho labial e mínimas camadas de rímel, que servem apenas para destacar seus olhos azuis penetrantes e os lábios fartos. Percebo que ela também usa brincos e colar de pérolas, suas joias favoritas e objetos de sua superstição. Eu sorrio.

Minha mãe continua linda, mesmo aos quarenta e após todos os anos dedicados ao reino, marcados por suas várias tentativas frustradas de engravidar e enfrentar de cabeça erguida a vergonha de gerar apenas uma herdeira. Ela é meu símbolo de coragem e bondade. Seu altruísmo, elegância e sabedoria sempre me fizeram admirá-la e seguir seus exemplos, embora saiba que infelizmente nunca serei como ela.

— Bom dia, meu grande orgulho. — ela diz, entrando no quarto. — Feliz aniversário.

Fecho a porta e a encaro, forçando meu mais convincente sorriso. Mamãe, no entanto, crispa os lábios e abre os braços e eu corro para abraçá-la, nada preocupada se a cena me faz parecer uma criancinha desesperada. Com a cabeça encostada em seu peito, deixo as lágrimas retornarem aos meus olhos e transbordarem para fora. Mamãe acaricia meu cabelo lentamente, cantarolando uma canção de ninar antiga, que ela costumava entoar quando eu era pequena.

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