31. Pandemônio mental

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Na manhã seguinte, minha cabeça acorda doendo tanto que tenho a sensação de que há um diabinho lá dentro, martelando as paredes. Levanto da cama cambaleando e me arrasto até o banheiro. As meninas estão todas lá, escovando os dentes e lavando o rosto. Para a minha felicidade, nenhuma delas olha na minha direção.

Enquanto escovo os dentes, tento permanecer o mais invisível possível, mas o clima dentro do banheiro é esquisito. Ninguém conversa ou discute, como já é costumeiro em nossas manhãs. Não sei se é porque todas beberam e estão de ressaca como eu, ou se aconteceu alguma coisa que não estou sabendo. De qualquer forma, me mantenho quieta, pois fingir que nada aconteceu na noite anterior é melhor do que encarar a realidade.

Descer para o refeitório nesta manhã exige um sacrifício sobre-humano. Sei que Cameron vai estar lá, provavelmente me evitando ou lançando olhares que expressam sua estranheza a respeito dos acontecimentos da noite anterior. Chego a considerar a possibilidade de não descer para o café da manhã, mas meu estômago está roncando muito para que eu me dê o luxo de pular a refeição.

Escolho usar um moletom e entro no refeitório com o capuz erguido, as mãos nos bolsos e os olhos fixos no chão. Os burburinhos e as conversas paralelas voltaram e o recinto borbulha, reverberando os episódios da noite passada. Enfrento a gigantesca fila e escolho apenas o essencial para não morrer de fome, pois pretendo sair daqui o mais rápido possível.

Faço a refeição de capuz e o tecido encobrindo meu rosto me permite comer com a sensação de estar invisível. Meus amigos, sentados ao meu redor, estão silenciosos e as conversas acontecem em cochichos. Ninguém fala comigo ou faz perguntas, o que considero uma benção. Assim que termino o café da manhã, em tempo recorde, me retiro da mesa e rumo de volta para o quarto, respirando fundo.

Quase nada saída, entretanto, sou interceptada por uma parede de músculos que se choca comigo. Bufo e olho para cima, só para ser queimada pelas íris azuis, já tão características e cruéis. Cameron me encara e abre a boca para dizer algo, mas suas palavras ficam perdidas no relento, porque imediatamente desvio e sigo meu caminho.

Piso fundo em direção ao dormitório, minha respiração enfraquecendo a cada passo e o choro estrangulado na garganta. Me sinto estúpida. Completamente estúpida. Olhar para o príncipe é um lembrete vívido da besteira que fiz ontem e de como fui rejeitada. Preciso me afastar o máximo que conseguir. Não sei por quanto tempo conseguirei aguentar a sensação esmagadora que a memória me causa e manter distância é a única alternativa que resta antes que eu enlouqueça de vez.

Quando entro no quarto e olho para a janela, a suculenta está lá e o choro, sufocado durante o caminho inteiro, finalmente é liberado e meus olhos deságuam. Sinto um misto de sensações, combinadas pelos piores sentimentos já experimentados por mim, em uma fusão destruidora que me arranca soluços. Respiro fundo, lutando para controlar a crise, mas estou sensível demais para simplesmente fingir que não sinto nada. A dor é uma aflição intensa, poderosa o bastante para me fazer duvidar de minha própria sanidade.

Levo pelo menos dez minutos para parar de chorar. Me sinto sufocada, embora esteja com a respiração regular. Lavo o rosto no banheiro e meu reflexo diante do espelho, tão destruído e morimbudo, consegue me causar espanto. É assustador criar a consciência de que a pessoa do outro lado sou eu, estrangulada por um fio de sentimentos embolados, sem contexto e explicação.

Amparada por meu capuz, vou perambulando para a biblioteca, já que continuar no quarto só contribuirá para que os pensamentos intrusivos gerem mais crises de choro. Quando chego, me encaminho imediatamente para a seção de romances e fico perdida entre os títulos, em busca do livro que apresente o enredo mais deprimente já escrito em toda a literatura. Ler sobre a vida desafortunada de algum personagem distrairá minha mente o suficiente para entorpecer o furacão em meu peito. É infalível.

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