5. O grande (pavoroso) dia

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Quando o dia da viagem chega, estou me controlando para não surtar, pois passei os outros dezesseis tentando lidar com essa realidade. Analiso minha imagem no espelho e treino sorrisos, me preparando para a recepção em Saint Ville, capital de Eaglestate. Minhas expectativas são as piores possíveis, mas Nico está animada, enfiando todas as minhas roupas na mala e alegando que uma peça ou outra está em tendência e que eu preciso usar.

Durante o dia, faço passeios pelo palácio e aproveito meus últimos momentos em casa. Quando a noite cai, Nicoletta me arruma e depois descemos para o pátio de entrada, onde meus pais já esperam, dentro do carro. O chofer abre a porta para mim e é então que percebo que terei que me despedir de Nico. Meu coração se parte quando olho para ela e vejo lágrimas em seus olhos. Ela sempre foi minha melhor amiga e, muitas vezes, assumiu o papel de mãe sem pensar duas vezes. Devo minha vida a ela e ter que viver longe de um ser humano tão incrível quanto Nico é devastador.

— Tem certeza que não quer ir dentro de uma mala? — pergunto, enxugando as lágrimas que começam a fugir de meus olhos. — Ninguém vai perceber.

— Eu não posso. — ela responde, com a voz embargada, tentando sorrir. — Mas tenho certeza que vai ser uma aventura incrível, Alice. E quando você voltar, eu estarei bem aqui, te esperando.

— Eu te amo, Nico. — sussurro, aos prantos.

— Eu também te amo, meu amor. — Ela enfia a mão no bolso e tira de lá uma pulseira de miçangas. — E fiz essa pulseira pra simbolizar a nossa amizade. Quero que você leve e, todas as vezes que sentir minha falta, use ela.

Eu pego a pulseira e coloco no meu pulso. Olho para Nico e vejo que agora ela começou chorar. Isso é suficiente para me fazer correr até ela e abraçá-la. Permanecemos assim por menos de dois minutos, já que o chofer avisa que preciso ir. Enquanto me afasto de minha dama, me debulho em lágrimas e, ao entrar no carro, encosto a cabeça no vidro e choro a viagem inteira até o aeroporto, admirando Sunwintry pela última vez antes da partida.

Como está de noite e nossa viagem só será divulgada amanhã, não há nenhuma multidão no aeroporto e então entramos direto para o avião. A viagem durará dez horas e meus pais, já acomodados em suas poltronas, tomam soníferos e adormecem. O avião levanta voo e eu, em minha poltrona, tiro “Brava Celestina” da bagagem de mão e começo a ler, pela enésima vez. É meu romance favorito.

Conta a história de Celestina, uma plebeia que sonhava com a realeza e que acaba se casando com um príncipe. A garota descobre, entretanto, que ser da nobreza não é o conto de fadas que imaginava e que seu príncipe encantado, Richard, é na verdade um canalha. No fim, Celestina acaba vivendo uma vida infeliz e desejando voltar a ser apenas uma plebeia.

Gosto da realidade que o livro passa e isso é o que me faz lê-lo várias e várias vezes, há dois anos. Tenho esperado ansiosamente pelo segundo volume, mas a escritora está sumida e nunca mais publicou nada.

Quando pousamos em Eaglestate, o sol já nasceu e eu preciso ir acordar meus pais, já que os dois parecem defuntos. Eles se levantam, envergonhados, para logo em seguida começarem a se arrumar, antes de descer do avião. Espero eles mexendo nas miçangas da pulseira que Nicoletta me deu.

Quando terminam de se arrumar, meus pais vão para a escada do avião e começam a acenar para a multidão, seguidos pela equipe de funcionários que nos acompanha na viagem. Eu os sigo, mas quando estou prestes a sair, minha pulseira prende em um parafuso da porta. Começo a chacoalhar o braço em desespero, tentando miseravelmente soltar a pulseira. Uma comissária de bordo percebe que estou em apuros e corre para me ajudar. Ela tenta soltar a pulseira, mas como o fio de náilon está enrolado em várias voltas no parafuso, a comissária sai, avisando que buscará algo. Ela volta com uma faca e, sem mais nem menos, corta o fio de náilon e faz as miçangas voarem para todos os lados.

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