29. Cavalos & Chá

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A semana seguinte foi uma tortura. Um dia após o suicídio da Audrey, a diretora Octavia fez um pronunciamento no auditório que se dividiu entre um discurso fúnebre – com uma gigantesca foto da garota ao fundo – e um aconselhamento sobre a importância do cuidado com a saúde mental. As aulas permaneceram suspensas e fomos submetidos a uma série exaustiva de palestras sobre prevenção ao suicídio e transtornos mentais.

O clima horroroso e fúnebre se perpetuou pelos corredores. As refeições se tornaram uma concentração de melancolia. O burburinho e as conversas diminuíram consideravelmente em todos os eventos em que precisávamos estar juntos. Cada segundo que passei enfiada naquele auditório foi enlouquecedor e muitas vezes me obriguei a sufocar o pânico que ameaçava se generalizar.

A mídia, ao receber a notícia algumas horas depois, explodiu com os furos de reportagens e a morte de Audrey tomou proporções catastróficas. A imprensa começou uma insana perseguição nos arredores da escola, com milhares de colunistas loucos por uma entrevista com qualquer estudante. Recebemos orientações expressas dos monitores para não dar nenhuma declaração à mídia e a segurança, já tão impenetrável, tornou-se ainda mais rígida, varrendo os bisbilhoteiros para longe.

Os paparazzi, no entanto, só se foram quando Octavia e Tommy se encaminharam para a Casa do Conselho e, acompanhados dos conselheiros e da rainha Laurie, se pronunciaram sobre o suicídio de Audrey, expressando o quanto o episódio surpreendera a todos e recitando um discurso lutoso sobre sua vida e feitos à sociedade enquanto princesa.

A notícia também deflagrou um incêndio na internet. Minah comentou diversas vezes o quanto os cidadãos em Chezza estavam devastados e chegou a mostrar várias fotos em preto e branco de Audrey posando com animais de estimação, compartilhadas ininterruptamente. Pelo que minha amiga dissera, as pessoas entenderam o suicídio da garota como um esgotamento causado pela vida monárquica e logo as redes foram tomadas por uma discussão em massa sobre o peso atrelado a um título real. Alguns reconhecendo as dificuldades e outros simplesmente depreciando nossas vidas, embasados nos privilégios garantidos aos membros da realeza.

Quando a autópsia foi concluída, confirmando a morte por enforcamento, o corpo passou pelo translado e chegou a Chezza para as cerimônias fúnebres. Logo os veículos de comunicação concentraram suas lentes na família real e montaram acampamento diante do palácio, focados em registrar cada passo de seus membros. Audrey tinha uma irmã mais velha e dois irmãos gêmeos. A princesa, mesmo visivelmente exausta, se submeteu a inúmeros pronunciamentos sobre a morte da irmã. O rei e rainha, entretanto, só foram vistos em público durante o velório e o sepultamento, aparentando estado de torpor, porque provavelmente estavam dopados. Dessa forma, as especulações sobre um casamento arranjado e a abdicação do trono de Chezza logo estavam estampando manchetes.

A biblioteca se tornou meu refúgio diante de todo esse caos. Comecei a ler compulsivamente para anestesiar meu cérebro paranoico e passei a tomar soníferos durante a noite. Mesmo diante de tanto esforço, entretanto, a hipótese de Audrey não ter se suicidado estava sempre lá. A cada entrevista que eu assistia, a cada especulação que eu ouvia nos corredores e a cada episódio lembrado por mim que a garota fazia parte: tudo parecia cooperar para me levar a acreditar que algo naquela história não se encaixava.

Alessia, a irmã mais velha de Audrey, sempre reiterava em seus pronunciamentos que a garota nunca apresentara sinais de depressão ou qualquer transtorno mental, mas logo uma chuva de comentários sobre o silêncio dos portadores das doenças vinha à tona com a intenção de retrucar essa afirmação. O problema é que, pelo fato de Audrey ter falecido, sua figura pareceu passar por uma canonização. E, verdade seja dita, ela estava longe de apresentar requisitos suficientes para ser vista como beata.

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