2. O almofadinha

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A escada tem 28 degraus, com apenas um patamar. Precisarei percorrê-la em cima de um scarpin com um salto de dez centímetros e o pensamento fixo de que tropeçarei no terceiro degrau. Fui treinada durante semanas, mas o que sinto ao ser direcionada pela criada até o local do desastre é que jamais pisei em uma escada ou usei um salto tão grande. Meu coração está enlouquecendo dentro do peito e o que mais desejo no momento é ser atingida por um asteroide.

A criada para de caminhar e faz um sinal com a cabeça, indicando que dali para frente terei que seguir sozinha. Eu agradeço, respiro o mais fundo que posso – considerando o pouco espaço no vestido –, ergo a cabeça e começo a caminhar para o formigueiro.

Quando apareço no topo da escada, sou atingida pelo turbilhão de flashes e me esforço para manter os olhos abertos e sorrir. Piso no primeiro degrau com toda a confiança que tenho, a qual reduz-se a um átomo. Começo a descer os próximos lentamente, evitando olhar tanto para baixo e mantendo sorriso, postura e equilíbrio em harmonia. Preciso andar e chutar – a fim de que o vestido não enrosque no sapato –, o que contribui para tornar uma ação tão rotineira em um grande desafio. Alcanço o patamar e me preparo mentalmente para o próximo lance de degraus. Falta pouco, penso, dando-me conta da multidão que me encara.

Percorro os próximos degraus sem tropeçar em nenhum e suspiro levemente, muito aliviada. Meu pai está no fim da escada e, quando piso no chão, ele me oferece o braço. O agarro com força e juntos, como manda a tradição, percorremos o tapete azul que se estende até o baldaquim, ao norte do salão, em que estão os três tronos. Mamãe está lá, de pé. Ela usa um vestido dourado lindíssimo, luvas, joias e sua imensa coroa. Está esbanjando beleza.

Ao chegarmos no baldaquim, meu pai me conduz ao trono do meio e assento-me, ajeitando a capa e a saia do vestido. Ele senta-se ao lado direito e mamãe ao esquerdo, simultaneamente. A multidão nos encara, esperando meu aval.

— Que comecem as festividades! — grito, forçando um sorriso.

No mesmo momento, uma música alta começa a tocar e o burburinho se espalha. Os convidados – reis, rainhas, príncipes, princesas, duques, duquesas e etc – se aproximam para nos cumprimentar e me parabenizar. É lógico que sei filtrar os que estão com boas intenções e os que aparecem apenas para chamar atenção. Realeza é isto, afinal: viver de aparências.

Me esforço para ser o mais simpática possível, embora saiba que não é o suficiente. Minha paciência para falar com as pessoas vai acabando a partir do trigésimo convidado, já que atrás dele há pelo menos mais cem pessoas prontas para me dar suas felicitações. Meu humor só piora quando noto que os próximos são o rei e a rainha de Eaglestate.

Eles são ótimas pessoas, obviamente. O problema é que protagonizei um episódio constrangedor com o rei, quando tinha 11 anos.

Vomitei nele. Literalmente.

O pobrezinho tinha vindo a Reigland visitar uma fábrica exportadora de tijolos e, durante um almoço no palácio, comi demais e comecei a passar mal. Eu não podia levantar da mesa, já que meu pai ainda estava sentado, então continuei passando mal em silêncio. É claro que em dado momento não suportei mais e levantei para correr até o primeiro banheiro que encontrasse. No entanto, ao levantar, vomitei imediatamente no rei, que estava sentado à minha frente.

Quis morrer ali mesmo.

A situação só não se complicou mais porque o rei é um homem gentil e grande amigo do meu pai. O episódio, no entanto, se tornou um assunto corriqueiro, que sempre surge nos momentos mais inapropriados possíveis. E todas as vezes que vejo o rei Charlie, me preparo psicologicamente para passar vergonha.

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