19. Discórdia

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No fim do dia, ao concluirmos as aulas, somos liberados para voltar aos dormitórios. Minhas colegas de quarto e eu tomamos banho e nos arrumamos, comentando sobre nossas primeiras impressões sobre os professores e aulas. A sineta toca, anunciando o horário do jantar e, assim, todas descemos para o refeitório. O local entope de alunos e todos mantêm conversas animadas a respeito do dia enquanto fazem a refeição.

Na manhã seguinte, acordamos e nos preparamos. O café da manhã, horas mais tarde, torna-se um evento quando Cédric aparece vestindo um kilt e jaqueta preta de couro. Minah surta de dez maneiras diferentes enquanto assiste o príncipe desfilar entre as mesas, trajando-se despojadamente. O que todos fazemos, ao contrário da garota, é rir bastante da situação.

Cameron está indiferente hoje. Falou apenas o básico e não me infernizou com nenhuma de suas provocações diabólicas. Quando tirei o terceiro livro da saga Dimitri Gallant da mochila e não o vi expressar deboche, percebi que algo talvez estivesse realmente acontecendo, mas resolvi não dar atenção, porque, afinal de contas, eu não me importava, certo?

Depois do café seguimos para a primeira aula do dia: Política. E eu confesso que, apesar de ter um emprego totalmente politizado, o assunto teórico quase nunca despertou meu interesse. A rivalidade, os debates e a polarização sempre me assustaram e muitas vezes decidi me calar a fim de não gerar discussões intermináveis ou me expressar de maneira incorreta sobre um tema do qual não tive um conhecimento aprofundado.

No entanto, quando Hakim Okoro entrou na sala – um homem alto, de pele retinta, físico impecável, cavanhaque e sorriso cativante – carregando um busto de gesso e usando roupas casuais, eu soube que de alguma forma a matéria seria interessante para mim. E isso acabou se provando verdade apenas alguns minutos mais tarde, quando ele começou a explicar sobre o revolucionário Valentin Castillon e eu simplesmente não conseguia desgrudar meus olhos do homem lecionando à frente da turma.

Usando o busto de gesso e referindo-se ao objeto como “esse maluquinho aqui”, Hakim nos contou que Valentin Castillon foi o fundador do grupo revolucionário os Libertários da Marseillase, que promovia manifestações para a derrubada da república marseilla na Era de Tormento, período em que o país enfrentou graves crises econômicas e sociais geradas pelas corrupções e golpes dentro do cenário político.

Naquela época, os cidadãos marseillaseanos já não tinham poder de voto e, enquanto definhavam passando fome e afundando na pobreza, os militares restringiam reuniões particulares e puniam severamente todo aquele que promovesse qualquer agitação contra o governo. O presidente e os ministros, com o apoio do Congresso Nacional de Marseillase, já planejavam engendrar um ataque contra o território da Estukítrina e despertar conflitos antigos de ocupação. Desde a Batalha do Rojo, quando Marseillase perdeu uma considerável região de seu território para os estukitrianos, havia sede política por uma represália, o que assolava os cidadãos marseillaseanos, levando em consideração as condições degradáveis em que se encontravam o país.

Ao fim da aula, Hakim passou uma atividade para ser entregue na aula seguinte. Precisaríamos criar um scrapbook pontuando os principais acontecimentos do Tiranos Para Fora, conflito agitado pelos Libertários da Marseillase, onde o povo tomou o poder, promoveu julgamentos, decapitou republicanos corruptos e iniciou um longo processo de mudança de regime.

Eu organizo as ideias mentalmente para o trabalho de Política enquanto caminhamos até a sala em que a aula de História da Realeza acontecerá. Entramos e nos acomodamos em uma das mesas para dupla. A professora, que apresenta-se como Daksha Kapadia, usa um sári cor-de-rosa com detalhes em dourado, além de uma teeka entre os cabelos pretos e soltos, cascateando sobre os ombros. A mulher é absolutamente deslumbrante.

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