9. Egocentrismo

63.1K 5.7K 1.9K
                                    


🄲🄰🄼🄴🅁🄾🄽


Enquanto o tenente fala, meu olhar se perde entre os ponteiros do relógio em meu pulso. Essa é a maneira que encontro de entorpecer a tempestade acontecendo dentro de mim e de controlar as lágrimas que querem escapar. O homem está me explicando, através de uma porção de termos técnicos, que o avião em que meu pai embarcou sumiu do radar e caiu em uma floresta de Westgirl.

Sinto vontade de rir, pois tudo me parece uma grande piada.

Há algumas horas eu estava tomando xícaras e mais xícaras de café expresso com ele enquanto discutíamos sobre as melhores raças de cavalo para a prática de hipismo. Ao passo que Charlie defendia sapientemente o Quarto de Milha, eu discordava, dando protagonismo para o Clydesdale. E é óbvio que ele conseguiu vencer a discussão. Charlie é a pessoa mais insistente que conheço.

Minha mãe vive dizendo isso e o culpando discretamente por nós, os rebentos, termos puxado dele a insistência irritante. Eu, no entanto, discordo em parte dessa constatação. Gosto de ser irritantemente insistente. Foi isso que me manteve vivo até hoje.

Eu provavelmente nem sequer teria sobrevivido à bronquite crônica e à asma durante a infância caso meu pai não tivesse insistido tanto na minha vida e na cura das malditas doenças. Enquanto minha mãe surtava durante as crises, era ele quem sentava do meu lado e me acalmava. Geralmente contava para mim uma história chamada "Cameron, o garoto insistente". Tudo obviamente era invenção da cabeça dele, mas como meu pai queria que eu acreditasse que poderia ser forte e superar tudo aquilo, resolvera criar um personagem para me incentivar.

E, verdade seja dita, realmente funcionou.

Durante as crises de bronquite ou asma, era no Cameron Insistente em quem eu pensava. Fixava na cabeça a ideia de que se ele estivesse no meu lugar, conseguiria controlar o pânico que a falta de ar causava e aguentaria a dor que dilacerava meu peito a cada tossida. Então eu me mantinha insistente, disposto a vencer a guerra contra aquelas doenças.

E eu realmente consegui depois de algum tempo. Foi libertador. Finalmente pude agir como uma criança normal, sem os remédios controlados e tratamentos. Dessa forma, eu aproveitava cada segundo de liberdade, brincando com meus irmãos, visitando frequentemente os estábulos e passando horas na biblioteca do palácio, devorando enciclopédias. Esses eram momentos que eu desfrutava ao máximo, porque entendia precocemente que ter saúde era uma dádiva a ser explorada.

Anos mais tarde, na transição entre infância e adolescência, foi que eu comecei a perceber que minha vida não era feita apenas de liberdade. Como primogênito e consequentemente o herdeiro mais próximo da sucessão, minha vida tinha um propósito maior que a dos outros garotos da minha idade.

Eu, Cameron James Alfred Kingsley, seria rei um dia.

E ser rei, diferente do que é mostrado pela mídia, está bem longe de um conto de fadas. Principalmente quando você é o escolhido para suceder um dos maiores reis da história, adorado pelo povo e aclamado ao redor do mundo.

Meu pai, rei Charlie, o sábio.

Quão pesada é a responsabilidade de suceder um homem como meu pai e ter a obrigação de ser tão próspero como ele?

Foi no que eu sempre pensei ao longo da minha vida. Que precisava ser como meu pai, porque minha família dependeria de mim, todo o povo e o grandioso Eaglestate. Charlie tinha me criado para ser o Cameron Insistente, que nunca desistia de nada, lutava pelo que acreditava e era justo em todos os seus julgamentos. Eu tinha a obrigação de orgulhá-lo.

A Escola RealOnde histórias criam vida. Descubra agora