17. Indícios de resfriado

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O lugar mais longe que encontro é o jardim. Não posso sair desta prisão, tampouco do país, então o máximo que consigo arranjar é um jardim vazio e arejado. No fim das contas, não é ruim. Gosto do ambiente tranquilo e natural proporcionado por um jardim.

Escolho o lugar mais longe possível da escola e me deito na grama. Onde estou é escuro e provavelmente ninguém vai me encontrar aqui. É melhor assim. É óbvio que estou consciente que terei de inventar uma desculpa engenhosa para justificar meu rompante, no entanto, isso é melhor do que ficar lá ouvindo Sadie me enterrar na lama.

Passei a vida inteira sendo criticada pela mídia. Meu comportamento desajeitado e as quebras de protocolo recorrentes sempre foram gatilhos usados pelos tabloides para me difamar e criar uma imagem deturpada de mim.

Isso causou a minha quase exclusão da alta sociedade.

Os outros monarcas sempre falavam o mínimo comigo e jamais permitiam que a mídia vinculasse a imagem deles à minha. As palavras princesa Alice se tornaram nocivas e objeto de rejeição. Especulações a respeito do meu futuro governo também começaram a circular. Antes de sequer colocar a coroa na cabeça, eu já era considerada a pior rainha da história de Reigland.

No início, eu lia as críticas e ficava dias e dias sem falar com ninguém, isolada de tudo. Tentava entender o motivo de ser tão odiada e simplesmente não conseguia assimilar aquilo. Chegou num ponto que comecei a odiar a mim mesma.

Na tentativa de compensar meus pais, comecei a ensaiar o que ia falar, o jeito que cumprimentaria as pessoas e estudei todos os protocolos. Eu queria, de alguma forma, fazer a coisa certa para poupá-los de ler tantas manchetes ruins sobre mim. Eles sempre foram populares, amados pela mídia e pelo povo. O problema realmente era eu.

Funcionou por uns cinco dias e no sexto eu já estava fazendo besteira de novo.

Durante a visita que fizemos a um museu de artes em Tildrengarden, um condado de Reigland, acabei derrubando no chão uma estatueta histórica de mais de quatrocentos anos. O episódio se tornou um escândalo a nível internacional. Todos os dias, durante três semanas, a imprensa publicava artigos criticando e debochando do acontecido. Fui notícia em todos os canais de televisão e virei piada na internet.

Lembro que meu pai retirou do palácio as poucas televisões que havia e ordenou que os jornais e revistas parassem de ser entregues. Ele tentou abafar o escândalo o máximo que pôde, mas a mídia por vezes é irredutível, então pedi que parasse de se estressar com aquilo. Eu mesma comecei a parar de me importar. Já estava totalmente fuzilada. Não havia mais o que sentir.

Acho que foi naquele momento que me acostumei com as críticas.

Não que fosse a coisa saudável a se fazer. Só era a única que restava. Mesmo que eu gritasse, me esforçasse ao máximo ou fosse perfeita, nada disso adiantaria. A mídia ia me difamar enquanto fosse conveniente. Eu infelizmente não podia fazer nada para impedi-la.

Hoje consigo tranquilamente ler artigos afundando a minha imagem na lama, entretanto, ser criticada cara a cara é bem diferente. Reconheço todas as minhas falhas, no entanto, isso não anula a maneira arrasadora como me sinto.

E ser comparada com outra garota é uma das piores críticas que existem, porque eu sou isso aqui e a minha essência é imutável. Uma comparação só vai me fazer querer ser algo que não me representa. Uma comparação só servirá para destruir o pouco que ainda gosto em mim.

Obrigada pela sinceridade, Sadie.

O vento frio que varre o jardim beija meu rosto. Estou observando as estrelas com lágrimas escorrendo pelos olhos. Queria poder dizer que fui forte, mas meus sentimentos estão fora de qualquer controle que eu possa ter. Ao passo que meu coração se agita por causa da raiva motivada pelo comentário infeliz de Sadie, a saudade que sinto de meu pai ressurge em meu peito.

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