1. Recomeço

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- Vocês são umas imprestáveis! Suas inúteis... - ele continua gritando. Estou em uma posição fetal para me proteger, porque sei que ainda não acabou.

- Isso é para você aprender! - quando ergo a cabeça sou esbofeteada no lado esquerdo do rosto. Dói muito e não sei se aguento mais espancamentos, meu corpo está todo dolorido e sinto que vou esmorecer.

Não tenho ninguém para que possa me defender, minha mãe está do outro lado do quarto abraçando seu corpo e chorando o mais silenciosamente possível. Seu rosto está muito machucado e o seu olho esquerdo está roxo e bem inchado. Ele finalmente sai e percebo que acabou que por hoje já apanhei o bastante, mas quando vejo ele voltando para o quarto o medo percorre todo o meu corpo, e ao ver o cabo de uma vassoura em suas mãos fico sem ar. Ele vem na minha direção, e em sua face se propaga o sorriso mais malvado que eu já vi e no mesmo instante sinto uma dor excruciante.

Acordo bem ofegante, parece que o ar que existe em meus pulmões está indo embora. Estou suando frio, coloco à mão na testa e repito para mim mesma que foi só um pesadelo, uma lembrança ruim que nunca mais irá se repetir.

Olho para o lado e vejo a hora no meu despertador, são cinco da manhã e sei que não vou conseguir dormir novamente. Levanto-me da cama com um pouco de dificuldade, vou a cozinha e tomo um gole de água, aproveito e preparo um chá. Amo chá e sempre amei esse tipo de bebida, parei de tomar café há alguns anos porque estava me fazendo muito mal. Não conseguia dormir à noite e tinha mais pesadelos como de costume, sempre as mesmas lembranças de um passado remoto e perturbador.

Pus a água para ferver, enquanto isso vou ao banheiro lavar o meu rosto. Olho-me no espelho e noto que as minhas olheiras estão fundas me deixando uns dez anos mais velha. Retorno à cozinha, coloco água quente na caneca e preparo meu chá. Caminho até a varanda do meu humilde apartamento para observar o movimento da rua, resido um pouco longe do centro de Nova York por isso que onde moro é calmo e meio sombrio.

Perdida em meus devaneios, lembro-me que tenho uma entrevista de emprego. Vou até a sala, olho no relógio branco pendurado na parede que fica um pouco acima da TV que está marcando 06h30, surpreendo-me por ter passado tanto tempo sentada pensando na vida.

Depois de ter tomado um belo banho preciso usar uma roupa formal, tenho que passar uma boa primeira impressão na entrevista. Escolho uma blusa social com mangas de seda preta, uma calça estilo secretária e uma sandália que ganhei de Charlotte.

Meus cabelos são cacheados e para isso há toda uma preparação para ficarem do jeito que eu gosto, e como é uma entrevista de emprego darei um volume equilibrado para o meu cabelo que pelo visto está precisando de um corte, passa da cintura de tão longo. Faço uma maquiagem simples e passo um batom rosa escuro na boca, pego minha bolsa e desço as escadas do prédio, não tem um porteiro, é barato, mas não é seguro.

Tenho vizinhos esquisitos mas nunca falei com nenhum deles, quando mudei para cá tive que troca a fechadura da porta e como moro sozinha todo cuidado é pouco. Mas é o único jeito, o meu trabalho de garçonete não dá tanto dinheiro assim e para melhorar a minha situação preciso arranjar outro emprego.

Vou de ônibus para que eu possa chegar ao escritório que farei a entrevista. Chego exatamente no edifício às 08h20, o que é maravilhoso, porque tenho mais dez minutos para chegar até a empresa. O prédio é lindo tem um ar bem moderno, há muitas pessoas andando de um lado para o outro. Caminho em direção à uma bancada que acredito ser a recepção e atrás dela há um rapaz sentado.

- Olá! Bom dia, pode me dar uma informação? - pergunto o mais animada possível ao rapaz que está de cabeça baixa.

- Bom dia moça em que posso ajudar? -responde o rapaz com um sorriso caloroso.

- Quero saber em qual andar fica o escritório da Collins & Associados...

- Fica no décimo segundo andar! - ele diz apontando ao elevador, olho o relógio acima e faltam cinco minutos para minha entrevista.

Saio correndo em disparada ao elevador que no mesmo instante abriu as portas. O botão número doze já está ativado, agora é só esperar chegar ao meu destino.
Não sei se esta entrevista vai dar certo, fiquei sabendo dessa oportunidade ao ouvir dois clientes no restaurante. Eles diziam que precisavam de auxiliares administrativos e como tenho bastante conhecimento dessa área resolvi arriscar. Trabalhei em uma grande empresa quando tinha apenas quinze anos como aprendiz no meu país de origem: Brasil. Além disso tenho vários cursos.

É óbvio que eu não vou falar que sou brasileira, até porque entrei aqui nos Estados Unidos ilegalmente. Foi preciso fazer algumas mudanças no meus documentos pessoais, a única coisa verdadeira que está escrito neles é meu nome e minha data de nascimento o resto é falso. Mas no fim deu tudo certo.

O que importa agora é essa entrevista, preciso muito desse emprego.
Ao sair do elevador, sigo andando até a recepção que é tão chique quanto o restante do lugar, há cinco recepcionistas e decido ir naquela que por sinal é muito bonita e tem uma atitude esnobe, infelizmente tenho essa mania de julgar as pessoas! Falo sobre a entrevista e ela me encaminha para uma sala onde há vários candidatos. Parece que vai ser uma disputa acirrada!

- Anna Flores Álvarez! - uma voz alta ecoa pelo espaço. É a minha vez e uma mulher alta chama o meu nome. Ela tem cabelos pretos e bem curtos, tipo chanel. Seus olhos são azuis em um tom quase esverdeado.

Levanto-me e vou em sua direção. Não dizemos nada até chegarmos à uma sala ampla com uma vista deslumbrante da grande cidade.

- Sou Chloé Benson uma das sócias e irei entevistá-la!- diz com uma voz madura e firme.

Chloé parece ter entre trinta e trinta e cinco anos, é uma figura feminina muito elegante e afeiçoada. Todos os seu movimentos são firmes e delicados. Não consigo ser assim, sou muito desastrada e brusca.
Ao sentarmos em um sofá bem macio e aconchegante, ela me analisa da cabeça aos pés, ergue o olhar com sinal de orgulho e superioridade e desvia-o para o meu currículo em suas mãos.

- Senhorita Álvarez, vejo que em seu currículo trabalha como garçonete em um dos melhores restaurantes da cidade. Quero saber o que a sua profissão tem haver com trabalhar em um escritório! Sabe como funciona uma empresa desse porte? - Me olha friamente e acho que eu viraria uma coluna de gelo se ela tivesse o poder de congelar as pessoas.

- Creio que para a senhora há muita diferença, mas na verdade é um trabalho que exige dedicação e paciência porque tem clientes para servir e é muito importante ter pontualidade. E acho que nessa empresa deva funcionar desse modo, já que a função do emprego é auxiliar e ajudar com que o sistema dessa instituição funcione. - respondo nervosa com o coração acelerado.

- Então acha que dá conta do serviço? Já teve alguma experiência relacionada com esse tipo de função? - pergunta Chloé com um sorriso de deboche.

- Se me der a oportunidade mostrarei que sou boa e que darei o meu melhor. Nunca tive experiência nessa função, mas além de servir as pessoas sua refeições, eu auxílio no administrativo do restaurante quando precisam. - minto.

- Ótimo! Já pode ir senhorita Álvarez. - fala Chloé sem mais nem menos.

Será que fui tão mal assim nesse diálogo que tivemos?

- Então é só isso? - escapa sem querer.

- Tenho certeza que sou boa o suficiente para saber quem é apto ou não para esse cargo senhorita... - Benson diz com os olhos cerrados.

- Me desculpa, não quis ofendê-la. Quando vou ter alguma resposta? - pergunto com receio.

- Se você passar na entrevista, ligaremos. - Foi a resposta dela.

Sair bem desanimada dessa entrevista e estou sem esperança. Sigo em direção ao meu apartamento pensando em mais algum jeito de arranjar outra entrevista de emprego, acho que não fui bem nessa e tinha muitos candidatos esperando a vez deles. Também não seria diferente, porque a Collins & Associados é uma empresa de advocacia bem renomada.

Li isso na internet, pesquisei sobre ela e junto veio algumas informações sobre os donos, uma família. Os Collins, de acordo com a Wikipédia são advogados e muito, mas muito ricos. Porém, apenas um dos membros se expõe a mídia, Noah Collins, é conhecido em todo o país por ser jovem e habilidoso no que faz. Nas fotos ele é bonitinho, não me impressionou muito. O que eu quero mesmo é conseguir aquele emprego.

Infinita Liberdade ( Revisado)Onde histórias criam vida. Descubra agora