Na manhã de quarta-feira, Artemísia entrou na escola em passos lentos, a mochila mais pesada do que podia carregar. O sinal ainda não havia tocado, portanto os alunos aproveitavam o sol que batia ali pela manhã para se aquecerem, fugindo das sombras geladas do fim do inverno. O Rio de Janeiro não costumava ser tão frio, mas a quantidade de árvores que cercava o IEC obrigava todos a se enfiarem em casacos durante a maior parte das manhãs do ano.
Algumas pessoas no pátio cochichavam sobre Nico, dividindo opiniões sobre sua punição ser justa ou uma medida drástica demais. Além disso, todos estavam curiosos sobre qual era a punição de Theo, porque nenhum membro do time abriu a boca sobre o castigo do garoto.
Arte sabia bem o porquê de Theodoro não querer que ninguém ficasse sabendo sobre seu trabalho "voluntário". Não ia bem para a reputação dos Peppers que o garoto estivesse metido num clube considerado medíocre e, desde o surgimento dos Roses, a moral dos Peppers não andava lá no alto. Os Peppers eram o time favorito da maioria dos veteranos, porque era um time mais antigo, mas os alunos do segundo e primeiro ano se sentiam mais representados pelos Roses, que tinham uma diversidade maior de jogadores. Entretanto, uma coisa que os Roses não poderiam tirar dos Peppers era a tradição de ser o time oficial da escola, mas uma vez que eles fossem para o Intercolegial no lugar dos Peppers, aquilo pouco importaria.
Só que a grande chance dos Roses era Nico, que agora estava fora do time até que a disputa entre os dois acabasse. Theo, que até a briga dividia a atenção do colégio com Nicolas, estava recuperando sua popularidade tão rápido que, naquela quarta-feira, estava rodeado de alunos que queriam saber mais sobre a briga de dois dias atrás.
Nada daquilo era surpreendente para Arte, exceto que Ana, sua amiga, estava lá, conversando animadamente com Theo e com Paula, a garota que as havia trocado pelo time de vôlei.
Paula levantou as sobrancelhas para Arte ao encontrar a garota encarando-a. Paula tinha propriedade naquela escola desde que entrara para o time, enquanto Arte tinha... bem, Arte tinha o Clube do Livro e estava feliz com aquilo. Não que seus antigos amigos não fizessem falta. Até o ano anterior, o seu grupo era maior, contando com Paula e outros alunos. Os outros apenas mudaram de turma e perderam o contato. No início, ainda tentavam, mas foi difícil para eles manter um interesse na amizade de Arte quando sua paixão se tornou o Clube do Livro.
Já Paula foi um rompimento mais complicado. Paula, Ana e Artemísia eram bem próximas, mas na metade do segundo ano Paula começou a namorar Nico, o que foi difícil para as outras garotas, já que ela se tornara absurdamente dependente do garoto. Quando Arte finalmente tomou coragem para dizer a Paula que o relacionamento dela era a piada do colégio, Paula conseguiu tomar impulso para terminar com aquilo, mas abandonar a popularidade era algo difícil para uma garota que sonhava com o esteriótipo norte-americano de ensino médio. Com a ascensão dos Roses dentro da escola, o que poderia ser mais tentador para os Peppers que a ex namorada de Nico? E foi assim que Paula acabou se tornando uma titular do time.
Talvez o mais surpreendente para Arte foi descobrir que Paula era boa naquilo. Não só em jogar, mas em ser da realeza do colégio. Os doze membros de cada time de vôlei — o que incluía os seis reservas — eram as estrelas da escola, mas era inegável que ninguém poderia superar os seis titulares de casa time. Dos Peppers, Theodoro, Paula, Mariana, Julio, Bernardo e Gustavo. Dos Roses, Nicolas, Victoria, Amanda, Beatriz, Matheus e Miguel. Era impossível estudar no Instituto Educacional do Catete e não conhecer aqueles nomes.
Assim como era difícil para Arte estudar lá, no geral. E aquele dia mal começara e estava se mostrando excepcionalmente difícil, porque a última coisa que Artemísia imaginava era ter que conferir Ana confraternizando com o inimigo.
O sinal soou, dispersando parte dos alunos, mas Arte continuou ali, parada, esperando que Ana a visse para que pudessem subir juntas para a sala de aula. Ana, que continuou conversando com Paula e Theodoro, a viu, mas teve uma reação completamente inesperada: ao invés de ir andando até ali, fez um gesto temido por Arte. Ana acenou a mão no ar, indicando que a garota devia ir até ali.
Tanto Theodoro quanto Paula se viraram para Artemísia, tornando mais difícil de fingir que nada havia acontecido e obrigando a garota a ir até lá. Em passos relutantes, Arte alcançou o trio, se perguntando o que diabos Ana tinha para falar com Theo e com Paula.
— Bom dia, Arte — Ana sorriu. — Como foi o Clube ontem?
Arte nem tivera tempo de contar sobre o novo membro inédito para Ana, mas tinha certeza de que os dois já teriam feito àquela altura.
— Interessante.
— Aposto que foi — Paula zombou.
Paula era o tipo de figura que é melhor ter como amiga que como inimiga e, embora Arte não classificasse ninguém como inimigo, Paula achava que todos que não eram seus amigos eram exatamente o contrário.
— Não é ruim de todo — Theodoro fez o melhor elogio que pôde. — Achei que você frequentasse, Ana.
Aquele era um assunto delicado. Embora Ana fosse amiga de Artemísia, nada podia fazê-la pisar no Clube do Livro. Era uma mancha na reputação de qualquer mortal. Até mesmo Theo perderia um ou dois pontos de popularidade assim que a escola descobrisse. Mas o que eram dois pontos pra quem tinha mil?
— Não, eu...
— Ela tem curso de francês depois da escola — Arte interrompeu. Ana tinha curso de francês às 19h00, mas era um detalhe que ninguém precisava saber.
Com o silêncio constrangedor, Arte ajustou a mochila nas costas, duvidando de quanto tempo poderia continuar perdendo tempo ali antes de cair para trás com tanto peso.
— Bom, eu tenho aula — Paula anunciou. — Você também, Theo. Vê se não chega atrasado. Vai que te obrigam a entrar no Clube do Feminismo ou algo assim — girou sobre os calcanhares e foi embora. Arte revirou os olhos e ajeitou a mochila mais uma vez, pronta para partir.
— Isso parece pesado — Theo apontou para a mochila de Artemísia. — Quer ajuda?
Arregalaram os olhos. Ana e Arte arregalaram os olhos com a surpresa. Talvez o mundo tenha arregalado os olhos com a surpresa.
— Não — foi a resposta imediata de Arte.
— Não vai te matar receber ajuda de vez em quando — Theo puxou a mochila dela e colocou-a nas próprias costas. Julio tinha levado a mochila dele para cima assim que o sinal tocou, portanto Theodoro estava livre e se sentindo especialmente caridoso naquele dia.
— Eu não preciso da sua ajuda, Theodoro — Artemísia disse, embora aquilo não fosse apenas sobre a mochila.
— Muito ajuda quem não atrapalha, sim? — Theo riu. — Você já me disse isso.
Ana, que continuava observando a interação entre os dois com certa curiosidade, pôs-se em movimento, chamando atenção dos outros. Os três foram em direção a um dos blocos da escola, o do terceiro ano. Theo acompanhou Artemísia até sua sala, levando a mochila dela como um favor.
— Aqui — devolveu a mochila. — Vejo você mais tarde.
— Ok — Arte procurou Ana, que já tinha sumido para dentro da sala de aula.
— Um agradecimento também não mata de vez em quando.
— Você escolheu fazer isso, eu disse que não precisava.
— Porra, Arte — Theo revirou os olhos e abriu a porta para ela, enxotando-a para dentro da sala. — Tchau.
— Tchau, Theodoro — disse sobre os ombros.
— Artemísia — ele acenou e se obrigou a conter o sorriso que ameaçou surgir em seu rosto.
A expressão de Theodoro tentando não sorrir deixou Artemísia de pernas bambas e aquilo não podia ser um bom sinal.
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Olá? Será que eu tenho algum leitor acompanhado isso aqui? Bom, se eu tiver, tenho duas perguntas: o que vocês estão achando da história e o que estão achando da Arte e do Theo?
Bom, respondam nos comentários. Vejo vocês em breve!
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Uncool
Ficção AdolescenteEm seu último ano de ensino médio, Artemísia só estava certa de três coisas: a primeira era que ela não fazia ideia do que faria em seguida. A segunda é que seu Clube do Livro era a única coisa que a mantinha feliz no colégio. E a última coisa era q...