Arte

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Depois que o primeiro mês se passou, Arte já não era mais capaz de imaginar seus dias sem a companhia de Theo. E, no entanto, também não podia imaginar um mundo em que não fosse amiga de Nico, e isso parecia ser um problema entre eles. Entre os garotos, é claro, uma vez que ela estava mais que contente de manter as duas presenças em sua vida, representando coisas diferentes.

Theo continuava carregando sua mochila pela manhã e aparecendo no Clube do Livro para ajuda-la a organizar e planejar os encontros. Também passavam os almoços juntos, mas, depois das aulas, Arte passava duas horas ajudando Nico a estudar, parte porque estava cumprindo sua promessa, mas parte porque Nico precisava de uma distração enquanto Theodoro estava treinando para o Interescolar, fato que gerava alguns resmungos da parte de Nico. Especialmente no fim dos estudos, que obviamente coincidiam com o término dos treinos dos Peppers. Theodoro surgia, com seu sorriso debochado e os cabelos molhados depois de uma ducha, e era o momento em que Nico revirava os olhos e finalmente ia para casa, deixando Arte e Theo fazerem o percurso da escola até o metrô a sós. Bom, era verdade que Nico apenas pegava um ou dois metrôs antes do casal, mas fazer Theo e Nico irem embora juntos não era bem uma opção.

As quintas-feiras, como aquela, eram diferentes, no entanto. Assim como nas terças, quando o Clube do Livro acontecia, Arte também dispensava Nico às quintas, pois era o dia do Grupo de Estudos Sobre o Feminismo e Suas Vertentes. Quando entrou na sala de aula do segundo andar, onde costumavam acontecer os encontros, Arte estremeceu. É claro que ela levou as mãos aos braços e fingiu ter sentido o frio do ar condicionado, mas a verdade é que os olhares daquelas garotas atravessavam seu corpo e a faziam sentir-se pequena.

Por mais que Artemísia se divertisse com os garotos, era ir longe demais dizer que ela não sabiam o que as pessoas falavam dela pelo IEC. Comentários por toda parte diziam que ela estava se dividindo entre Theo e Nico, mas com termos muito mais baixos. Alguns iam além: diziam que Arte não só estava dormindo com Nico e Theo, mas que ela também passava um tempo com todos os garotos dos dois times. E os comentários só pioraram quando, subitamente, Ana decidiu que não precisava mais passar tanto tempo com Arte. Não que tivessem brigado, mas Ana simplesmente parou de estar com Artemísia em todos os lugares e Arte, por sua vez, nunca foi saber a razão.

Se perguntassem pela escola, diriam que todos aqueles comentários não passavam de brincadeira e que os garotos não estavam chamando Artemísia de nomes ruins, enquanto as garotas a olhavam com insatisfação, mas nada daquilo parecia brincadeira para Arte quando até o Grupo de Estudos Sobre o Feminismo e Suas Vertentes se tornou um território inseguro para ela.

— Oi — Arte deu seu melhor sorriso, como se aquilo pudesse provar sua inocência perante as acusações silenciosas que faziam a ela.

As meninas deram sorrisos amarelos e continuaram em seus assuntos, enquanto esperavam a professora que conduzia o grupo chegar.

Na primeira ou segunda quinta-feira que olharam-na daquela maneira, Arte se sentiu tão incomodada que sua única salvação pareceu ser Liliana. Ela tinha, de fato, ficado com Nico e flertado com Theo, então Arte achou que a garota a acolheria, embora aquele devesse ser o único lugar onde discriminariam uma garota. No entanto, Liliana não foi tão perceptiva assim, mantendo o assunto entre o que lhe permitia ser fria e educada ao mesmo tempo.

— Olá, garotas — a professora que mediava o grupo entrou. — Como vocês estão?

Um coro de "bem" e palavras similares soou. Arte escolheu a cadeira mais próxima da janela, porque dali ela poderia ver a quadra de vôlei, onde Theodoro estava jogando.

Artemísia estava tão distraída que sequer reparou quando começaram a falar do assunto do encontro do dia. Para ser sincera, ela não estava mais tão feliz em estar ali com aquelas garotas hipócritas, mas era um jeito de passar tempo e esperar Theodoro terminar seus treinos de quinta-feira. E seria estranho se ela simplesmente deixasse o grupo e passasse ainda mais tempo com Nicolas. Aquilo certamente não ajudaria em sua reputação.

Não que ela devesse se importar, mas, no fim das contas, todos se importam.

— Artemísia? — a professora chamou.

Ela esteve olhando pela janela nos últimos minutos e, mesmo que nem estivesse olhando para Theodoro, provavelmente não era o que parecia.

— Sim? — Arte tornou a olhar para dentro.

— Há algo errado?

As garotas também olhavam para ela e uma delas murmurou algo que ela não conseguia ouvir de onde estava.

— O que disse? — Artemísia perguntou, curiosa. Se iam falar dela, que falassem para ela ouvir.

A garota riu e balançou a cabeça, mas aquilo já havia testado demais os limites de Arte.

— O que você disse? — Artemísia levantou-se e disse em um tom mais firme.

A regra é clara: quando uma aluna do IEC se sente intimidada, ela precisa revidar. Em seu melhor tom monótono, a garota de cabelo castanho olhou para Arte e falou:

— Disse que talvez você estava olhando para o seu namorado. Nós só não sabemos qual deles.

Arte abriu a boca, mas tornou a fecha-la. Era um grupo feminista.

— Engraçado que esteja preocupada com a quantidade de namorados que eu tenho e não tenha notado que talvez nem seja da sua conta — Arte devolveu, esforçando-se ao máximo para ser firme.

— Garotas... — a professora alertou.

— Talvez nós só estamos tentando entender como a mais centrada do grupo se tornou... — a frase morreu e Arte virou-se para ver quem tinha falado aquilo. Liliana pareceu encontrar as palavras, porque continuou: — De qualquer maneira, há quem chame de empoderador ter os dois garotos mais desejados do colégio nas mãos. Só não é bem como eu chamaria.

Arte piscou com as palavras da menina. Como ela podia dizer coisas como aquela quando Arte já tinha visto-a deixar o bosque acompanhada de Nico. Não era bem empoderamento feminino o que havia entre as pernas de Nicolas, mas Artemísia não tinha nada a ver com aquilo.

Ou talvez... Talvez essa era a razão pela qual todas elas tinham algo contra Arte, subitamente. Porque era ela quem ocupava o tempo dos dois garotos mais desejados do colégio. Era ela quem tinha a atenção deles e, no fim das contas, quando as pessoas perdiam seus brinquedos, ninguém se importava muito com a pauta feminista.

— Eu não sei o que está havendo, mas... — a professora começou, mas deixou pra lá no segundo em que Artemísia começou a se mover pela sala.

Arte atravessou o ambiente e foi até a porta, virando-se para dizer qualquer coisa que pudesse impedi-la de morrer entalada com pensamentos assim que saísse dali.

— Engraçado que estejam me chamando de puta nas entrelinhas enquanto estão sentadas nessas cadeiras, numa quinta-feira, no Grupo de Estudos Sobre o Feminismo e Suas Vertentes. Garotos não chamam os outros de putos e isso é uma das coisas que nos trás aqui, não é? Vão se foder.

Artemísia saiu pisando duro, mas seus pensamentos não corriam mais pelo caminho histérico que tomavam anteriormente. Enquanto ela atravessava a escola para ir atrás de Theodoro na quadra, a única coisa que lhe ocorria era o quanto uma vida podia mudar em tão pouco tempo. Especialmente a dela.

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