Arte

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Arte tinha um apreço especial pelas figuras de linguagem e sabia responder o que era uma onomatopeia: a representação de um som através do uso de vocábulos. Como o tique-taque dos relógios, que poderiam muito bem representar o tempo que a boca dela permanecia contra a de Theodoro, ou o toc, toc, que acabou com o momento.

Toc, toc.

Arte afastou-se de Theodoro o mais rápido que pôde, pondo-se de pé no segundo em que a porta foi aberta por sua mãe. Qualquer um podia dizer quando tinha acabado de interromper alguma coisa. Certamente a mãe de Arte sabia que as duas batidas que dera na porta haviam arruinado o momento de Artemísia e Theodoro, mas com sorte ela decidiu não fazer qualquer comentário sobre aquilo. 

— Estou indo encontrar Atena no shopping, você quer alguma coisa de lá? 

Arte cruzou os braços e balançou a cabeça em negativa. Como poderia explicar à sua mãe uma coisa daquelas?

— Bom, talvez os pais de Theo querem que ele volte para casa? — aquele era o verdadeiro propósito da interrupção. Por mais que os dois adolescentes não soubessem, estiveram se beijando por um tempo considerável e aquela era a hora de Theo ir. 

— Ah, claro — Theo levantou-se da cama com alguma dificuldade de esconder sua ereção.— Você vai ao Botafogo Praia Shopping? 

— Sim — Cristina fazia algum esforço para ignorar o fato de que sua filha era o motivo da excitação daquele garoto. Parecia que Arte havia sido uma criança bochechuda há dois dias e então ali estava ela e, bem, ali estava ele

— Talvez eu... hum...

— Theo quer saber se você pode dar uma carona — Arte encontrou as palavras em meio ao constrangimento.

— Você mora em botafogo?

— Sim, na orla. 

— Ah, então vamos — Cristina sorriu.

Era estranho para o garoto encarar o sorriso puro de Arte em outro rosto, especialmente depois dos últimos minutos. A situação era assombrosamente estranha e, por mais que ele quisesse logo ir embora dali, não estava ansioso para ficar a sós com a mãe de Arte. Mães — ou pais — não costumavam ser positivos sobre amassos casuais entre adolescentes. 

— Tem mais uma coisa — ele começou, fazendo Arte olhar com curiosidade e talvez um pouco de espanto. Ele não deveria falar mais nada. — Amanhã tem uma festa...

— Quarta-feira à noite — a mãe de Arte levantou uma sobrancelha. 

— Bem, o meu time de vôlei venceu a disputa com o outro time de vôlei e vamos dar uma festa de comemoração. Eu convidei a Arte e acho que ela ainda não teve tempo de falar com você sobre isso, então...

— Se ela quiser ir, tudo bem — Cristina deu de ombros. Artemísia não vinha sendo muito social nos últimos tempos, então por mais que não fosse uma boa ideia uma festa no meio da semana, talvez aquele fosse o pontapé inicial para que a filha pudesse aproveitar o fim do seu ensino médio com alguma dignidade. 

— Tudo bem? — Arte arregalou os olhos. Não era bem a resposta esperada, porque ela teria aula na quinta-feira, portanto não pôde se decidir se estava feliz ou não sobre a permissão. 

— Ótimo — Theo piscou para Arte. — Então... tchau? 

Cristina suspirou. Ela podia entender sobre despedidas. Ela tinha sido uma adolescente e entendia sobre a necessidade de alguma privacidade em momentos como aqueles. 

— Vou pegar as chaves do carro — disse e sumiu. 

Arte encarou Theo. Não era mais tão fácil olhar para ele depois do beijo. Antes era simples manter diálogos superficiais e cobrir sua ansiedade com irritação, mas então depois de toda a situação, do beijo e do resto — ela ainda podia se lembrar da voz rouca de Theo sussurrando palavras contra sua boca — não era tão fácil assim para lidar com ele. Não sabia o que dizer. Não sabia como se comportar na frente dele. Não era suposto que estivessem mais à vontade depois de tanto contato? No entanto, estava ainda mais sem jeito. Ainda deviam se comportar como duas pessoas tentando manter uma amizade? Devia subitamente se comportar como todas as garotas que Theo já tinha beijado, com toda a confiança e controle sobre ele? O que ela devia fazer, afinal? 

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